quarta-feira, novembro 30, 2005

POEMA DE NATAL

Quando tu nasceste
que assombrosas e lindas e impossíveis coisas
[de acontecer aconteceram...

Em Agosto ou Dezembro o certo é que nevou
e uma estrela se fez bordão de magos.

Até os anjos do céu sujaram as sandálias
nos currais de Belém.


Emanuel Félix

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Ultimamente, tenho transformado este blog numa espécie de citador. Para isso, já tenho este
Porque não quero ter um "blog apressado", paro, penso e descanso.
Volto antes de chegar o Menino Jesus.

terça-feira, novembro 29, 2005

Notas de um dia inteiro

1ª nota:

"Por um curto circuito eléctrico incompreensível o electrocutado foi o funcionário que baixou a alavanca e não o criminoso que se encontrava sentado na cadeira.
Como não se conseguiu resolver a avaria, nas vezes seguintes o funcionário do governo sentava-se na cadeira eléctrica e era o criminoso que ficava encarregue de baixar a alavanca mortal"
Gonçalo M. Tavares ( " Avaria", in O Senhor Brecht, pág. 25.)

2ª nota:

Já está disponível online e, daqui a bocadinho, em papel o Suplemento nº 9

3ª nota:

"(...) Julgar um homem é fácil. Todos são juízes, como todos são marinheiros mas não saberiam governar o barco em que navego. A sensação de desespero que se apodera de um homem que perde o controlo do seu leme não tem nome. Tudo parece absolutamente inútil, fenece num ápice, sentes-te tomado dum pavor de comparações e metáforas tolas. (...)"
"A invenção da manhã" (excerto) por Carla Cook (Seixo Review, pág. 50 a 55)

4ª nota:
"Viver é a coisa menos frequente do mundo. A maior parte das pessoas existe e isso é tudo"
Joaquim Pessoa, (Oscar Wilde)

5ª nota:
Daqui a bocadinho volto à escola...

" Um pássaro foi abatido a tiro. Acabava de passar a fronteira."
Gonçalo M. Tavares, ("Perfeccionismo", in O Senhor Brecht, pág. 38.)

BOA NOITE!

segunda-feira, novembro 28, 2005

A minha Escola

A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!
À sua porta eu estava sempre hesitante...
De um lado a vida... — A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
— O meu engenho de barro de fazer mel!
Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
— Quantas orações?
— Qual é o maior rio da China?
— A 2 + 2 A B = quanto?
— Que é curvilíneo, convexo?
— Menino, venha dar sua lição de retórica!
— "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
— Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
— Agora, a de francês:
— "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
— Basta
— Hoje temos sabatina...
— O argumento é a bolo!
— Qual é a distância da Terra ao Sol?
— ?!!
— Não sabe? Passe a mão à palmatória!
— Bem, amanhã quero isso de cor...
Felizmente, à boca da noite,
eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d'Água...
E me ensinava a tomar a bênção à lua nova.


Ascenso Ferreira (1927)

domingo, novembro 27, 2005

A um Jovem I

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" Prezado Alípio:
Ontem à noite, ao sair você de nosso apartamento, onde veio em busca de sabedoria grega e só encontrou um conhaque e um gato por nome Crispim, assentei de reduzir a escrito o que lhe dissera. Aula de cepticismo? Não. Ele se aprende sozinho. A única coisa que se pode remotamente concluir do que conversamos é: não vale a pena praticar a literatura, se ela contribui para agravar a falta de caridade que trazemos do berço.
Por isso, e porque não adiantaria, não lhe dou conselhos. Dou-lhe anti-conselhos, meu filho. E se o chamo de filho, perdoe: é balda de gente madura. Poderia chamar-lhe irmão, de tal maneira somos semelhantes, sem embargo do tempo e do pormenor físico: cultivamos ambos o real ilusório, que é um bem e um mal para a alma. Pouco resta fazer quando não nascemos para os negócios nem para a política nem para o mister guerreiro. Nosso negócio é a contemplação da nuvem. Que pelo menos ele não nos torne demasiado antipáticos aos olhos dos coetâneos absorvidos por ocupações mais seculares. Recolha pois estes apontamentos, Alípio, e saiba que eu o estimo :
I - Só escreva quando de todo não puder deixar de fazê-lo. E sempre se pode deixar.
II - Ao escrever, não pense que vai arrombar as portas do mistério do mundo. Não arrombará nada. Os melhores escritores conseguem apenas reforçá-lo, e não exija de si tamanha proeza.
III - Se ficar indeciso entre dois adjectivos, jogue fora ambos, e use o substantivo.
IV - Não acredite em originalidade, é claro. Mas não vá acreditar tampouco na banalidade, que é a originalidade de todo mundo.
V - Leia muito e esqueça o mais que puder.
VI - Anote as idéias que lhe vierem na rua, para evitar desenvolvê-las. 0 acaso é mau conselheiro.
VII - Não fique baboso se lhe disserem que seu novo livro é melhor do que o anterior. Quer dizer que o anterior não era bom.
VIII - Mas se disserem que seu novo livro é pior do que o anterior, pode ser que falem verdade.
IX - Não responda a ataques de quem não tem categoria literária : seria pregar rabo em nambu. E se o atacante tiver categoria, não ataca, pois tem mais que fazer.
X - Acha que sua infância foi maravilhosa e merece lembrada a todo momento em seus escritos? Seus companheiros de infância aí estão, e têm opinião diversa.
XI - Não cumprimente com humildade o escritor glorioso, nem o escritor obscuro com soberba. Às vezes nenhum deles vale nada, e na dúvida o melhor é ser atencioso para com o próximo, ainda que se trate de um escritor.
XII - 0 porteiro do seu edifício provavelmente ignora a existência, no imóvel, de um escritor excepcional. Não julgue por isso que todos os assalariados modestos sejam insensíveis à literatura, nem que haja obrigatoriamente escritores excepcionais em todos os andares.
XIII - Não tire cópias de suas cartas, pensando no futuro. 0 fogo, a humidade e as traças podem inutilizar sua cautela. É mais simples confiar na falta de método desses três críticos literários."



Carlos Drummond de Andrade
1953


* Na minha opinião, muito semelhante, às cartas de Rainer Maria Rilke, mas de uma riqueza textual imensa, mais não seja, pelos treze anti-conselhos que o sustentam (ao texto)...

sexta-feira, novembro 25, 2005

JM Posted by Picasa

BOM FIM DE SEMANA!

RETICÊNCIAS

Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!

Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
Fitei de frente todos os destinos pela distracção de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...

Álvaro de Campos

Periférica (s) :ilhas

Ó :ilhas, Ó :ilhas, dizei,
Adeus ó Periférica.
Ó assassinos blogs,
Ó vaidades, Ó armas de fast food,
Que assim matais
a nossa haute couture de papel.
Ó :ilhas, Ó :ilhas, desaparecidas,
de cabeça na bruma,
masturbação e sexo não são sinónimos.

quinta-feira, novembro 24, 2005

terça-feira, novembro 22, 2005

Fragmento do homem

" Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.

E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão."

Eugénio de Andrade, in 'Os Afluentes do Silêncio'

sexta-feira, novembro 18, 2005

A Filosofia e a Estética

Não quero deixar passar o dia mundial da Filosofia sem deixar aqui escrito um pensamento que hoje me ocorreu.
Vinha eu, a pé, do parque de estacionamento para o início do meu dia de trabalho quando fui atropelado por uma matilha desarida e desorganizada de cães que seguiam uma cadela escanzelada.
Ela fazia o que queria, atravessava a rua, intensa de tráfego, com cuidado, e eles todos kamikazes, sem cuidado, sem sequer memória do que seria um carro, um farol a milímetros e um PUM!, CRASH!, lá se atiravam, aos empurros, atrás daquela cauda levantada. Duas vezes ela parou e olhou para trás com ar cleopátrico de quem confirma o poder da natureza.
Ao mirar o olhar de sua escanzelada alteza pensei... (achei que esta pausa, aqui, ficaria bem) o cão não tem a mínima noção de estética, rasteja atrás de qualquer código genético, de qualquer cadela escanzelada. O homem não! Excepto um ou outro que tenha, por longos períodos de tempo, por morada uma prisão, o homem segue um meme traduzido em estética, a ideia de "féma", e isto sem ser atropelado. O homem não é um animal.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Recomendação de Leitura

"(...)As palavras como os números, obtêm o seu valor do lugar, que ocupam; e os respectivos conceitos são, na sua determinação e relações, tão mutáveis como as moedas, segundo o lugar e o tempo. Quando a serpente garante a Eva: "Sereís como Deus" e Jeová profetiza:"Eis que Adão é como um de nós", quando Salomão exclama:"Tudo é vão" e quando um tolo qualquer papagueia a mesma frase...fica claro que verdades idênticas podem ser pronunciadas com espírito muito contrário.
Para além disso, qualquer frase, ainda que brote de uma mesma boca e de um mesmo coração, está sujeita a uma infinitude de conceitos colaterais que lhe atribuem os que a captam,precisamente do mesmo modo que os raios luminosos tomam esta ou aquela cor segundo a superfície a partir da qual se reflectem aos nossos olhos. Assim, quando Sócrates, com o seu "nada sei", prestava contas a Críton, quando com as mesmas palavras, afastava de si os eruditos e curiosos Atenienses, ou quando procurava aliviar da ilusão da vaidade os belos jovens que o acompanhavam e ganhar-lhes a confiança igualando-se a eles, as perífrases que teríamos que fazer desse seu lema segundo cada um desses três pontos de vista haviam de parecer tão diferentes como por vezes acontece com três irmãos que sejam filhos de um mesmo pai. (...)"


Hamann, Memoráveis Socráticas, ed. Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa,Lisboa,trad. de Miranda Justo, Colecção Philosophica - Opposita, 1999,pp. 51/52.

(Também) porque hoje se celebra o Dia Mundial da Filosofia.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Poema

aqueles que têm nome e nos telefonam
um dia emagrecem - partem
deixam-nos dobrados ao abandono
no interior duma dor inútil muda
e voraz

arquivamos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do desgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas nocturnas

acendemos então uma labareda nos dedos
acordamos trémulos confusos - a mão queimada
junto ao coração

e mais nada se move na centrifugação
dos segundos - tudo nos falta

nem a vida nem o que dela resta nos consola
a ausência fulgura na aurora das manhãs
e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos
o rumor do corpo a encher-se de mágoa

assim guardamos as nuvens breves os gestos
os invernos o repouso a sonolência
o vento
arrastando para longe as imagens difusas
daqueles que amámos e não voltaram
a telefonar

Al Berto

terça-feira, novembro 15, 2005

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"(...)Nós os Açoreanos de cada ilha temos perdido muito tempo, e muito bôas ocasiões de trabalhar com juízo, pela pueril vaidade, pelo chauvinismo fútil, de não querermos reconhecer aquilo que, supomos, seria a superioridade de qualquer outra ilha sobre a nossa. E por assim ser andamos, por vezes aos solavancos à geografia e ao bom senso.
Manda a verdade todavia que se diga que o interesse de todos nós, e que o bom senso e a geografia aconselham - seria abdicarmos, por cálculo ou generosidade, dos nossos pergaminhos e fantasias, para reconhecermos de bom grado, como bons amigos, como bons irmãos, como inteligentes conterrâneos, que a terra açoreana vae de Santa Maria ao Corvo, porque não é o Atlântico que nos divide, é o mar dos Açores que nos une.E, sendo assim, como é, tão nossa Ponta Delgada, como a Horta, como Angra, ou como Santa Cruz das Flores. (...)
Enfim vamos ao Banco dos Açores, em primeiro logar - o resto virá como corolário. Quem dá o primeiro passo?
Para o seguir já somos muitos e de muito bôa vontade."


Lisbôa, 28 de Agosto, 1920

H. Linhares de Lima, " O Banco dos Açôres", in Na Senda da Identidade Açoriana (Antologia de Textos do Correio dos Açores), org. de Carlos Cordeiro, Ponta Delgada, 1995.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Será que o Nuno tem razão

Parábola dos Talentos

Havendo subido com seus discípulos ao monte das Oliveiras, dias antes de ser crucificado, disse-lhes o Mestre: "O Senhor age como um homem que, tendo de fazer longa viagem fora do seu país, chamou seus servidores e lhes entregou seus bens. Depois de dar cinco talentos a um; dois a outro e um a outro, segundo a sua capacidade, partiu imediatamente. Então, o que recebera cinco talentos foi-se, negociou com aquele dinheiro e ganhou outros cinco. O que recebera dois, da mesma sorte, ganhou outros dois; mas o que apenas recebera um, cavou na terra e aí escondeu o dinheiro de seu amo. Passado longo tempo, o senhor daqueles servos voltou e os chamou a. contas. Veio o que recebera cinco talentos e lhe apresentou outros cinco, dizendo. - Senhor, entregaste-me cinco talentos; aqui estão, além desses, mais cinco que lucrei. Respondeu-lhe o amo: - Bem está, servo bom e fiel, já que foste fiel nas coisas pequenas, dar-te-ei a intendência das grandes. Entra no gozo de teu Senhor. O que recebera dois talentos, apresentou-se a seu turno e lhe disse: - Senhor, entregaste-me dois talentos; aqui estão, além desses, dois outros que ganhei. E o amo: - Servidor bom e fiel, pois que foste fiel em pouca coisa, confiar-te-ei muitas outras. Compartilha da alegria do teu senhor. Veio em seguida o que recebera apenas um talento e disse: - Senhor, sei que és severo, que ceifas onde não semeaste e colhes de onde nada puseste, por isso, como tive medo de ti, escondi o teu talento na terra; eis, aqui tens o que é teu. O homem, porém, lhe respondeu: - Servidor mau e preguiçoso, se sabias que ceifo onde não semeei e que colho onde nada pus, devias pôr o meu dinheiro nas mãos dos banqueiros, a fim de que, regressando, eu retirasse com juros o que me pertence. E prosseguiu: Tirem-lhe, pois, o talento que está com ele e dêem-no ao que tem dez talentos, porquanto, dar-se-á a todos os que já têm e esses ficarão cumulados de bens. Quanto àquele que nada tem, tirar-se-lhe-á mesmo o que pareça ter; e seja esse servidor inútil lançado nas trevas exteriores, onde haverá prantos e ranger de dentes" ( Mateus, 25 :14 a 30 ).

Não há regresso possível mas podes errar no caminho

"quando vieres não toques nas pedras
nos joelhos das casas na alma do pó.
vem como se a nudez te enroupasse
impuro nas palavras
tão nobre como asa partida.

ao passares pelo chafariz
não chegues o pote da tristeza
à bica do tempo.
as dálias e a coragem dão flor
mas não dão fruto.

( a ilha mete medo e nem estás triste...)

sacode a boca das sandálias
e não olhes para trás.
quem o fizer - disse-me ontem à noite
( havia brisa caranguejos musgo e outras lástimas da
ilha) uma gaivota - fica de pé como árvore
condenado a ver o mar e não poder partir.
as gaivotas não mentem"

ÁLAMO OLIVEIRA, Itinerário das Gaivotas, Sec.Reg.Educação e Cultura, Colecção

domingo, novembro 13, 2005

CARTA I

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Estou de partida como os navios no porto. Vou, entre as correntezas do abismo, selectas, enfeitiçadas por rasgos de braços e mãos perdidas, e as brisas dos mares, essas doidas bailarinas, cujas horas de sono perdidas, em passe doble enfeitiçam os olhos desprotegidos das chuvas.
Esqueço a meia vaga as hélices e quando, por algum momento, penso – quero atracar – logo me dizem as ondas: - não podes.
Sou, no intermédio da voz que fica, a frágil palavra. Qualquer coisa que não existe, mais não seja, porque o barulho de ti é tão grande, que eu não consigo dormir…
E as fadas, regressadas da faina, com luvas verdes, calçadas nas mãos, entoam aqueles musicais antigos, que me dizias serem postais do mundo inteiro. Não sei já se me devo esquecer que existes, fingir que talvez voltes...
Por mim, estou de partida, ajeitada para a viagem, como os navios do porto. Doca fora…entre as marés e o salto, o desejado, como quem larga as amarras e voa. Como as gaivotas, sabes? As mesmas dos bicos vermelhos escuros que hoje, particularmente hoje, dormiam na bacia da doca, enquanto eu te escrevia esta carta e as pessoas na avenida, enfiadas nos seus casacos de frio, até pareciam dançar.
Dançar.

PDL, 13 de Novembro, 2005

sábado, novembro 12, 2005

sombras Posted by Picasa


Todas as tardes levo a minha sombra a beber
Como uma nuvem ao mar de que saiu o meu ser.
Não é mais doce a sombra do cavalo
Aberta pelo luar, e o dono a acompanhá-lo.

Levo essa sombra que destinge
Da minha alma e conserva uma mancha de mágoa;
Triste vestido que me cinge,
Deixou a cor no fundo da água.

Eu, cortado de mim como uma flor (e tenho
Vergonha de me sentir flor), as mãos embebo
Nessa água que leva a visão de onde venho,
E é para a não perder que, bebendo-a, me bebo.


Vitorino Nemésio

sexta-feira, novembro 11, 2005

O reparo do amor

Não reparo no teu novo corte de cabelo
Não reparo que às vezes, pela noite, choras
Não reparo que há dias em que não me falas
Não reparo que há tempos não fazemos amor
Reparo quão curta é a saia com que saíste hoje
Reparo que o gajo do bar também repara
Reparo que tu também reparas no gajo do bar
Perdoa-me querida, porque te amo!

Sem Pedigree

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Miss Marbles

Inspirado em José Sebag, no livro: "Cão até Setembro"(poemas)

Onde?

adeus Posted by Picasa


Baden-Baden, Spitzberg, Salzburgo?
Acapulco, Vera Cruz, Pequim?
Thebas, Sebastopol, Hamburgo?
Nova Deli? Não? Ou Nova Iorca? Sim?
Saint-Etienne, Boston, Johanesburgo -
apartheid à parte em tempo inteiro?
Kansas City, Termópilas, Nanterre?
Rejkiavik, Puchóv, Iowa, Erre
de Janeiro?
Cartago, Liverpool, Fez ou Almodôvar?
Londonderry, Santarém, Amsterdam?
Nova Deli? Sim? Ou Nova Iorca? Nam?
A terra de Bolívar (ou para rimar Bolôvar)?
Postojna, Cairo, Loano, Figueiró
dos Vinhos? Reno, Colares, Chianti, Dão?
(Muito obrigado, mas só à refeição.)
Tanganika, Massachussets, Pampilho-
sa? Paris, Bornéu, Kalamazoo?
Nova Deli? Não? Sim? Ou na O. N. U.?
Brza Palanka? Bu Ngem? (Faça favor
de repetir.) Bu Ngem? Brza Palanka?
Bridgehead, Brest, Salamalanca?
Alhos Vedros, San Marino, Andorra?
Liechtenstein, Sarre, o Corredor
de Danzig, mesmo que não corra?

Onde, onde, onde? Dizei-me, por amor
de Deus - antes que eu repita a rima
de forma mais justa (e malcriada, inda por cima).


de Obra Ântuma, publicações Europa-América, 1986)

José Sesinando

quinta-feira, novembro 10, 2005

A verdade, segundo S. José

- José! Diz-me a verdade! Tu andaste a comer açúcar?
- …
- José! Tu sabes que não podes comer açúcar!
- Querida! Mas eu não comi açúcar!
- Não acredito! Jura que estás a dizer a verdade!
- Juro! Juro! Eu não comi açúcar!
- Não foste tu quem comeu o bolo que estava no frigorífico?
- ...! Mas o bolo não é açúcar!!?!!

A mentira, segundo S. Carlos

- Carlos! Tu estás-me a mentir!
- Querida! Tu sabes que não tenho por hábito mentir-te!
- Mas tu estás-me a mentir!
- Querida! Eu não tenho por hábito mentir-te!
- Quero lá saber quais são os teus hábitos! Estás-me a mentir ou não?
- Querida! Eu não… esquece. Eu vou trabalhar. Nós falamos logo quando estiveres mais calma.
- Carlos!?!... Carlos!?!

Eu sei, mas não devia

"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma."

Clarice Lispector

quarta-feira, novembro 09, 2005

Ao domingo todos temos fome

Sempre que possível os meus sobrinhos, Gonçalo 5 anos, Clemente 10 anos, José Maria 12 anos e Miguel 16 anos, dormem na casa dos avós de sábado para domingo. Este prazer é normalmente acompanhado com um convite para uma presença na missa de domingo nas Capelas. Convite que, com algum sacrifício, raramente é recusado, se bem que se adivinha para breve uma deserção por parte do Miguel.
Este domingo os meus pais foram surpreendidos pelo ar de pura infelicidade do Gonçalo à saída da missa. Olhos redondos vidrados para o chão, bochechas descaídas.
- Então Gonçalo?!? O que é que se passa? Que cara é essa querido?!? – perguntaram os avós.
- Eu não gosto da missa!
Enquanto os primos regozijavam com um novo aliado tão precoce, na realidade não contavam com o seu apoio por mais uns anitos, os avós surpreendidos insistiram – Porquê Gonçalo?!?
O Gonçalo levantou do chão aqueles olhos iluminados por uma lágrima e pela fé na justiça divina e, na sua inocência, lamuriou com tremor no queijo – Há comida para todos, menos para mim!!!
Toda a família não precisou de outro alimento todo aquele santo domingo.

Interacção

Foto Jose Avila Posted by Picasa


"O relacionamento dos homens com os animais nunca foi muito fácil, embora toda a gente conheça casos de sucesso.
Foi o que aconteceu com um Mero, com cerca de 25 anos, baptizado RO, que vivia algures, a uma profundidade de 40 metros, numa zona muita má para a utilização de artes de pesca. Por isso sempre se pensou que a interacção que foi imposta por nós, nunca lhe poderia ser fatal, até porque quem o visitava tinha o compromisso de não o deixar subir para zonas de acesso mais facilitado.
Era um animal extraordinário. Aproximava-se dos visitantes, primeiro desconfiado para logo depois se dispor às carícias de uma forma tão meiga e afável, que chegava a comover quem tinha o privilégio de o visitar. Foi fotografado e filmado inúmeras vezes. Foi a estrela das filmagens do programa televisivo sobre o Fotosub.
Mas em Agosto passado, uma tripulação de um barco de outra ilha, supostamente, após dias e dias de busca e paciente espera, teimou em caçá-lo, mesmo que para isso tenha utilizado um método ilegal (garrafa e uma arma de pesca submarina). O que nos custa é que o RO deve ter nadado docilmente em direcção ao arpão de quem o matou...
"


Fonte: Tempo Novo e Cais do Barril

terça-feira, novembro 08, 2005

segunda-feira, novembro 07, 2005

Não Nuno!

Resposta a um convite de debate feito pelo Nuno do foguetabraze em relação a um comentário meu, referente à discussão que resultou dos seus post sobre Mujahedines Franceses

Para começar, Nuno, a minha "última frase inacabada e desistente de lutar" era para ser lida, com sarcasmo, pelos olhos do neoliberalismo.
Para continuar, aceito que seja discutível que um comportamento social de um grupo de homens e mulheres seja influenciado pela religião, e ou cultura, que infecta esse mesmo grupo, considero, no entanto, imoral que hoje alguém continue a achar que um comportamento criminoso, ou mesmo considerado inaceitável, de um indivíduo seja consequência do código genético, ou da raça, do grupo social de que descende esse mesmo indivíduo. Além de imoral, não conheço nenhuma evidência científica de tal barbaridade, aguardo saber da tua.
Também já não estranho que entre os crentes do globalismo abstracto do lucro se ignore o facto de que quando se escreve que "a culpa, nestes casos é dos próprios excluídos que mesmo excluídos vivem melhor nos guetos da Europa Social e da América Liberal do que nos seus países de origem", haja da parte desses globalistas uma incapacidade de perceber que em grande parte dos casos o país de origem dos indivíduos, independentemente da sua raça, que vivem nos guetos da Europa social e da América liberal, do Rio à cidade do México, de South Side ao Bronx, de Lille ao Peixe Assado, é essa mesma Europa social e essa América liberal e esses mesmos guetos por esse mundo fora.
Para terminar gostaria que reparasses que o exemplo que te deste ao trabalho de nos apresentar, sendo preciso, e se bem que visto por um prisma diferente, evidencia exactamente o que eu queria estabelecer quando escrevi no comentário que "devíamos falar em procurar os actos responsáveis por essa exclusão para que não se repitam os mesmos erros de sempre". Apresentaste as diferenças que tu acreditas foram o comportamento cultural dos emigrantes portugueses e chineses e o comportamento institucional por parte do estado francês e que resultou em diferenças na adaptação de grupos diferentes à realidade francesa. Mas, concluir que a culpa, neste exemplo que discutimos, é dos excluídos, e prontos, é que é exemplo das “atitudes que nos levam a esses becos sem saída”.

Profit over People

O linguista norte-americano Noam Chomshy foi escolhido pelos leitores da revista Prospect, em conjunto com a publicação Foreign Policy , como o mais importante intelectual vivo, liderando uma lista de cem nomes de personalidades que sendo especialistas numa matéria específica alcançaram um público global.
Descobri este Homem quando me envolvi na causa de Timor-Lorosae em NY. Passou a ser um dos formadores do meu pensamento.

domingo, novembro 06, 2005

sexta-feira, novembro 04, 2005

O Vent(ilha)dor

Cavaco

(...)

"A "cooperação estratégica" que ele oferece ao actual governo não quer dizer outra coisa.

O importante não é o substantivo, mas o adjectivo, que está lá, precisamente, para esvaziar o substantivo."

(...)



Mário Soares

(...)

"Ele não quer a Presidência da Republica para "fazer" política, mas para impedir que Cavaco a "faça"(...)"

quinta-feira, novembro 03, 2005

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DOMINGO - 6 DE NOVEMBRO - 2005 - TEATRO MICAELENSE - 21H30
Haircut Posted by Picasa


Recebido via email

Roubado daqui

fox.
You are the fox.


Saint Exupery's 'The Little Prince' Quiz.
brought to you by Quizilla

GAIVOTAS

gaivotas Posted by Picasa


"Caminhamos descalços sobre brasas,mas valem-nos as asas que ganhámos nos pés.
Gaivotas inseguras, nós roubamos à força com que, leves, caminhamos a força das marés.
Mas já nos atormenta este exercício de voo ao desatino.
Há que mudar de ofício e forçar o destino."


(Torquato da Luz, in «Destino de Mar»,Edições Margem,Lisboa, 1991)

terça-feira, novembro 01, 2005

Além da Terra, além do Céu

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Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempre amar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.



Carlos Drummond de Andrade