quarta-feira, janeiro 31, 2007

Apelo

A despenalização da interrupção voluntária da Gravidez é um direito democrático. Porém, o poema da Rita Ferro ontem interpretado no programa Prós e Contras uma miséria de espírito: “ a mulher que aborta ou é fútil ou é adúltera”. Sentença?
Dizer-se que o que se pretende é liberalizar é outra asneira. E, mesmo assim, a “guerra” está aberta entre os “Não” e os “Sim”; perdendo-se a noção de que o que se discute é uma alteração ao código penal.
A pergunta é: Concorda com a Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada por opção da mulher, nas primeiras dez semanas em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?
Eu respondo sim. E tomo esta decisão porque que eu não quero que as mulheres tenham que se esconder na clandestinidade para interromper uma gravidez que elas não desejam; porque eu quero que as mulheres sejam apoiadas médica e socialmente numa decisão que tomaram por opção; porque eu não quero assistir a julgamentos como o da Maia; não quero que as mulheres portuguesas sejam expostas daquela maneira cruel, como se fossem assassinas. Não quero e tenho a certeza de que a despenalização do aborto, até às 10 semanas é uma questão de justiça social. Vou votar Sim. Em 1998, tinha 23 anos. Votei Sim. Naquela altura, como hoje, tenho a certeza de que esta lei deve ser outra. Espero que as pessoas votem. E apelo aos defensores do “Não” para que não tentem “entrar” dessa maneira na consciência dos eleitores. Exemplo: tratar da despenalização da interrupção voluntária da gravidez como uma despesa do Estado.
Nenhuma discussão deve por preço na dignidade de um ser humano.
Espero não assistir ao que assisti em 1998. De um e do outro lado.
Votem. Mas votem, serenamente.

(Post Scriptum: Vou ser tia em Junho. Pela primeira vez. Não constituo perigo para a minha cunhada. Espero/a com alguma ansiedade. Já lhe comprei as primeiras sapatilhas.)

terça-feira, janeiro 30, 2007

Mora(dia)

Ninguém mora (só) de dia. Há sempre, mesmo que por detrás das cortinas, muita gente, ainda que (só) espreitando com os narizes colados nos vidros (ou no que resta deles) a ver-nos passar.
Ninguém só mora de noite. Mora-se de dia e de noite. (E a manhã é dia?)
Moradia podia ser o dia de morar. Podíamos celebrar o dia de morar; o dia de ser das nossas habitações com a cumplicidade dos versos de um poema de rima cruzada. Ou não.
Às vezes, morar mais vezes faz falta. Demorar faz ainda mais falta. Eu, por mim, moro na minha morada há muitos anos. Inclusivamente, lembrei-me agora, que quando aprendi a escrever, a primeira morada que escrevi, foi esta. Moro aqui. Aqui tenho morada. Habitação.
“A minha casa é concha (…) Minha casa sou eu e os meus caprichos (…)" escreveu Nemésio no poema “A Concha”. “ (…) não me lembro da cor dos olhos quando olhava/ os olhos das raparigas lá de casa/mas sei que era neles que se acendia o sol (…)”, escreveu Emanuel Félix naquele que é, para mim um dos seus melhores poemas: “As raparigas lá de casa”.
Armando Cortes Rodrigues “disse”: “ E quando as sombras surgem à tardinha/Pelos cantos do lar e a casa inteira tem um ar de mistério, na maneira/ De alguma aparição que se avizinha (…) E as sombras não se vão à revelia/Antes juntas em nossa companhia, /Ficam bailando em redor da mesa.” Desde o dia 11 de Janeiro, que se abriu em Ponta Delgada, a “Morada da Escrita”. Belíssima homenagem às conchas e aos caprichos, aos olhos das raparigas lá de casa e, claro está, às sombras que, em nossa companhia, bailem “em redor da mesa”, “ Onde os olhos tocam a cal e a escura/ pedra de basalto, é a perfeição:/ a tão nobre e concreta arte do espaço – casa, praça, palácio, rua (…)”, ( excerto de Arquitectura Açoriana, do poeta Eugénio de Andrade).
Por mim moro aqui: “(…) sem ambição maior que o livre Espaço”, ensinou-me o poeta florentino: Pedro da Silveira (verso de Soneto de Identidade).

Nota de Abertura, Suplemento de Cultura, publicado hoje, dia 30/01, no jornal Açoriano Oriental
Colaboram na edição de Janeiro: Célia Machado, João Gil,Antero Ávila,Rui Goulart, Nuno Costa Santos, Paula Leal e Paulo Afonso

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Boca Santa




"(...) A construção de parques de estacionamento através de investimento público para serem posteriormente concessionados a privados não serve os cidadãos. O que Ponta Delgada precisa é de lugares de estacionamento gratuito. O comércio tradicional não sobreviverá se o consumidor puder estacionar gratuitamente nas grandes superfícies e tiver de pagar a peso de ouro para estacionar no centro da cidade.(...)"
Excerto de "Bunker", Artigo de opinião de Nuno Tomé, publicado hoje, dia 29.01.2007, no jornal Açoriano Oriental

Stop Toupeira

mais informações aqui


sexta-feira, janeiro 26, 2007

Citação (muito importante)

"Que levas ao colo, embrulhado em sarrafaçais transcritos mau olhado
abomináveis trutas e outros preconceitos?
Um sacerdote? Um gato? A
timidez?
Que transportas silencioso, imóvel, como dormindo, no xaile
pespontado a verde com que limpas o suor, o sêmen, as fezes, tudo o que
abandonas, ofereces, vendes, expulsas, injectas, convocas, reprovas, descreves,
etc.? Embalas e não respondes. Temes a polícia, os tapetes, o capacho, o
telefone, as campainhas de porta, as pessoas paradas pelas esquinas reparando em
por de baixo das roupas das outras que passam? Temes as palavras? Temes que
saiam versos, lágrimas, casamentos, satisfações apressadas em campos de
arrabalde?Temes os partidos, os artigos de fundo, os banqueiros, os capelistas,
a inflação, as úlceras do estômago ou sociais? Que transportas ao colo em
silêncio e num xaile? É a vida? Anúncios luminosos? Casas econômicas? O mar?
Irmãos? Reivindicações? Um livro? Embalas e não respondes.
É a vida? A noite
que cai? As luzes distantes? Um gesto? Um olhar? Um quadro? Uma poesia
lírica?
(Oportunamente interrompida pela chegada de uma pessoa
conhecida)"

Jorge de Sena, Ode ao Surrealismo por conta alheia

...


Foto: José Ávila

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Dia de Amigos



Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.


Herberto Helder, Aos Amigos

segunda-feira, janeiro 22, 2007

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Parabéns...



...à dona da gata preta

Na Blogoesfera


imagem


«(...)A folha amolece e desfaz-se com a rapidez de uma escala diatónica tocada ao piano por dedos compridos e treinados. Maestro tempo. Podia tê-lo desenhado com uma batuta na mão. A sinfonia escrevê-la-ia com os dedos dos pés, sobre linhas de pautas alinhavadas como as marrafas das crianças bem comportadas. Não o consegui enrolar. Desenrolar-se-á sempre até que o papel acabe e eu dê o último suspiro quente. Quando assim for, acabou-se tudo. Eu e o meu tempo.»


Bicho de Conta

E outra...



"Costumo sair de casa no verão com chapéu de chuva. Vou-me esquecendo dele em vários lugares: no comboio, no barco, na biblioteca. Depois de me esquecer dele pela quarta vez, volto para casa, mesmo que o sol ainda se não tenha posto. Foi exactamente assim que cheguei atrasado à morte de um amigo."


Ruy Belo, "Esquecimento", in Homem de Palavra [s], editorial Presença, Lisboa, 1997, pp. 126.

Mais uma...



(...) Há decadas passadas foi moda atacar José Régio por dizia-se contemplar o próprio umbigo. O mais que pode dizer-se, hoje, é que mais vale o próprio do que o alheio. Porque, se uma pessoa começa no umbigo, é um perigo onde acaba."

Jorge de Sena (nota introdutória de Mécia de Sena)" A poesia e a vida" in, Poesia e Cultura, lisboa, Edições Caixotim, 2005, pp. 106.

Recomendação de Leitura



"Tendo visto com que lucidez e coerência lógica certos loucos justificam a si próprios e aos outros, as suas ideias delirantes, perdi para sempre a segura certeza da lucidez da minha lucidez."


Bernardo Soares, Livro do Desassossego,volume I, Colecção Obras de Fernando Pessoa, Assírio & Alvim, Lisboa,2006,pp. 345.

domingo, janeiro 14, 2007

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Post Scriptum

E, só mais uma coisa:
Parabéns a Ponta Delgada pela 7ª posição no Ranking.
(Eu vivo bem na Fajã de Baixo. Vivia melhor (ainda) se me deixassem descer a Rua Direita.)

A(mostra)

E, ainda antes de ir dormir, que já se faz tarde e eu não quero pisar o risco das seis da manhã, gostava de saber da amostra, que deu origem a mais um estudo do sociólogo Alberto Peixoto, do qual tive conhecimento aqui
"Alberto Peixoto adianta que quem fica nos locais de divertimento nocturno até às 06h00 da manhã: "tem propensão para criar problemas, quer pelo excesso de consumo de alcool, quer de substâncias ilegais" (Diário Insular, 09.01.2007), citado do Açores SA

Anedótico.

Não m´acredito!


foto

"(...)Ao consumidor, além de alargar a sua oferta de mercado, vai permitir aproximar-se culturalmente das economias desenvolvidas. Não é que seja determinante ter um McDonald's, mas é uma forma de estar globalmente ligado a outras realidades mundiais.(...)"

De todos os parágrafos do artigo o que eu mais "apreciei" foi este, que acima transcrevo. Pode ser que o autor do texto (André de Oliveira Cabral), incluído na página: Laboratório Social, publicada ontem, dia 10 de Janeiro de 2007, no Açoriano Oriental até tenha razão.
Mas, a mim custa-me entender que se queira fazer crer às pessoas que a chegada de um restaurante deste género vai fazer com que Ponta Delgada se aproxime "culturalmente das economias desenvolvidas".
É que, lamento, mas o que é que o Mcdonnalds tem de Cultural?!
É igual em todo o lado...

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Canção e Poema

Tom Jobim - Eu sei...


"De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Hei-de vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei-de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou ao seu contentamento.

E assim, mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Talvez a solidão, o fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Porém, infinito enquanto dure."



Vinicius de Moraes

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Poema para ler devagarinho



E havia muita gente nas janelas.
Pessoas, que, sem cair, eram de chuva miudinha.
Pessoas como flores nos campos verdes,
Presas pelas suas raízes ao bater do coração da terra.
Pessoas de ás e de bês; gentes em quem morava, por gosto,
Um olhar parado de areia, cumprindo a sua função imóvel
De velar pelo mar.

E havia muita gente pelas portas.
Sombras.
Gentes nas chaminés como se no alto tivéssem ninhos
E dentro deles mais gente. Gentes de acentos agudos
E mãos circunflexas e braços que mais pareciam tiles ou virgulas
Sempre que, na agitação do tempo, rolava mais uma dessa gente
Para o meio das reticências…

À noite quando chegamos não havia ninguém nas ruas
E os passeios lembravam sílabas ou vogais arredondadas
De espanto. Sibilantes como sussurros.
Dizem, que veio uma tempestade de objectividade
E, num ápice, matou-lhes a mãe.

E hoje já não havia ninguém em lado nenhum;
E entramos nas casas vazias de alguém;
E pusemos os pés em cima de exclamações que não se mexeram
E de interrogações que nem piaram…Choramos a morte dos sinais.

Havia, porém, de certeza, algures
Carpideiras a enterrar a poesia dos dias;
Como quem desmancha um terço, conta a conta…

(Há pássaros a morrer no meu quintal
Caindo como chuva, morrendo como a espuma
De um Mar que se esqueceu de voltar à sua areia…)

E não tentamos ficar. Porque não soubemos permanecer
Como a gente que não cai e é de chuva…

(Agora já é tarde)

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Croniqueta XLVI ou Fífia está com cara de passa; espumado...



O Fífia está espumando. Desde o dia 31, que ficou como as garrafas de champanhe. Cara de passa; gosto amargo, o Fífia, agora, perdido parece um pássaro de asas caídas. Triste. Rude. Enfeitiçado pelo líquido espumante, que lhe gaseificou as vistas, como se fosse um buraco de passeio, mal acabado, depois das picaretas frustradas e das pressas obreiras. E as mãos? Duas conchas de lapinha sem menino.
Na noite de Natal, depois da missa do Galo, de onde o Fífia veio triste, por não ter visto ave nenhuma, estavam, à sua espera, debaixo da árvore, três pares de cuecas, uma escova de cabelo, um bordado da Ivéti com dois corações e as portas da cidade (porque foi o lugar onde se conheceram em pleno Carnaval) e o CD da Floribela mais o microfone e a saia da cantora Lusa, que lhe mandaram as primas, que moram em Almada. No dia de Natal, foi um tal cantar as canções da série da Televisão, enquanto as tias e a própria Ivéti assistiam ao brilhar do seu menino, como se ele fosse uma estrela, uma flor, uma delicada melodia; tão delicada, que até parecia perder o ritmo...
A 31, armado de sacos e sacos de estrelinhas, porque o nosso Fífia é contra os foguetes e as bombas e, mesmo que não fosse, a mãe e as tias não o deixavam brincar com isso; lá foi nosso Fífia para as portas da Cidade, outra vez, dado que para ele, aquele é um lugar de culto e de amor, acender estrelinhas toda a noite, beber champanhe e desejar um Bom ano, aos berros, a todos quantos iam passando por aquela festa. No fim, depois de tudo, cansado acabou em braços e veio ao colo das tias para casa. Como um Menino Jesus, foi deitado nas palhinhas, enquanto uma Floribela, em caixa de música, o embalou ao som do "Miau Miau". Lógico, que à noite sonhou com gatos de saias rodadas e cores garridas. Um sonho só.
Ontem, tentando, restabelecer-se da esfrega da passagem de ano foi ao novo restaurante, que veio da América, o Mcdonnalds; levou a máquina para tirar um retrato e enviar para as primas, como oferta de natal. Afinal, não é todos os dias, que o Fífia se pode encontrar à porta de tão moderno espaço, que veio trazer mais modernidade à sua cidade. Grande. Cidade grande.
Em breve, vestido de toupeira, qual mergulhador dos filmes americanos, há-de mandar também uma fotografia aos pais da Ivéti; que não lhe enviaram nada do Brasil. Pode ser que eles lhe ofereçam, então, a bandeira do Brasil para ele fazer uma camisa para o seu casamento; ou então um CD do Netinho; para ele se ir treinando para os bailes do Carnaval. Não há nada como ser estrela. E o nosso Fífia, que é Fífia e não "Fíffia" já saliva a pensar nos bailes de Carnaval, em que ele vestido da estrela Floribela, com longos caracois castanhos e lentes de contacto, dançará colado à sua Ivéti - Frederico. Serão um show! A Ivéti de barbas amarelas como alcatifa por lavar e o Fífia de saia rodada com renda a ver-se e collants rosa choque. Porém, mesmo com todos estes sonhos, nosso Fífia continua com a cara passada; o olhar pingado e os braços descaídos como as asas de um pardal envergonhado.
Não anda nada bem. E, dizem, que é um enjoo. Pode que passe ou não.
Para alegrá-lo, as tias e a mãe têm ligado o microfone e deixado que o seu menino de oiro, qual "Eusebiozinho" lhes repita todos os êxitos da cantora lusa. A cada refrão de um Não tenho nada mas tenho tenho tudo. Sou rico em sonhos e pobre pobre em oiro, as tias choram e o Fífia que é Fífia e não Fíffia ri à gargalhada.
Afinal para que é que ele quer oiro se em breve vai poder ser toupeira?

Pensamento do ano


foto:CM

"Terra minha: não te afastes de mim,
não me faltes,
por mais longe que vá."


Canto da Terra, Argentina, Índios de Pampa
(tradução de José Agostinho Baptista)

terça-feira, janeiro 02, 2007

Citação (importante)

Um Homem Passa com um Pão ao Ombro...

"Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever depois sobre o meu duplo?

Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
- Com que desplante falar de psicanálise?

Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?

Um coxo passa dando o braço a um menino
-Vou, depois, ler André Breton?

Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
-Convirá jamais não aludir ao Eu profundo?

Outro busca no lodo ossos e cascas
-Como escrever, depois, sobre o Infinito?

Um pedreiro cai de um Telhado, morre, já não almoça
-Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?

Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?

Um banqueiro falsifica o seu balanço
-Com que cara chorar no teatro?

Um pária dorme com um pé ás costas
-Falar, depois, a ninguém de Picasso?

Alguém vai num enterro a soluçar
-Como em seguida ingressar na Academia?

Alguém limpa uma espingarda na cozinha
-Com que desplante falar do mais além?

Alguém passa a contar pelos dedos
-Como falar do não eu sem dar um grito?"


César Valejo
(tradução de José Bento)

Poema incluído na obra: Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro, assírio & alvim, Lisboa, 2003, 3ª edição, pp. 1362.