sexta-feira, julho 28, 2006

Croniqueta XXXVIII ou blogo, blogas, bloga ou há bogas muito grandes que não cabem nos narizes ou o Fífia não é uma gaivota constipada


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A croniqueta XXXVIII é a disjunção que sempre foi.
Blogo, blogas, bloga...
Ou
A blogoesfera está cada vez mais visitada e frequentada. Multiplicam-se vozes, que têm opinião sobre tudo e sobre todos. Isso, apesar de indignações heterónimas (opto por não chamá-las anónimas), agrada-me. É o poder de criação máximo, que até ultrapassa o Fífia, que foi tanta coisa ao longo de 37 croniquetas. Ser-se um comentador múltiplo. De manhã Manuel à tarde José. Porém, na porta o mesmo número de escala. Faz lembrar a idade em que deixamos de ver os pés crescer. De manhã sandálias à tarde chinelos e sempre o mesmo número 38. É interessante, no mínimo, digo eu.
Há bogas muito grandes que não cabem nos narizes
Ou há narizes muito grandes e empinados, cujas bogas ficam penduradas quais lagartixas nas paredes quentes e pretas. Lenços. Há narizes, que além de pingos, precisam de lenços; porque quanto mais sujos, mais se notam. Os lenços não precisam ser brancos. Até porque essa coisa dos lenços brancos não me apraz. Não vou nem imigrar nem emigrar. Vou de férias.
Comigo, levo, além de meia família e cão, o Fífia. Preciso de vê-lo estas férias de nariz sempre limpo, pendurado na linha da roupa, como se fosse um saco de asas. À noite, hei-de ouvi-lo assobiar sempre que o vento lhe soprar nas costuras de plástico. (O Fífia não é uma gaivota constipada)
No entretanto, espero que o Tózé melhore e volte a fazer-me companhia por aqui.
Boas Férias.

Citação (importante)



Foto:Mónica Goulart

quarta-feira, julho 26, 2006

Pensamento do Dia II


O.C.L.E.A.C.P.

Pensamento do Dia I



T.O.P.T.O.S.N

Croniqueta XXXVII ou o Fífia é um cidadão em fuga sempre à procura da sua barretada




Redondo como um grão de bico, caído numa garrafa verde embrulhada em espuma do mar, qual mensagem perdida no oceano, o Fífia rola pela rua abaixo; batendo contra as paredes do estômago das casas vazias. Isolado, triste, metido no calor da bruma que cobre a ilha, o Fífia parece um alfinete de dama aberto na fralda de um pequeno embirrento que, a correr no campo de São Francisco, grita por um gelado da Olá. Concentrado, ou pelo menos parecendo, o Fífia tenta pela enésima vez, ler o livro que comprou para as férias; um livro doirado de capa dura com inscrições na lombada, que, diz ele, “ensina as regras do bem-estar na praia, no café, na sala de espera do consultório do médico dos olhos e dos ouvidos, na sala de estar da vizinha ou no Táxi”.
O Fífia é como uma figura de um álbum antigo de fotografias, aonde os vestidos de Domingo das senhoras sussurram para nós zumbidos de excelência e deferência.
Este Verão, quase de Agosto, o Fífia vai ser atleta; já comprou as Nike e a fita para aguentar a pouca cabeleira, que lhe cresce na nuca; comprou os óculos escuros espelhados à estrela de cinema e pediu à vizinha brasileira para lhe emprestar a bicicleta de rodas. De rodas, sim, porque homem que é homem não arrisca , pelo menos, na figura proverbial do nosso Fífia, em quem o provérbio: " quem ri por último, ri melhor" deu lugar a um provérbio fífante: " quem chora primeiro, mama melhor".Mas, adiante, nas compras leva para a mãe umas Puma, para que ela possa correr a seu lado, enquanto ele, leve como uma pluma, ou veloz como um pardal, pedalar na avenida, como se fosse um estrangeiro, ouvindo o seu mp3, aonde, aos gritos, um cantor popular dos que ele ouviu no Coliseu, lhe grita entusiasmo, força e coragem!
O Fífia é um sortudo; seja quem for; venha de onde vier: cantor, jogador, político ou qualquer cidadão anónimo fala sempre sobre ele. Daí que, para o bem ou para o mal, o Fífia sinta cada palavra como se fosse para si; amuando, rindo ou chorando, consoante as circunstâncias. Diga-se que o Fífia é um "coleccionador de barretes"; que os tem de várias cores e feitios, que os arruma em prateleiras, bordando-lhes nas costuras as iniciais dos "costureiros"...Também, por isso, continua a acreditar que no dia em que todos os cantores do festival subiram ao palco do Coliseu foi para ele que cantaram e por ele que vieram. Afinal não é todos os dias que se pode estar perto do maior Fífia da redondeza; essa figura de proa que, às vezes parece adormecido, outras demasiado esperto, mas que, no toque da fuga, no entre e sai das pessoas dos corredores da fama, é, nada mais, nada menos, que o grande Fífia feliz. O que não passa despercebido, o que, às vezes, mesmo parecendo adormecido, se levanta num suspiro e qual "Gato das Botas", discursa para as pessoas com ar de atleta e figura de banda desenhada, inchado das bases, curto nas falas e, claro, pontapeando a gramática, a gosto. Afinal, já não houve o 25 de Abril?, - diz, olhando para os poucos que lhe criticam os modos ou resmungando com o pai que, sempre que encontra uma brecha na redoma, que lhe puseram as tias, as vizinhas e a mãe, lhe dá puxões nas orelhas; alertando-o para o ridículo, mas o Fífia não quer saber. O que quer é um Barrete. Leva-o. Com pom-pom. Sem pom-pom.
De manhã, logo pela fresca, é vê-lo rua abaixo, todo vestido de amarelo, da cabeça aos pés, passando pelos calções amarelos travados nas coxas, com um cordão verde para amarrar na cintura, que a Ivéti lhe ofereceu para levar à Piscina.
O Fífia é um selo. Um saco de praia de amarrar a meio. Uma toalha de franjas; um cabelo caído para cima das orelhas, tentando disfarçar o efeito spock, que elas transportam; o Fífia é uma asa de frango queimada no fundo do tacho onde, entre restos de batata frita e óleo do cozinhado, nada um Fífia enorme e feliz por ser tal e qual aquilo que é: o rei do barrete. Ainda me hão-de erguer um monumento nas portas da cidade, diz, enquanto se perde em teorias do género de que há-de haver um natal em que se lembrem de me embrulhar em papel vermelho como, se eu fosse,(um) presente.Porém, quando vamos ver; quando lhe tentamos tocar: lá está! O Fífia é como os bonecos de plasticina. Vira, revira e...
....foge.
O Fífia é um cidadão em fuga...sempre à procura da sua barretada.

segunda-feira, julho 24, 2006

Pequeno Esclarecimento

"Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês."


Mario Quintana, A vaca e o hipogrifo

sábado, julho 22, 2006

Os Demitidos

Estás demitido, obviamente demitido
tu nunca roubaste um beijo
e fazes pouco das emoções
és o espantalho dos amantes.
Estás demitido, obviamente demitido
evitas a competência
não reconheces o mérito
és um pilar da cepa torta

E assim vamos vivendo
na província dos obséquios
cedendo e pactuando enquanto der
filósofos sem arte, afugentamos o desejo
temos preguiça de viver

Estás demitido, obviamente demitido
subornas os próprios filhos
trocaste o tempo por máquinas
tu és um pai desnaturado.
Estás demitido, obviamente demitido
arrasas a obra alheia
às vezes usas pseudónimo
tu és um crítico de merda

E assim vamos vivendo...

Estás demitido, obviamente demitido
encostas-te às convergências
nunca investiste num ideal
tu sempre foste um demitido
tu foste sempre um demitido
já nasceste demitido!

Jorge Palma

Bom fim-de-semana!

sexta-feira, julho 21, 2006

Croniqueta XXXVI ou o Fífia é uma Figura de Estilo ou uma Oração Subordinada



A meio de Julho, o Fífia anda desarido, que é como quem diz desvairado, tresloucado, doido. Fífada vai, fífada vem e o pobre, escanzelado dos artelhos, rua abaixo rua acima, mais parece uma ventoinha, disfarçada de chapéu. Em casa, não dá descanso à mãe e às tias. Ele é desfiles de moda, vestindo saias e saiotes, cortinados, lenços brancos.
Agora é escriba de artes gramaticais; dedicou-se a estas coisas por ocasião das férias e do pouco que tem para fazer. De Lindley Cintra e Celso Cunha em punho leva horas a fio a ensaiar formas verbais, actos conjuntivos e imperfeitos fazendo dos dias acções de sujeitos e predicados enrolados em metáforas de pasmar. O Fífia é um artista. Uma pessoa multiplicada por eu, tu, ele, nós, vós e eles. Qualquer coisa que, em português, dito depressa, engasgado, pareça alemão ou francês; talvez espanhol. O Fífia adora os Tempos. Adora ouvir-se a ler na voz passiva. Diz-se completo: ele e outro; o que pelo tom da fala é ouvido mais ao longe. O Fífia é uma redundância. Subindo vai para cima; descendo vai para baixo. O Fífia é uma personificação. Na avenida, parece um pato, quando, de rabo espetado, lembra uma argola de cortina do duche, espevitada, qual asa de periquito embalsamado, que as senhoras da feira “arrumam” em gaiolas de vime. O Fífia é um predicativo de sujeito; um complemento directo; um complemento circunstancial de modo, lugar ou fim. Agora que lê a Gramática -a bíblia- fala em exemplos pontuais; em pessoas singulares e plurais, em Frases exclamativas e interrogativas. Em pé, diante do espelho, emita vírgulas com os braços e, à noite, declama poemas que acabam em reticências…O Fífia é como um espaço de parágrafo, onde, por defeito do escritor, cabem dois metros de escrita.
O Fífia soa a repetição; aos verbos conjuntivos; a ser, estar, parecer e continuar, a interjeição, a onomatopeia: Ping! Pong!
O Fífia não cabe num reflexo; não se reflecte; não arde de paixão pelas palavras, nem, como o poeta consegue falar-nos das urgências delas.
O Fífia é condensado como as gramáticas de bolso, que se compravam nas livrarias por dois escudos e meio.
O Fífia é uma imitação, uma palavra homónima, uma perífrase.
O Fífia é uma Figura de Estilo. Uma oração subordinada.
Um Adjectivo sem (de)grau de comparação.

terça-feira, julho 18, 2006

Os Mamões



Em pleno mês de Julho, quando o que lhes ficava mesmo bem na pata, eram as sandálias de dedo castanhas e os calções beges à "menino", os mamões, essa espécie pseudo - saudosista que vagueia, entre as ruas do arquipélago e as páginas de alguns jornais, lançam-se em escrituras pouco abonatórias, como se os tempos da sua “cristandade” ainda se pudessem aguentar entre uma boquinha de alfinete e uma crista levantada à "doutor".
Os mamões, essa classe micro qualquer coisa, porque macro é grande demais parecem esquecidos dos seus tempos de meninos e moços quando, o que diz por aí, foi que “abandonaram” a casa do seu pai, para parecerem mais ricos, mais famosos e mais inteligentes ou independentes.
Os mamões, essa raça de gente, mamaram anos a fio de uma teta que, agora seca, lhes traz um azedume estomacal, traduzindo-se num escrevinhar eloquente que, se distraídos, nos poderá iludir ou, por outra desencaminhar. Porém, atentos, dos mais velhos aos mais novos, nós sabemos, sem enganos, que o que dói nos mamões de hoje, que o foram toda a vida, é que os travões da sua memória, que os aguentaram, anos após anos, mantendo-os lisos e impecáveis, sem mazelas, começam a gastar-se, começam a fazer esbarrar ferro com ferro, começam a deixar aparecer (finalmente) a textura dos seus des(calços) “presuntos”; quando assim é não há palavra que, melhor escrita, ou melhor soletrada, lhes valha. Porque os mamões hão-de, pelo menos, tentar sê-lo toda a vida; mesmo que se lhes meta pela vista dentro que já não podem ser mais nada disso.
O que vale, nessas alturas, é o sorriso, quando eles passam, todos cheios de si mesmos, como sacos de papel castanhos e sem asas para voar ou para se lhes pegar ao colo.
Os mamões são isto. Poderão, eventualmente, ser outra coisa; mas, regra geral, quando se lhes dá muita corda entoam cânticos à maneira dos crocodilos, batendo cascas, como se fossem ostras. Porém, sem pérolas, escondidos no canto do mundo, os mamões secos ficam com o epíteto e morrem na biqueira dos seus sapatos velhos que, roídos e gastos, perderam centímetros de comprimento.

125 Azul


Foi sem mais nem menos
Que um dia selei a cento e vinte e cinco azul
Foi sem mais nem menos
Que me deu para arrancar sem destino nenhum

Foi sem graça
Nem pensando na desgraça que entrei pelo calor
Sem pendura
Que a vida já me foi dura para insistir na companhia

O tempo não me diz nada
Nem o homem da portagem na entrada da auto-estrada
A ponte ficou deserta
Não sei mesmo se Lisboa não partiu para parte incerta

Viva o espaço
Que me fica pela frente e me deixa recuar
Sem paredes
Sem portas nem janelas nem muros para derrubar

Talvez um dia me encontre
Assim, talvez um dia me encontre

Curiosamente
Dou por mim pensando onde isto me ia levar
De uma forma ou d'outra
Há-de haver uma hora p'ra vontade de parar

Só que à frente
O bailado do calor vai-me arrastando p'ro vazio
E com o ar na cara
Vou sentido desafios que nunca ningém sentiu


Trovante

quinta-feira, julho 13, 2006

in memoriam


TGoulart

Ao que vens, gloriosa arma,
De fundo efervescente?
A que vens, hoje, como
Fogo. Xaile. Preto
Amêndoa. Asa. Vela. Lume
Vestido de água?
Como uma corrente de espuma?
A quem chegas, a quem chefias?
Nesse trato, trote, trago e
No toque, tacto, trato
E na vez do mês, a três?
A quem dás?
Como vens e vais e ficas?
Permaneces, enlouqueces, toda cheia de S´s
Multiplicada na insistência dos ares?
Gritas. Ficas. Picas. Tricas.
Ide, vai, em voz de tons
E sempre mais. Mais. Mais e mais.
A quem mexes? De quem tiras? Quem escolhes?
Como levas? Em quem pensas? Em quem tens?
Tudo lá.
Ninguém cá.

Citação


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terça-feira, julho 11, 2006

Assim se faz a história!!!

"(...)Nas diversas ilhas dos Açores, desde o domingo da Pombinha, até ao domingo de Pentecostes, não há cidade, não há vila, não há aldeia onde não se festeje o Espírito Santo.(...)As Festas do Espírito Santo representam além de uma importante dimensão religiosa, uma dimensão social. Desde a Bênção das Despensas da Carne e do Pão à Procissão da Mudança da Bandeira, passando pelas Sopas do Espírito Santo, ao Desfilo Etnográfico, não esquecendo o Bodo de Leite, e culminado com a Procissão da Coroação, a realização das Grandes Festas do Divino Espírito Santo, que tiveram lugar, no passado fim-de-semana, em Ponta Delgada, presididas pelo Bispo de Angra e Ilhas dos Açores, revestiram-se de grande significado religioso para os açorianos e para as comunidades de emigrantes do Canadá e dos Estados Unidos da América. A cidade e o concelho de Ponta Delgada, estão de parabéns, por mais uma realização, pelo terceiro ano consecutivo, e após duas décadas de interregno, das “Festas mais Açorianas dos Açores.


Excerto de artigo de opinião de José Miguel Morgado Borges, publicado na edição de hoje do Açoriano Oriental

segunda-feira, julho 10, 2006

Croniqueta XXXV ou Fífia, rei das Grandes Festas e Festas Grandes ou o cidadão anónimo namorado da Ivéti


(foto recebida via email)

Depois da festa, não há quem o aguente. Embrenhou-se de um sintomático “grande”, (adjectivo que se “auto” colou às Festas do Divino Espírito Santo) e, agora, só não voa e rola, porque tem medo, que as pessoas o confundam e, confusão por confusão, mil vezes o facto de ontem, em plena Grande Festa e Festa Grande, terem pensado, que o nosso Fífia era um carrossel ambulante! Como isso lhe agradou; crianças a chorarem por ele, velhinhas a darem-lhe dinheiro para ouvir cantar pela enésima vez, o Hino das Grandes Festas do Divino Espírito Santo que, por ser de uma Festa Grande e de uma Grande Festa, até parecia ser mais afinado.
A caminho de casa, de Hino Grande, mas já rouco, com a cabeça a pesar, dada a artilharia que transportava, o Fífia lembrou-se que, em chegando o Verão, podia usar aquela mesma coroa para, em plena avenida marginal, mas com outra música, ganhar uns trocos; quem sabe, se até, pondo-se no lugar da Grande Coroa das Grandes Festas e Festas Grandes, não acabava por sair no jornal, ao lado da Grande Presidente? Quem sabe…
Em casa, a mãe, as tias e a vizinha saudaram-lhe o aspecto; se é certo que as calças já não estavam perfeitamente claras, os olhos do seu querido Fífia, por detrás dos óculos, pareciam dois botõezinhos, olhinhos de pomba, bem mais bonitos, disse a mãe, que os da Grande Pomba das Grandes Festas e Festas Grandes na cidade.
O Fífia contou-lhes então do que o tinham chamado e da alegria que ele tinha sentido por ser confundido com um carrossel; dizendo, inclusivamente, ter feito muitas e boas amizades. As senhoras ficaram muitos contentes e planeiam construir uma coroa giratória e musical para oferecer à Grande Câmara para as próximas Grandes Festas e Festas Grandes.
Quanto ao Fífia, esse rejubila de felicidade, por se saber, autor das “primeiras letras” daquela invenção, que as suas “damas” (como eles as chama na intimidade) vão oferecer à Grande Câmara. As vozes fá-las-á, ele próprio, agudas e graves, porque o nosso Fífia só não é cantor, como a sua mãe costuma dizer, porque quando chegou ao Auditório já se tinham passados dois dias das audições para a Operação Triunfo e, dado esse erro do jornal, não do Fífia, o “nosso menino” perdeu a vez e, triste, nunca mais quis cantar para ninguém…
Mas, agora, que as “damas” vão fazer este feito; ele até ganha coragem. Já começou o treino; esta manhã era vê-lo Rua dos Mercadores adiante cantando e assobiando uma letra original. Sim, porque não só dado à interpretação alheia, o Fífia também tem, como costuma dizer, letras “home made”; daquelas que inventa, enquanto escova o cão, lava os dentes ou ouve a RTP/Açores. É um homem à maneira.
Amanhã que é 3ª feira será o seu primeiro dia de praia. Já foi comprar os protectores e as toalhas (uma para quando ainda estiver seco e outra para quando vier da água); mais uns chinelos cor-de-laranja para por com o chapéu arejado, que a vizinha brasileira, Ivéti, lhe trouxe lá do Brasil. Está bem que não é uma coroa, mas também não quer ser rei todos os dias. Só lá de vez em quando. Ontem, foi o Grande Rei das Grandes Festas e Festas Grandes da Grande Cidade. Amanhã, qual cidadão anónimo, será somente o namorado da “Iveti” com um único aumento: uma ventoinha de girar na sua cabeça parada…
Haja saúde e paciência...

Citação (importante)

LOUVOR E SIMPLIFICAÇÃO DE ÁLVARO DE CAMPOS
(Fragmento)

"Paro um pouco a enrolar o meu cigarro (chove)
E vejo um gato branco à janela de um prédio bastante alto
Penso que a questão é esta: a gente—certa gente—sai para a rua,
cansa-se, morre todas as manhãs sem proveito nem glória
e há gatos brancos à janela de prédios bastante altos!
Contudo e já agora penso
que os gatos são os únicos burgueses
com quem ainda é possível pactuar—
vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista!
Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a ...
Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou inteiramente o gato
mas de gato para cima—nem pensar nisso é bom!
Propalam não sei que náusea, revira-se-me o estômago só de olhar para eles!
São criaturas, é verdade, calcule-se,
gente sensível e às vezes boa
mas tão recomplicada, tão bielo-cosida, tão ininteligível
que já conseguem chorar, com certa sinceridade,
lágrimas cem por cento hipócritas."

Mário Cesariny, NOBILÍSSIMA VISÃO (1945-1946)

sábado, julho 08, 2006

Citação (importante)



"Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância
— Do mar ou outra, mas que seja nossa
!"
Fernando Pessoa, Prece

quinta-feira, julho 06, 2006

Croniqueta XXXIV ou o Fífia leva à Festa uma coroa que toca música...



Ontem, depois do Futebol, enrolado numa brilhante Bandeira de Portugal, qual repolho ou Couve-de-Bruxelas, o nosso Fífia saltitou alegremente pelas ruas da cidade gritando pela nação em todas as ruas por que passava. Ele era Figo, Ricardo, Pauleta; arrastando as últimas sílabas como se fosse um assobio daqueles desafinados que, antigamente, a Menorquina, vendia com gelado dentro. Assim, esteve nosso Fífia.
Na avenida, ao pé da coroa gigante, tirou retratos e disse-se: “Rei”. Ali sentiu, em plenas Portas da Cidade, a emanação do Império e chorou…comovidamente abalado com a visão de si mesmo…Apesar, disso, sentiu-se sozinho. Queria ser Rei com, pelo menos, mais 80 pessoas à volta.
O sonho do Fífia é ser Rei, quiçá com um nome francês ou inglês, daqueles que ditos parecem prosaicos; daqueles que soletrados lembram chocolate ou qualquer coisa doce; ter um nome que pronunciado, de rajada, a sibilar, entoe um cântico qualquer ao ouvido de quem ouve; um nome que encha paredes e almas de pessoas; um nome que escrito pareça uma pena em voo ou uma flor a nascer num campo despido de erva.
Ontem, na avenida, enquanto os carros rumavam a casa, tristes, o nosso Fífia, enrolado na bandeira de Portugal, qual rebuçado de açúcar, sonhou, nem que fosse só por um dia, poder ter a cabeça suficientemente grande para poder enfiar aquela coroa gigante. Ainda por cima iluminada. Ganhava logo dois pontos. Tornava-se Rei e Esperto. Se calhar Inteligente. Podia que, assim, arranjasse uma namorada; podia que ela quisesse dividir com ele um castelo no reino; um castelo que tivesse ameias, de onde ele pudesse gritar todas as manhãs ao povo: senhoras de aventais e toucas na cabeça, crianças de pés descalços e homens guiando vacas. Uma delícia; um bucolismo, a que só ele, daria cor, acção e fala. O Fífia e a sua esposa. Como gostava. Porém, já que a coroa não lhe serve, porque grande demais; ele não desistiu e para o Domingo, a mãe, as vizinhas costureiras e a tia, vão adaptar-lhe um boné, e torná-lo em forma de coroa. As senhoras não querem que ele destoe dos outros famosos na festa e quando chegar às portas da cidade, a dele ainda vai ser melhor, porque, dadas às mecânicas, as vizinhas e a mãe, vão fazer modos da coroa do Fífia tocar música. Ele, claro, não cabe em si de contente e é vê-lo pendurado na varanda do quarto, onde elas costuram, curioso por ver essa caixa de música, em forma de coroa, que vai usar para a festa. Será Rei, o Rei da festa. Uma coroa com música e uma ventoinha. Uma coroa que dance. Uma coroa que entoe o Hino do Espírito Santo: “Alva pomba que meiga aparecestes (…).”*
Fará parar as pessoas no trânsito; será beijado por todos e, quem sabe, se no Domingo não vai haver lá por baixo, um lugar com ameias, de onde ele possa gritar: Povo! Povo! E o Povo lhe responda: “(…)Que os querubins vos elevam, Senhor (…)”*
E ele no alto, elevado, pelos querubins, levado em braços, todo vestidinho de branco pérola, qual ave da paz, levando na cabeça uma coroa a tocar música, toda brilhante; de manto de Rei às costas. Assim vestido pode que, até, se torne Santa Isabel, mas não faz mal.
A hipótese, ainda que remota, agrada-lhe. O que interessa é ser Rei ou Rainha; o resto.Tanto faz. Para ser da Monarquia, o Fífia é capaz de tudo. A mãe, a tia e as vizinhas também...

* Excertos do Hino ao Espírito Santo

Recomendação de Leitura



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Vitorino Nemésio, Isabel de Aragão Rainha Santa,Lisboa, INCM, Obras Completas de Vitorino Nemésio, Volume X,2002.
Prefácio de José Mattoso

quarta-feira, julho 05, 2006

Bárbaros em Passerelle

"I
um ar “negligé”
furtivo em “dress code”
“cool calm and collected”
outro “enfant gatê”
“whisky on the rocks”

cara estampada em qualquer
“hall”
mesmo imprimida em
“outdoor”
o aedo é “low profile”
o bardo vai “démodé”
o propriamente dito
é “forever” “varietés”
no “glamour” da cidade
no “jet set” a novidade
do atirador furtivo
perdão
do “sniper” a abater
em “open space”
“just in time”
e no “prime time”
e então

II
o cantor não tem “it”
a voz canora “in blue”
se sou mais eu e tu
e um “partner” todo a nu
sou eu mais tu e “true”

mais adoramos um “spin-off”
erguido em nosso “buzzword”
o “chairman of the board”
em “scoop” em “guide lines”
no “damage control”
da maldição do jacobino
fica aqui já pelas custas
o “study case”
o valdevinos
“out” e “in” na volúpia
do concúbito
um “hat-trick”
bem chique
na “flash-interview”
que mais podemos nós
fazer
do “to do”

III
somos a “entourage”
brilhante “brain storm”
“made in” em “New York”
“opinion makers” e
“follow-up” informe

e por falar em português
o “flash-back” é amanhã
o “sponsor” do artista
no “casting” da cortesã
na de Rimbaud “en passant”
na de Cervantes era dantes
na de Camões p’ra depois
valha o William
se não nunca
falaríamos nunca mais
jamais
no “ranking” de culturas
império
“shooting-room”
em língua pura
e em vez das quatro
um

e melhor seria
um outro “boom”
via “e-mail”
e em vez do “bug”
bedum

“wait and see”
“me”
mi"


Fausto
pedido emprestado aqui

terça-feira, julho 04, 2006

Isto é para elas



Foto

Croniqueta XXXIII ou o Fífia é um guarda-sol de praia



O Fífia é um guarda-sol de praia; daqueles sempre iguais: azuis, verdes, vermelhos e amarelos, enfiados na areia, à medida dos nossos tamanhos. Primeiro, quase rente ao chão, depois alteados conforme as idades; para mais tarde morrerem, cheios de mofo, no fundo das nossas arrecadações.
O Fífia é uma arca de arrumar roupa que não serve, mas que é de guardar. É um alfinete de dama ou um alfinete de fralda; uma carta de espadas, uma dama prosaica sentada na curva do baralho. O Fífia é um tremer de chegar; um chorar de desgosto, uma lágrima escorrendo bochecha abaixo na cara de um adulto para morrer no queixo, mesmo rente ao pescoço.
O Fífia não se desfaz porque insiste no passo; o Fífia não se retrai, porque não tem vergonha; o Fífia lê livros ao quilo e aos amigos e conhecidos diz ser o melhor cliente da livraria; o Fífia vai aos museus olhar para as vigas e, quando sai, trazendo debaixo do braço, o catálogo da exposição, usa-o na frente do carro, à vista, para todos verem como é Cultural. No mar, o Fífia é uma onda sem crista, das que não servem sequer para furarmos, porque carregadas de areia, nos fazem engolir os grãos. O Fífia é uma máquina de cortar a relva daquelas antigas, cujas lâminas enroladas por baixo se voltam num girar aflitivo de dor. O Fífia é uma estrada deserta pintada a meio com traços ininterruptos a permitir a ultrapassagem. O Fífia é um ultrapassado. Um sujeito que anda meio de lado, que a falar parece um sapo e que, ao que consta, anda com ar de encostado.
O Fífia é uma ode; um drama mal “arregaçado” dos que metem, por mistura, sacos de dó e piedade; o Fífia é um bailarino de pé chato e calças curtas, que no revirar do passo, deixa aparecer as meias turcas brancas e as bolas de futebol na canela fina.
O Fífia é um caixote de pintos. Furado. Um galo abandonado, depois de velho. Uma bengala esquecida no bengaleiro; um saco transparente de batatas brancas; um pacote de lenços; uma esfera, uma bata de médico sem gente dentro.
O Fífia não fala, sibila. O Fífia não conta, contabiliza. O Fífia não mostra, demonstra. O Fífia não ri de vontade, sorri. O Fífia não vive, finge. O Fífia não salta, assalta. O Fífia não mastiga, mói. O Fífia é tão Fífia, que até nesta croniqueta que tem o número da idade da Gilda, não foi capaz de dar de si. Pasmado, sorumbático, acanhado, desgraçado, atoleimado, o Fífia soltou um ai doloroso e disse: e o aço?

segunda-feira, julho 03, 2006

Coisas que fazem falta!...



imagem

Exposição



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A respeito do copo

Um copo na Copa pendurado pela asa
É uma chávena.
Os copos não têm asas.
E assim em itálico ficam de lado-
os copos
e podem cair...

domingo, julho 02, 2006

Citação (importante)



Fotografia

"Com as mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com as mãos tudo se faz e desfaz.
Com as mãos se faz o poema e são de terra.
Com as mãos se faz a guerra e são a paz.

Com as mãos se rasga o mar.
Com as mãos se lavra.
Não são de pedra essas casas, mas de mãos.
E são no fruto e na palavra.
As mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas.
As mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: Verdes harpas.

De mãos é cada flôr, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas.
NAS TUAS MÃOS COMEÇA A LIBERDADE."

As Mãos, Manuel Alegre

sábado, julho 01, 2006