terça-feira, janeiro 14, 2014

De olhos em bico




No final do congresso do CDS, Passos e Portas encontraram-se numa estação de serviço, na Mealhada. Passos comeu leitão. Já Portas (mais avisado e diligente) comeu panados.
Portas é mais esperto que Passos. Por certo já sabe que agora com a venda de património aos chineses, também as ementas portuguesas passarão a incluir especialidades como “leitão com amêndoas” ou “agridoce”; “crepes de pastel de nata” ou “chop suey de cozido à portuguesa”.
Por outro lado, Portas, sempre tão viajado e informado, também já deve saber que, entre o final de 2014 e o início de 2015, partirão de Pequim turistas em naves espaciais que pagarão a módica quantia de 70 mil euros e viajarão durante uma hora, a mais de 60 quilómetros de altitude, o que lhes permitirá experimentar a ausência de gravidade.
Só o desejo imenso de sentir essa “ausência de gravidade” pode explicar que Portas tenha anunciado no seu congresso ao próprio Primeiro-Ministro do Governo, de que é Vice-Primeiro Ministro, as suas metas para 2015: Reforma da Segurança Social, desagravamento do IRS, aposta na demografia e racionalização da administração pública.
Lá nada. O que Paulo Portas quer (mas não disse ainda) é experimentar naves espaciais, já que não pôde experimentar submarinos e, lentamente, ir mudando a indumentária dos seus colegas de Governo.
Passarão das gravatas aos kimonos; dos garfos aos pauzinhos; da cerveja ao chá de jasmim e se for mesmo preciso (em nome da pátria portuguesa), nos seus discursos substituirão versos de Fernando Pessoa ou Camões, por versos de Wang Jian.
Depois de alterar o significado de irrevogável e de assim gozar com a cara de toda a gente, Paulo Portas pode tudo, a favor do interesse nacional, que é, claro está (só) dele.
Aposto que o “karaté” vai passar a ser também disciplina obrigatória nas escolas portuguesas, indo mesmo substituir os exames dos professores, tornando-se requisito fundamental para dar aulas do Minho ao Algarve.
Nada disto será assim tão estapafúrdio. Basta que nos lembremos que depois da EDP e da REN, também a Caixa Seguros foi vendida aos chineses; que enquanto essa venda era anunciada o Governo da República, sem qualquer tipo de escrúpulo, dizia também que estava aprovado o alargamento da Contribuição Extraordinária de Solidariedade às pensões acima de mil euros, alargando assim a perda de rendimento na classe média.
Foi a EDP, foi a REN, foi a Caixa Seguros e é (também) o Cinema Londres, que vai ser transformado numa loja de produtos chineses.
Enquanto Portugal se vai deixando “achinesar” e desgastar, entretém-se o Povo com discussões absurdas e conversas parvas, até da Presidente da Assembleia da República sobre os custos da ida de Eusébio para o Panteão; enquanto isso outros discutem se Sophia de MB Andresen deve ir antes, ou depois do “King”.

Cá para mim, se for para continuar a vender o que é nosso aos chineses, mais vale deixar ficar Eusébio e Sophia onde estão. E, já agora, no entretanto, ir pensando em vender o Palácio de Belém aos chineses, com tudo incluído.
O provérbio chinês, a este propósito, é muito claro: “Se quiseres abater uma árvore usando a metade do tempo, passa o dobro do tempo amolando o machado”.

E como isto vai, ao ritmo que vai seguindo, não tarda estão os portugueses de olhos em bico, já sem sequer conseguir dizer: “já basta!” em português.

Serenamente, AO 14 de Janeiro 2014

segunda-feira, janeiro 13, 2014

O que está em causa...


Para um observador mais distraído pode causar alguma estranheza o recente alarido, pela parte dos partidos políticos e dos média, por causa da inédita decisão do Senhor Representante da República de enviar para o Tribunal Constitucional o Orçamento da Região de 2014. Afinal, aparentemente, o Sr. Embaixador apenas exercia uma competência legítima, prevista na Constituição, sobre uma norma, para alguns de justiça duvidosa, que tem impactos financeiros de menos de 1% no Orçamento da Região.

Alguns comentadores políticos mais estudiosos, concordando com alguns dos argumentos aduzidos pelo Sr. Embaixador, salientavam que a medida era infeliz e que o Governo dos Açores estava a contrariar as políticas nacionais violando, inclusive, contratos estabelecidos com o Governo da República. Outros comentadores, como costumeiramente fazem, preferiram falar de algo completamente diferente e referir as responsabilidades dos partidos açorianos na existência do próprio cargo de Representante da República.

Mas houve algo que nunca bateu certo nestes raciocínios de caracter político: o facto de todas as forças políticas com representação parlamentar e autonomistas convictos, com orientações ideológicas totalmente díspares, terem unanimemente, manifestado a sua oposição à posição do Representante da República. Curiosamente, algumas personalidades e partidos que não concordaram com as alterações à Remuneração Complementar Regional também manifestaram o seu desagrado perante a atitude do Sr. Embaixador.

Para quem se interrogou sobre a razão deste unanimismo, a resposta é muito simples: o Sr. Embaixador com a sua decisão põe em causa a Autonomia dos Açores!

E para esta discussão de pouco interessa a avaliação política da norma em causa, nem esclarecer que esta não aumenta a despesa com pessoal, nem explicar que nenhum funcionário público vai ter aumentos de ordenado ou que esta classe nos Açores é a única no país que vai ter uma dupla austeridade, em virtude dos cortes salariais e do aumento de impostos na Região.

O que está em causa não é saber se a Região aprovou uma norma que revela uma opção política, obviamente sujeita a uma avaliação por parte dos eleitores açorianos e do Sr. Embaixador no âmbito do seu poder de veto político. Não! O que está em causa é saber se a Região tem ou não competência (Autonomia) para tomar esta decisão.

Daí a gravidade da atitude do Sr. Embaixador, porque faz um julgamento político de uma norma e concretiza-o, não neste âmbito, no seu direito de veto, mas sim no envio desta para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional.

Mais! Esta decisão do Sr. Embaixador, concretizada em 26 infelizes páginas de exposição ao Tribunal Constitucional, revela a interpretação de que o âmbito da nossa Autonomia está limitada às orientações de caracter político/ideológicas prosseguidas por um qualquer Governo do país e não, como é certo, regulada pelas leis que estabelecem essa mesma Autonomia: a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, o Estatuto Político Administrativo e a Constituição da República Portuguesa. Não interessa para o Sr. Embaixador, se cumprimos os objetivos e os parâmetros estabelecidos nestas “Leis”, mas sim os meios que utilizamos para os atingir.

O Sr. Embaixador pretende, na prática, que o Tribunal Constitucional avalie a nossa capacidade legítima, de enquanto Açorianos, com órgãos de Governo Próprio, podermos fazer diferente.

E na decisão do Tribunal Constitucional poderá estar mesmo em causa esta capacidade, ou seja, a nossa própria Autonomia!
Francisco Vale César
Da Minha Esquina, AO do dia 12 de Dezembro

terça-feira, janeiro 07, 2014

Ao Sr. Embaixador





Numa inusitada decisão entendeu o Senhor Representante da República para os Açores enviar para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional o Orçamento da Região para 2014. Fê-lo não porque o documento prejudicava os açorianos, mas sim por entender que os beneficiava em relação aos trabalhadores da administração pública do continente. Quem ler os fundamentos do pedido de inconstitucionalidade fica com a noção exata do entendimento que o Senhor Embaixador, Pedro Catarino, tem da Autonomia.

Aliás, Sua Excelência, num assomo de inspiração inédita – e para dar prova de vida – resolveu, na mesma semana, aquando da mensagem de Ano Novo, propor a criação de uma lotaria com o objetivo de ajudar a financiar o ensino pré-escolar nos Açores. A ideia, por si só algo estapafúrdia, também contribui para entender melhor o enquadramento que S. Exa tem não só do cargo que, ainda, desempenha, como também o espírito com que vê o regime autonómico. Mas vamos por partes.

Sua Excelência, o Embaixador, considera inconstitucional que o Parlamento dos Açores aprove, em lei do Orçamento, uma alteração que visa alargar o âmbito da Remuneração Complementar. Nos argumentos aduzidos Sua Excelência considera, por exemplo, que a remuneração complementar não beneficia em nada os contribuintes do Continente que suportam integralmente o esforço de uma transferência de cerca de 251 milhões de euros a título de solidariedade para o nosso Orçamento. Na mesma linha de raciocínio argumenta ainda não ser decisivo, no plano constitucional, a circunstância da remuneração complementar não implicar em si mesmo um acréscimo de transferências financeiras do Orçamento de Estado para o da Região Autónoma dos Açores no ano de 2014.

Dito de outro modo, Sua Excelência, o Embaixador, considera que por dever de solidariedade para com os contribuintes do Continente, mesmo que a nossa gestão das contas públicas seja exemplar e que haja recursos disponíveis para ajudar as pessoas, a Autonomia dos Açores e os órgãos de governo próprio da Região não têm competência para decidir sobre a gestão do seu orçamento em nada que contrarie as políticas nacionais.

Note-se que o alargamento da Remuneração Complementar foi aprovado, por unanimidade, na Assembleia Legislativa dos Açores, uma circunstância que, no mínimo, exigiria de Sua Excelência, o Embaixador, alguma contenção ou sensibilidade política. Poderia, por exemplo, ter em conta que nunca, em quase 40 anos, foi enviado para o Palácio do Ratton um Orçamento de Estado ou um Orçamento regional para fiscalização preventiva - É sempre curioso verificar que, no Continente, um Orçamento de Estado que corta no rendimento e aumenta as desigualdades merece uma aprovação unanime do Presidente da República, e que nos Açores, a única zona do país que será duplamente prejudicada em 2014 em virtude de um exclusivo aumento de impostos aprovado por Lisboa, o Orçamento Regional, que visa, exatamente, atenuar esta desigualdade, merece o seu envio para fiscalização preventiva - Poderia ainda ter levantado dúvidas e devolvido ao parlamento dos Açores o documento para reapreciação. Mas não. Sua Excelência, o Embaixador, não se coibiu de exercer as suas competências, ainda que de modo pouco diplomático. E fê-lo de um modo pouco abonatório para as funções que desempenha, não se coibindo de fazer um juízo político relativo às competências próprias da Autonomia Regional. Na prática, a mensagem que pretendeu passar foi a seguinte: ao abrigo do princípio da solidariedade nacional, os açorianos devem sofrer, na mesma proporção e com a mesma intensidade, as políticas recessivas e de austeridade emanadas pela maioria que governa o País. Pouco importa o facto de a Região Autónoma dos Açores não contribuir em nada para o défice nacional. Pouco importa se o défice dos Açores é de apenas 0,4% enquanto o da República é de 5,5%. Não interessa se o endividamento dos Açores é de 20% em função do PIB e o do País ultrapassar os 128%. Para Sua Excelência, o Embaixador, a Autonomia deve ser exercida – apenas e tão somente – se for para cumprir as orientações emanadas do Terreiro do Paço. Afinal, conforme argumentou, são os contribuintes nacionais que suportam na totalidade a transferência de 251 milhões de euros dos cofres nacionais para os cofres regionais. Isto, num orçamento regional que, como se sabe, ascende a mais de mil milhões de euros e numa Região AUTÓNOMA com um PIB superior a 3 mil milhões de euros. 

O problema de Sua Excelência, o Embaixador, é afinal igual a muitos outros que, infelizmente, não compreendem que o sucesso da Autonomia dos Açores contribui para a afirmação do País no Atlântico. Não entendem que a Autonomia não é um luxo, mas um processo político indissociável da identidade açoriana que promoveu o maior período de crescimento e de desenvolvimento da história dos Açores. Não compreendem que a austeridade, ao contrário da narrativa oficial de Belém, afinal não suspende a democracia. Para quem tanto apregoa a unidade do Estado, Sua Excelência, o Embaixador, prestou um mau serviço ao País. E, independentemente do desfecho deste contencioso autonómico – aberto pelo ainda Representante da República – fique Sua Excelência, o Embaixador, a saber que a Autonomia dos Açores é um património político das Açorianas e dos Açorianos que perdurará muito mais anos que a sua efémera, e nada saudosa, passagem pelo Solar da Madre de Deus.

Francisco Vale César
Da Minha Esquina, AO do dia 5 de Dezembro

A “Lotaria” do Senhor Embaixador

 Li, a propósito da morte de Eusébio, várias coisas. Ouvi dezenas de declarações sobre o assunto, por isso combinei comigo mesma que esta crónica não seria sobre ele.
Para quê? Já falou o Presidente da República, já falou o Ministro da Presidência, entre outras altas figuras deste nosso “Estado Português” e já todos disseram de tudo. Até apareceu num canal qualquer Paulo Gonzo a falar sobre Eusébio e ouvi que já há poemas. Só faltou falar o Representante da República para os Açores. Eusébio esteve cá. Pedro Catarino podia querer falar, sabe-se lá…
A minha homenagem a Eusébio será igual à de um senhor que tive ocasião de ler num forum das redes sociais: nos próximos dias, não oiço nem vejo canais nacionais. Não preciso que me digam como ele era, o que fez, de onde veio. Eu sei. Acompanhei a vida dele, o suficiente para saber isso tudo e a minha única pena é que não tenha vivido mais um bocadinho, afinal ainda era novo. Tinha 71 anos.
Eusébio era mais novo que Cavaco Silva. Porém, parece que essa coisa da idade não tem nada a ver com morrer. Uma pessoa vai pela vida e de repente: já está. Também não quero que esta crónica pareça mórbida, nada disso, mas os dias frios, o atordoamento das políticas nacionais, aqueles anúncios que vão fazendo a conta-gotas de que vão cortar pensões e vão sortear faturas e vão, mais dia, menos dia deixar-nos a todos “em pele e osso” atormentam-me…
Indo eu atormentada com tudo isto e mais não sei quem, nem sei quantos, eis senão quando dou de caras com a notícia, no final do ano de 2013, de que Pedro Catarino, representante de Cavaco Silva, nos Açores tinha mandado o Orçamento da Região Autónoma dos Açores ao Tribunal Constitucional para ser fiscalizado preventivamente.
Qual polícia da República portuguesa, o Senhor Representante quer que os açorianos não se “portem mal”, que se comportem e sejam sacrificados como os continentais, sendo assim solidários, como deve ser.
A quente (e mesmo agora a frio) considero que o Senhor Representante da República portuguesa esqueceu-se (o que é lamentável) que as pessoas que vivem aqui, nestas 9 ilhas dos Açores, têm um Governo e um Parlamento próprio e que os seus órgãos foram eleitos em (imagine-se lá) eleições tão legítimas e democráticas como as que elegeram, por exemplo, Cavaco Silva.
O mesmo, porém não se pode dizer do Senhor Representante da República. Não foi eleito. Foi escolhido. Por quem? Por Cavaco Silva. Portanto, para mim (penso que para toda a gente) é claro. No episódio do Orçamento, o Senhor Representante da República cumpriu uma ordem de Belém, como já havia cumprido com a sua mudez em relação a assuntos tão sérios como a Lei de Finanças Regionais ou o diferencial fiscal.
Atitudes deste tipo provam a minha ideia de sempre: não precisamos de um Representante da República para coisa nenhuma. Nem deste, nem de outro qualquer. Somos uma Região Autónoma e não um qualquer condado, controlado por uma espécie de “vice-rei” ou “polícia”, cuja fatiota tresanda a centralismo.
Pelo que vi na imagem televisiva da sua mensagem de Ano Novo, o Senhor Embaixador concorda comigo. Prateleiras de livros e mais livros serviam de pano de fundo à sua figura, sem qualquer referência aos Açores. A bandeira que fosse. Nada. Só livros a metro.
Aquela mensagem podia ser lida aqui, na China ou na Rússia. Nada o identificava como sendo quem é ou representando o que acha que representa.
Açoriano ou açoriana que tenha apanhado a mensagem a meio, quase de certeza, não soube identificar o senhor e se apanhou na parte da “Lotaria”, é bem provável que tenha pensado que era alguém dos "Jogos da Santa Casa" ou coisa parecida…
Assim não vale a pena. De resto viva o Eusébio, o Benfica e (claro está) os Açores.


Mariana Matos


Serenamente, AO 7 de Janeiro de 2013