terça-feira, fevereiro 26, 2013

"O Povo é quem mais ordena"

Vive-se um descontentamento generalizado com a política e os políticos, que vai ficando, a passos largos, cada vez mais visível. Ora é um ministro que é interrompido pela canção de Zeca Afonso, ora são milhares de faturas que dão entrada nas finanças com o nome de Passos Coelho ou Vítor Gaspar, ora são apupos e manifestações de repúdio à actuação de Miguel Relvas, por exemplo. A leitura que se faz destes momentos é a de uma saturação nunca antes experimentada em Portugal (que eu me lembre), que deve conduzir a que, pelo menos, se comece a pensar a sério numa reforma total do sistema político português. É cada vez maior o fosso entre políticos e pessoas. E esse fosso cavado há largos anos já não se resolve, creio, só com a mera redução do número de deputados. As pessoas observam de baixo para cima um “planeta de políticos” que “flutuam”, primeiro pregando, depois pecando, num ciclo vicioso que aniquila a democracia, mata a vontade de participar e, pior ainda, um dia destes explode de vez. Antes que isso aconteça espera-se que sejam tomadas medidas no sentido de acabar com esse descrédito, ou de pelo menos fazer com que se vá atenuando, de modo a que as novas gerações possam crescer e participar numa sociedade mais justa, mais ouvida e, por isso, mais interventiva. Exige-se que se pense mais nas pessoas e menos na vantagem eleitoral; que os políticos sejam homens e mulheres de mais acção e coração e menos imagem de televisão ou fotografia de jornal; que tenham noção que de cada vez que falam dos problemas das pessoas, esses (os problemas) não são apenas um substantivo a pairar no papel. São reais, sentem-se e precisam de soluções rápidas e eficazes. Quer o desgaste dos partidos políticos, que acabam por ser também vítimas das circunstâncias, quer a crise financeira que vivemos, obriga a pensar numa reforma do sistema político português que possa acolher mais e melhor as pessoas e a sua participação. Seria muito mais fácil dizer que as pessoas não participam, nem querem saber. Ponto. Mas todos sabemos que não é sempre assim. Temos, sem sequer ter que chegar ao continente, exemplos disso mesmo na Região: pessoas que se organizam em associações ou grupos informais e que cumprem um papel fundamental, em vários campos de actuação sem pedir nada em troca. O século XXI – que já vai no ano de 2013 e quase no mês de Março – exige uma visão mais alargada e combinada e não linear e cega das políticas, dos políticos, das pessoas e das suas vidas, que deve abranger mais o trabalho em equipa, a autonomia das pessoas, a liberdade de escolha e opção de vida. Não tenho a menor dúvida de que é nas pessoas que estão as respostas para os desafios para vencer a crise, nem tenho a menor dúvida de que é urgente e é agora que se deve ouvir mais e ouvir melhor as diversas vozes da sociedade civil que se fazem ouvir sempre que são chamadas a isso. Não há outra saída. E, acreditem que não vale a pena pensar (só) em nós de gravatas. Há outros nós. Há um “nós” em cada português que canta em qualquer lado: “O povo é quem mais ordena.” E é mesmo. Serenamente, AO de hoje, 26 de Fevereiro

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Morreste-me

É muito difícil escrever sobre a vida ou sobre a falta dela, sobre o que nos morre, quando morre alguém de quem gostamos muito, ou quando morrem coisas em que acreditávamos muito. É por isso que admiro os escritores Philip Roth e José Luís Peixoto. O primeiro, porque escreveu um livro sobre o património humano – além dos museus, das igrejas e das bibliotecas – deixado pelo pai, num tom sensível, impressionantemente verdadeiro e cruel, na espera angustiosa da morte que havia de chegar, num dia qualquer, ou nos frios corredores dos hospitais, ou no carro ou no caminho de casa… Escrever sobre a morte pode tomar rapidamente forma de lamechice, porque não há (ou não havia) muito mais a dizer, mas aqui existe, está lá, em cada página, a identificação constante entre quem lê, tendo passado por isso, e quem escreve coisas como, por exemplo, esta: “O que os cemitérios provam, pelo menos a pessoas como eu, não é que os mortos estão presentes, mas sim que partiram. Eles partiram e, por enquanto, nós não.” Perdemos tempo de mais a discutir o evidente, a debater o insignificante, a falar sem ouvir a própria voz, a calar as ausências, a esconder absurdos e um dia morremos num ápice. A imortalidade das lesmas é uma metáfora (irónica, talvez) mas não deixa de ser tão grande como a nossa própria metáfora. Um dia, não resistimos mais ao passar dos dias e chegamos à forma infinitiva e antónima do verbo viver. Se enquanto vivermos percebermos que tal como as moscas nenhum de nós é imortal pode ser que vivamos melhor. Acho eu. O outro livro, cujo título escolhi para chamar ao “Serenamente” de hoje é de José Luís Peixoto, publicado em 2000, em edição de autor. “Morreste-me” é um património para a língua e literatura portuguesa, escrito, quase de um fôlego, lido depressa, parece um ensaio sobre a vida e sobre a morte. Sobre a falta de vida e sobre a ligeireza da morte, sobre o que nos morre e o que nos fica, sobre o imaginário e a cruel ausência dos que gostamos mais. Muito poucos (penso eu) conseguiram escrever assim de forma tão dura, palavras que acabam por nos invadir e fazer pensar (de facto) nesta nossa “insustentável leveza de ser” (Milan Kundera). Não há ali prazer no sofrimento, nem qualquer espécie de exposição de dor. É tão só e apenas uma dor, a dor de quem se vê, num ápice, sozinho (ou quase) no mundo. Podem morrer-nos pessoas, desaparecendo ou não, podem morrer-nos ideias, ideais, mas que não nos deixemos morrer antes do tempo parece-me fundamental. Sem apegos a moralidades ou a moralistas, sem desapego ao que é nosso de dentro, ou de fora, como a carne que nos enforma ou as palavras que escrevemos ou dizemos, o “Serenamente” de hoje vai com dedicatória a quem me morreu mais cedo do que eu julgava que era permitido, que gostava mais da sua gente do que do resto das coisas, que brigava por uma ideia, como eu nunca mais vi ninguém brigar, que tinha a mão que nestes dias mais falta me faz. Ensinou-me (entre outras coisas) que “Quand le doigt montre la lune, l'imbécil regarde le doigt" (em português: "quando o dedo mostra a lua, o imbecil olha para o dedo") … É isso que me tem feito segurar nos dias, em que parece que seria mais fácil viver dentro de um aquário, só preocupada com as borbulhas perfeitas que, como peixe (sem cérebro) havia de treinar e fazer… Let it be…(mother Mary). Serenamente, AO 12 de Fevereiro

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Não faz mal: temos a TV Rural!

Na mesma semana em que Merkel decidiu assinalar os 80 anos da chegada ao poder de Adolf Hitler, discursando nas instalações da GESTAPO, e exibindo, por diversos locais da Alemanha, exposições sobre o famoso ditador, Portugal viu “renascer” duas belíssimas figuras: primeiro Fernando Ulrich, depois Franquelim Alves, entre ambos o de sempre, Pedro Passos Coelho… Fernando Ulrich, presidente do BPI, em declarações prestadas, aquando da apresentação de resultados do seu banco, perguntou porque é que os portugueses não aguentariam mais austeridade, se os sem-abrigo sofrem tanto e aguentam. Ora o banqueiro Ulrich definiu (e ninguém contrariou) o que aguenta um português, um grego ou um sem-abrigo (que deve ser para o banqueiro outra nacionalidade qualquer), anunciando ao mesmo tempo os lucros do seu banco... Sobre as suas declarações quase ninguém abriu a boca. Por outro lado, e na mesma semana, a nomeação de Franquelim Alves para o Governo de Passos Coelho provocou uma onda de reacções negativas em toda a oposição nacional. António José Seguro disse que o Primeiro-Ministro devia explicações ao país; Jerónimo de Sousa que é uma vergonha a nomeação e o Bloco de Esquerda está indignado pela posse dada pelo Presidente da República. De todas as reacções, a melhor (na minha opinião) foi a de Manuel Alegre. Serenamente disse o ex-candidato a Presidente da República, que é uma vergonha ter sido indicado e empossado Secretário de Estado, devido à sua passagem pelo grupo SLN-BPN; que do ponto de vista da ética e da política da responsabilidade é também uma vergonha, mas que não é uma ilegalidade, porque Franquelim Alves não é arguido, nem está condenado. É só (e tanto) uma questão de ética pública. Pois é. Enquanto Ulrich vai e Franquelim vem, Passos Coelho anunciou no Parlamento que Portugal recuperou credibilidade internacional, que apesar de ter que fazer sacrifícios, está em condições de andar pelo seu “próprio pé”. (Nas redes sociais uma fotografia choca quem a vê. Tirada à noite, numa noite qualquer de Lisboa, as arcadas junto ao Terreiro do Paço, são cama de dezenas e dezenas de pessoas. Fernando Ulrich chama-lhes “sem abrigo”). Devemos sentir-nos todos orgulhosos, explicou-nos Ulrich sem falar de orgulho, aguentamos e por isso mesmo o governo vai brindar-nos com mais um programa de entretenimento: a TV Rural, que o Parlamento aprovou na semana passada. O desemprego atingiu um número recorde de 16,5%? Não faz mal. Temos a TV Rural, de cheiro podre e bafiento como a lembrança da “TV Rural”, emitida entre 1960 e 1990, apresentada por Sousa Veloso. Como agora ditou Pedro Passos Coelho já andamos pelo nosso próprio pé, talvez possamos gastar mais uns milhares num genérico para a “TV Rural”. Sugiro uma versão estilo “gangnam style” do fado: “Uma casa portuguesa”. Para dar voz pode ser Marcelo Rebelo de Sousa. Afinal o professor fala de tudo e de todos. Cantar também deve saber. Se não souber peça ajuda a Ulrich. Por certo, um e outro não terão dificuldades, desde que deixem crescer as patilhas...e peçam a Franquelim Alves para, sei lá, fazer o coro…