quinta-feira, setembro 29, 2005

Nem tudo o que luz é oiro



1. Quem muito fala pouco acerta

Ouço a Dra. Berta Cabral, candidata do PSD, à CMPDL, no telejornal da RTP/A e fico com a sensação de que a senhora pensa que Ponta Delgada é um governo à parte do governo dos Açores. Um “governinho”, como alguém, acertadamente, definiu, em tempos, as atitudes da Dra. Berta.
Triste

2. Muita sede ao pote
Bem sei que o que Berta Cabral quer é ser Presidente do Governo Regional dos Açores. Veremos se não será a eterna candidata do PSD. Alguém, entre os inúmeros estudiosos, que fazem, para a Dra. Berta, os muitos estudos para a construção subterrânea da Central de Camionagem devia explicar à “Dótora” o que é uma Gare-Intermodal.

3. Santos de casa não fazem milagres.
Tamanho engano que o André explicou, faz-me impressão. Em falta de engenheiros podia a Dra. Berta Cabral perguntar em casa, o que é uma Gare Intermodal, ou então, perguntar à candidatura socialista.
De certeza que respondiam.

4. Quem desdenha quer comprar
Berta Cabral dixit:
“San-Bento não tem o mínimo de conhecimento nem para vereador”
( Berta Cabral ao Açoriano Oriental, dia 29/09/2005)

5. Os olhos maiores que a barriga ou quem muito fala pouco acerta:
“Mas não estamos satisfeitos e construiremos habitações, por todo o concelho, algumas já em fase de concurso, outras prontas a arrancar, designadamente 60 habitações na Fajã de Cima, 320 em São Roque, 220 no Livramento, 50 na Fajã de Baixo, 300 nos Arrifes, 10 nos Remédios, 10 na Ajuda, 10 no Pilar, 10 na Várzea, 6 em São Vicente Ferreira, 25 nas Feteiras, 200 nos Fenais da Luz e 6 nas Sete Cidades”
( Berta Cabral, Açoriano Oriental, 17.09.2005)


6. Nem tanto ao mar nem tanto à terra:

A conta de cima perfaz a módica quantia de: 1227 casas.
Na entrevista de anteontem no Açoriano Oriental, a candidata do PSD afirma que: “O diagnóstico que fiz no início é que Ponta Delgada precisava de 1095 casas para resolver as mais imediatas necessidades da habitação. Não disse que as faria em quatro anos. Hoje orgulho-me de poder dizer que estão em curso 1200 habitações em todo o concelho de P. Delgada.
Porém, no site de campanha diz-se:

Actualmente estão em curso processos relativos à construção de 1.482 habitações:
CONSTRUÍDAS E EM CONSTRUÇÃO
— 60 fogos na Canada do Peixe Assado
— 40 fogos no Beco da Rosinha
— 4 casas nos Remédios
— 6 habitações nos Arrifes
— 2 Casas em São Vicente Ferreira
— 3 casas na Canada das Maricas
— 5 casas nas Feteiras
— 112 casas nas Laranjeiras
— 10 casas nos Ginetes
— 22 casas na Relva
— 57 casas na Fajã de Cima
— 120 fogos na Canada Duarte Borges
— 220 fogos no Pico do Funcho
PREPARAÇÃO DE CONCURSOS E PROTOCOLOS COM PRIVADOS
— 50 fogos na Fajã de Baixo
— 300 fogos nos Arrifes
— 10 fogos nos Remédios
— 10 fogos na Ajuda
— 10 fogos no Pilar
— 10 fogos na Várzea
— 6 fogos em S. Vicente Ferreira
— 200 fogos nos Fenais da Luz
— 200 fogos em S. Roque
— 25 Casas Feteiras
— 6 casa Sete Cidades

Em que é que ficamos?

segunda-feira, setembro 26, 2005

Alice no país das maravilhas I

Na madrugada de Sexta-Feira para Sábado foi assassinado em plena Calheta, um homem. Estava em Ponta Delgada, cidade, a escassos quilómetros da esquadra da polícia… Ninguém o socorreu. A Calheta tem um aspecto escuro ( e está, efectivamente às escuras), mais animada e alumiada na zona dos bares, acaba por morrer na escuridão das ruas...no abandono total.
Isto também se paga com o Governo da República?

sábado, setembro 24, 2005

Perdoa-lhes, Deus, pois não sabem o que fazem!

Segundo o New York Times de quinta–feira, o Vaticano prepara-se para em breve promulgar normas que excluirão qualquer homem com tendências homossexuais de ser admitido no sacerdócio, mesmo que se submetam voluntariamente a uma vida de celibato.

E se, voluntariamente, se castrarem, amputarem os dedos das mãos, até, digamos... ao cotovelo, e a língua, e furarem as órbitas oculares e…

sexta-feira, setembro 23, 2005

"(...)E para que não digam que o que nos move é apenas má-vontade ou imperativos de ordem partidária, eu faço questão de exemplificar. A candidatura do PS, através do seu porta-voz, questionou a Dra. Berta Cabral sobre o paradeiro dos 4.500 lugares de estacionamento e das 1.200 habitações que alegadamente teriam sido disponibilizadas ao longo do seu mandato e não obteve resposta (embora tenha obtido, como sucedâneo, um infeliz e agreste texto da ajudante de campo da Senhora Presidente da Câmara, o que – têm de convir – não é a mesma coisa). E não foi só o PS. A CDU e o Bloco de Esquerda, por exemplo, falaram na subjugação da Câmara Municipal aos interesses financeiros dos grandes grupos económicos ligados à construção civil e, mais uma vez, não obtiveram resposta.(...)"
André B. Campanha da Rolha

quinta-feira, setembro 22, 2005

Eremitério

mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo
os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado
encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior dessa ânfora alucinada
desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem
o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão
assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferográfica cravada no coração


AL BERTO

Desiderata

Vai serenamente por entre a agitação e a pressa e lembra-te da paz que pode haver no silêncio. Sem seres subserviente mantém-te tanto quanto possível em boas relações com todos, mesmo que menos dotados e ignorantes: também eles têm a sua história.

Evita as pessoas barulhentas e agressivas; são mortificações para o espírito. Se te comparas com os outros, podes tomar-te presunçoso e melancólico, porque haverá sempre pessoas superiores e inferiores a ti.

Apraz-te com as tuas realizações, tanto como com os teus planos.

Põe o interesse na tua carreira, ainda que ela seja humilde; é um bem real nos destinos mutáveis dos tempo. Usa de prudência nos teus negócios, porque o mundo está cheio de astúcia; mas que isto não te cegue a ponto de não veres virtude onde ela existe; muitas pessoas lutam por altos ideais e em todo o lado a vida está cheia de heroísmo.

Sê fiel a ti mesmo. Sobretudo não simules afeição nem sejas cínico em relação ao amor, porque, em face da aridez e do desencanto ele é perene como a relva.

Toma amavelmente o conselho dos mais idosos, renunciando com graciosidade às ideias da juventude. Educa a fortaleza de espírito para que te salvaguarde numa inesperada desdita. Mas não te atormentes com fantasias. Muitos receios surgem da fadiga e da solidão. Para além de uma disciplina salutar, sê gentil contigo mesmo.

Tu és o filho do Universo e, como tal como as árvores e as estrelas, tens direito de o habitar. E quer isto seja ou não claro para ti, sem dúvida que o universo é-te disto revelador.

Portanto, vive em paz com Deus seja qual for a ideia que d'Ele tiveres. E quaisquer que sejam as tuas lutas e aspirações, na ruidosa confusão da vida, conserva-te em paz com a tua alma.

Com toda a falsidade, escravidão e sonhos desfeitos, o mundo é ainda maravilhoso. Sê cauteloso. Luta para seres feliz.

* Este texto foi encontrado na velha Igreja de Sant Paul, Baltimore, datado de 1692. Foi citado no livro "Mensagem do Sanctum Celestial" do Frei Raymond Bernard

quarta-feira, setembro 21, 2005

segunda-feira, setembro 19, 2005

O Jovem Mágico

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"O jovem mágico das mãos de ouro
que a remar não se cansa muito
e olha muito depressa (como se fosse de moto)
veio hoje ficar a minha casa

Vivia longe já se sabia
tão longe que era absurdo querer determinar
Metade campo metade luz
aí era a sua casa o sítio onde era longe.

Mesmo de olhos fechados (como ele estava)
e de braços cruzados (como parecia dormir)
o jovem mágico das mãos de ouro
que era todo de empréstimo à minha boite

que falou por acaso que nem se chamava assim
(segundo também contou) tinha vivido há muito
ele, que estava ali, era um falsário
um fugido de outro basta ver os meus olhos

nadasabemosdenósanãoserquechegámos
semumaluzaesconder-nosorosto
beloseapavoradosdeestranhoscasacosvestidos
altosdemetermedoàsavesdelongocurso
nemhánoitesassimnãoháencontros
aolongodasenseadas
nãohácorposdeamantesnãoháluzeirosdeastros
sobtantosilênciotãoduradouratreva


enãomefalesnuncaeusousurdoeunãoteoiço
euvounascerfeliznumacidadefutura
euseiatravessarasfronteirasdascoisas
olhaparaasminhasmãosquetepareçoagora?


No entanto surgiu como simples criança
conseguia sorrir sentar-se verter águas
com as mãos na cintura livre natural
ele que era um fantasma um fugido de outro

um que que nem mesmo se chamava assim
o jovem mágico das mãos de ouro
desaparecido nu de todos os sítios da Terra."

Mário Cesariny de Vasconcelos, in «366 poemas que falam de amor»

sábado, setembro 17, 2005

Verdadeira injustiça (parte 2)

VCruz Posted by Picasa


Discursando ontem, no Coliseu Micaelense, o líder regional do PSD terá dito, segundo o noticiário da RDP,
- o candidato do PS, em relação a Berta Cabral, está na 1ª classe.

Em que classe quererá VCruz mandar Berta Cabral? Segunda?

- a lista de candidatos do PS por São Miguel parece uma turma de repetentes.
Em São Miguel quem concorre de novo pelo PSD?


Marques Mendes apela:

A presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada insiste:
“Mas não estamos satisfeitos e construiremos habitações, por todo o concelho, algumas já em fase de concurso, outras prontas a arrancar, designadamente 60 habitações na Fajã de Cima, 320 em São Roque, 220 no Livramento, 50 na Fajã de Baixo, 300 nos Arrifes, 10 nos Remédios, 10 na Ajuda, 10 no Pilar, 10 na Várzea, 6 em São Vicente Ferreira, 25 nas Feteiras, 200 nos Fenais da Luz e 6 nas Sete Cidades”.(Açoriano Oriental, 17.09.2005)

1227 casas.

Conclusão:
Berta Cabral está no Jardim de Infância. Ainda não sabe contar. Engana-se nos números. E pensa que nos engana a todos nós, cidadãos deste concelho.
Olive Posted by Picasa

quinta-feira, setembro 15, 2005

Poema

Rir é arriscar-se a parecer doido...
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental...
Estender a mão é arriscar-se a comprometer-se...
Mostrar os seus sentimentos é arriscar-se a se expor...
Dar a conhecer as suas idéias, os seus sonhos, é arriscar-se a ser rejeitado...
Amar é arriscar-se a não ser retribuído no amor...
Viver é arriscar-se a morrer...
Esperar é arriscar-se a desesperar...
Tentar é arriscar-se a falhar...

O maior perigo na vida está em não arriscar.
Aquele que não arrisca nada...
Não faz nada...
Não tem nada...
Não é nada...


RUDYARD KIPLING ( tradução livre )

terça-feira, setembro 13, 2005

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade

segunda-feira, setembro 12, 2005

Thought

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"OF Justice—As if Justice could be anything but the same ample law, expounded by
natural
judges and saviors,
As if it might be this thing or that thing, according to decisions."

Walt Whitman
Portas da Cidade Posted by Picasa

domingo, setembro 11, 2005

Máscaras

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máscara que ri, máscara que chora
labirintico teatro, sorte caipora
boca de cena, teia, esquerda alta
um actor alucinado sob as luzes da ribalta
sereias,centauros,serpentes,
novelas de arame farpado
um diamante manchado
pelo sangue dos inocentes
a cada um o seu fado
quem virá prantear a triste vida do soldado?

ó triste madrugada
lágrima de fogo, incêndio, terra queimada
calor que arrefece os nossos corações
no palco vazio, um lamento
na mentira dos espelhos, um actor
um sincero fingimento
máscara que ri, máscara que chora
e agora?

Zeca Medeiros, in Torna-Viagem CD

sábado, setembro 10, 2005

Cheirosos!

perfumes Posted by Picasa


“Cheiro a vitória” na Ribeira Grande
“Um projecto vencedor e uma equipa vencedora”. Foi “com toda a naturalidade e confiança”, na presença do líder do PSD - Açores, que António Pedro Costa apresentou ontem a sua recandidatura à Câmara Municipal da Ribeira Grande, no salão da Casa do Povo da Ribeirinha. Victor Cruz corroborou a ideia, falando em “cheiro a vitória”, adianta nota de imprensa daquele partido.
( Açoriano Oriental, 10 de Setembro)

"Já o líder do PSD/Açores,Victor Cruz, começou o seu discurso com a afirmação peremptória de que "a vitória no concelho da Povoação sente-se, pressente-se e já se cheira"(...)" ( Açoriano Oriental, 8 de Setembro)


O que terá VCruz "cheirado" em Ponta Delgada para falar, em Ponta Delgada numa "verdadeira injustiça"?!

sexta-feira, setembro 09, 2005

Contrastes

"Já o líder do PSD/Açores,Victor Cruz, começou o seu discurso com a afirmação peremptória de que "a vitória no concelho da Povoação sente-se, pressente-se e já se cheira"(...)"

Jornal dos Açores, 8 de Setembro de 2005

"O líder do PSD/Açores considerou que seria uma "injustiça" se a actual presidente da Câmara de Ponta Delgada não ganhasse as eleições autárquicas de 9 de Outubro.(...)"

Açoriano Oriental, 6 de Setembro de 2005


...

Caravana...sempre em frente...

sempre em frente... Posted by Picasa


...vai bater!

quinta-feira, setembro 08, 2005

Os convencidos da Vida

cotovelo Posted by Picasa


"(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi. "

Alexandre O'Neill,"Os convencidos da vida", in 'Uma Coisa em Forma de Assim'

Os Colombos

olhos fechados Posted by Picasa




Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.


Fernando Pessoa ( II parte, " Mar Português", Mensagem)

segunda-feira, setembro 05, 2005

Porque Escrevo?

"(...)Escrevo porque acredito na força militante das palavras. Nunca fui nem serei homem de convicções religiosas porque feriria as minhas convicções morais, mas do cristianismo resgato a magnífica afirmação que diz "primeiro foi o verbo", verdade jamais teológica mas gramatical, porque a palavra é por si só um acto fundacional e as coisas existem à força de serem nomeadas.
Durante os anos negros da ditadura no Chile, os resistentes cantavam uns versos de Paul Eluard: "Escrevo o teu nome nos muros da minha cidade", e a Liberdade existia para além da memória imediata, para além do desejo fervoroso de a recuperar, para além da dor provocada pela certeza de tanta morte em seu nome. Existia com toda a sua deslumbrante vivência porque, cada vez que alguém a nomeava, a inventava novamente.
Escrevo por amor às palavras que amo e pela obsessão de nomear as coisas a partir de uma perspectiva ética herdada de uma prática social intensa. Escrevo porque tenho memória e a cultivo escrevendo acerca dos meus, acerca dos habitantes marginais dos meus mundos marginais, acerca das minhas utopias escarnecidas, acerca dos meus memoráveis companheiros e companheiras derrotados em milhares de batalhas, e que continuam preparando os próximos combates sem medo das derrotas.
Escrevo porque amo a minha língua e nela reconheço a única pátria possível, pois o seu território não conhece limites e o seu vigor é um acto constante de resistência.
Escrevo da barricada solitária de inventor de mundos e, como dizia Osvaldo Soriano, "da responsável satisfação daquele que sabe ser convidado a habitar o coração das melhores gentes".


LUIS SEPÚLVEDA, in "O General e o Juiz",Edições Asa, 2003

domingo, setembro 04, 2005

Dúvida

interrogativa Posted by Picasa


Será que Ribeiro e Castro é candidato à Câmara Municipal de Ponta Delgada?!

sábado, setembro 03, 2005

sexta-feira, setembro 02, 2005

Excerto de Os Três Mal Amados

Joaquim:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.




(As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.)


BOM FIM DE SEMANA

quinta-feira, setembro 01, 2005

pegadas Posted by Picasa


...em direcção ao mar...

Lisboa

Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde começa a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,
nada mais quero de degrau em degrau.


in Escrita da Terra e Outros Epitáfios
Eugénio de Andrade