terça-feira, maio 31, 2005

segunda-feira, maio 30, 2005

As ilhas são de guardar como os segredos

Às vezes, de manhã, outras à tarde, dávamos longos passeios pela rua, sentados no muro de casa, e o meu avô contava-me as freguesias de são Jorge uma a uma. Da esquerda para a direita. Ainda hoje, as sei, as lembro e as conto.
Nunca as digo.

Apostos

Novo Blog.
(Para "agitar" as águas.)

sexta-feira, maio 27, 2005

schöne Wochenende!

FUNERAL BLUES

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever; I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood,
For nothing now can ever come to any good.


W.H.Auden

Os três porquinhos

 Posted by Hello

quinta-feira, maio 26, 2005

Carta aos meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
mesmo que lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais do que a humanidade
não há conta do número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muitos apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou as suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de se estar vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
cumpre-nos tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram."


Jorge de Sena

quarta-feira, maio 25, 2005

Esclarecimento

Porque estou um bocadinho cansada das afirmações de Joel Neto sobre as minhas opiniões e, porque, acredito na liberdade de expressão devo, usando este espaço, pelo qual sou única responsável, esclarecer três ou quatro coisas que, a meu ver, são fundamentais para o bom entendimento entre pessoas adultas como somos nós os dois.
Quero, por isso, deixar claro o seguinte:
Sempre que no Choque de Gerações forem debatidos temas que me interessem; sempre que no Choque de Gerações forem feitas afirmações com as quais eu não concorde ou concorde, vou, como sempre fiz na minha vida toda, sempre que me apetecer, dar a minha opinião.
Quando o Choque de Gerações começou e quando Joel Neto chegou aos Açores e à (sua) ilha Terceira para fazer este programa, eu já existia e já tinha opinião sobre as coisas. Logo, não vou agora, por razões que me são totalmente alheias, deixar de ter a minha opinião sobre o que quer que seja, em geral, ou sobre este Programa, em particular, desde que eu, cidadã destas ilhas, considerar que determinados factos, notícias ou afirmações, me merecem atenção. Sempre. E podem crer que vou dar sempre a minha opinião. Sempre. Se houve coisa que eu aprendi com quem tinha coisas boas para me ensinar foi isso mesmo: a Liberdade de Expressão.
Um blog, no meu entender, é também isso. Um sítio onde posso usar a Liberdade de Expressão, que, outros, conquistaram por mim e que eu faço por preservar todos os dias na minha vida.
O Choque de Gerações é um programa da responsabilidade de Joel Neto?
Certo. A responsabilidade de tudo o que é lá dito e feito é da direcção do programa? Certo. Dirigem o programa como querem? Certo.
Porém, gostava que o apresentador deste programa nunca perdesse da ideia o seguinte: a RTP/A é um canal público. Pago por todos nós.
De modo, que, se não for muito incómodo, até, porque não é por me maçar muito a ideia de ouvir o meu nome, pronunciado pela boca do apresentador do programa, de quem, apesar disto tudo, não se aflijam, sou leitora, pedia ao Joel Neto, ilustre Açoriano, que ao invés de me mandar boquinhas, gentis conselhos; de me dar pequenas repreensões, de fazer pequenas alusões a coisas que, eventualmente, poderei ter focado numa das minhas livres opiniões, no écran da nossa RTP/A, canal de Televisão Público, não no sentido de ser visto por toda a gente (o que até me agrada!), mas antes, no sentido de não ser Privado, me respondesse nos comentários dos meus posts ou, então, via email ou, ainda, no blog do programa.
Tudo isto, a propósito das últimas duas edições do programa e de outras, já passadas, as quais, eu tenho o direito de comentar aqui.
Tudo isto porque eu acredito, como diz o ditado Chinês, que Jamais há retorno de uma flecha perdida, uma palavra pronunciada e uma oportunidade desperdiçada.
Tudo isto porque este blog é meu, por isso da minha inteira responsabilidade.

Ponto Final.

terça-feira, maio 24, 2005

Arcanjo ou ladrão

Ou arcanjo ou ladrão.
Devorador
De perfumes,
De corpos
E de mitos.
Rei nos países interditos.
Conviva solitário do festim
Em que a noite me chama à sua mesa,
Pescador de silêncios e jardins
Na cidade terrível e acesa.
Ou arcanjo ou ladrão. Destruidor
Da imagem do outro que transporto
Tatuada no peito.
Rosa de carne azul que me deslumbra
Quando penetro a solidão com o sexo
Que a minha solidão tornou perfeito.
Assim vogo e arremeto pelos tempos,
Invisível Apolo citadino,
Falus de herói coroado de giestas,
Transgressor voluntário do destino,
Pé de cabra forçando o impossível,
Brisa azul esquivando-se entre os outros,
Com laivos de infinito nas passadas,
Lampejos de infinito nos olhos admiráveis
E flores de estrume a definir-me a testa
De Príncipe e Senhor dos intocáveis.


José Carlos Ary dos Santos


Poema incluído nos livros A Liturgia do Sangue (1963), Vinte Anos de Poesia (1983)e Obra Poética ( 1994)

domingo, maio 22, 2005

BENFICAAAAAAAAAAAAA

 Posted by Hello

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1.
Perguntei: o vento?
Disseram-me: schhhh...

2.

...depois passou uma borboleta.
E eu disse: "no movimento da borboleta o movimento é o que se move"...
Disseram-me: Shhhhhhhhh...


3.
E eu disse:
Vento.
E disseram-me: Schhhhh...
E eu disse: vento!
E disseram-me: Schhhh...

(Só hoje descobri a voz das árvores.)

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sábado, maio 21, 2005

O que é ser daqui

O Tózé, António José,é um primo, que eu só conheci depois de "entrar" na blogoesfera. Hoje, porque acabo de ver que ele disse Ciau aqui e eu não estava à espera e porque não me ocorre dizer mais nada, fica aqui um dos mais bonitos textos que o meu primo Tózé, pensador açoriano, escreveu no seu Blog.



É dizerem-me com dever de ser cidadão do mundo, dizerem-me português e saber que não sou, que me sabe a pouco, que sou mais.
Não aceito que me digam que sou filho de todos os pais e pai de qualquer filho pois só o sou sendo filho dos meus pais e pai dos meus filhos e assim sendo, então serei filho de qualquer pai e pai de todos os filhos.
É dizerem-me que eu poderia ter conhecido os meus avós em qualquer sítio para onde um avião me levasse, mas eu saber que foi aqui.
É dizerem-me que todas as praias brancas são de areia preta, mas foi nestas que eu queimei os pés.
É dizerem-me que o bolo lêvedo, não deixou memória, nem a morcela, e dizerem-me que a memória não é a diferença de ser aqui, neste verde, neste cinza, neste azul, o que poderia ser noutro sítio qualquer e eu saber que a memória queima e que a cicatriz é construção que dói e fica.
É o ser eu e não ser outro qualquer igual a mim próprio. É ter rosto de cão e rabo torto e em Rabo de Peixe ser filhe de putcha du caralhe da pintcha de tue mã.
É ser eu e ilhéu em Nova York, ou na Ponta da Ferraria, é ver da Calheta de S. Jorge o Pico do mundo e não a torre Eiffel.
É quando cheio do tudo e despido da ilha me sentir vazio do mundo e cheio da falta desta relação entre a pedra e o mar.
Enfim, é ser quem eu sou e escolher ser daqui mesmo quando sou, ou posso ser, noutro sitio qualquer.

posted by António José no :Ilhas, 10 de Maio

sexta-feira, maio 20, 2005

Bom fim de semana!




Nos passos disto, os voos que passo, por escrito, neste espaço são o meu Paço de Milhafre. Reservo-me ao direito assumido de dizer o que bem entender. Sendo certo que a minha liberdade acaba aonde começa a do outro e eu respeito. Tudo o mais é tolice. Palavra que, por si só, dispensa definição.



Para o Alexandre.

quinta-feira, maio 19, 2005

Forum Pensar Ponta Delgada

Amanhã no Hotel São Pedro às 21h30 realiza-se o 2º Debate do Forum Pensar Ponta Delgada, organizado pela concelhia da JS/PDL.
Temas:
Ambiente e Urbanismo.

Apareçam!

quarta-feira, maio 18, 2005

Chicos Espertos

Nunca gostei de chicos espertos. Chamem-lhe o que quiserem. Mas, repito, nunca gostei de chicos espertos. No feminino e no masculino. Aqui, em Lisboa ou no estrangeiro. Não gosto de Chicos Espertos ( com maiúscula ou não!). Não gosto dos ares aquecidos de quem, por uma esperteza que desconheço, se enche de um não sei quê, de que desconheço valia.
Não gosto e nunca gostei de Chicos Espertos. É, por certo, um direito que me assiste. Mesmo, que os Chicos Espertos digam que não. Aqui, em Lisboa ou no estrangeiro. São só Chicos Espertos, é certo. Até porque nas terras daqui, de Lisboa e do Estrangeiro já nem todos são cegos, já há mais do que um olho e quem quiser, mais sabiamente, é rei e menos é chico esperto. Arrogantes. Petulantes. Há deles, bem sei, em todas as terras: aqui, em Lisboa ( quero dizer continente!) ou no Estrangeiro ( quero dizer no mundo). É moda. Mas, por princípio, nunca aderi a todas as modas.

Nunca gostei de Chicos Espertos. E não há nada que me convença neste momento a gostar deles, nem mesmo batatas assadas.
Compositor Açoriano

terça-feira, maio 17, 2005

Para ler

O ATLÂNTICO AÇORIANO
uma antropologia dos contextos globais e locais da açorianidade

segunda-feira, maio 16, 2005

Conselho




As ilhas são de guardar como os segredos. Nunca digas quantas sabes. Nunca digas o que sabes...

(Porque hoje se comemora o dia da Região)

Gatos




Estes são os meus cinco gatos novos. Ficaram sem mãe e sem três tios, porque um vizinho simpático decidiu dar-lhes veneno. Apesar disso, têm sobrevivido. Tomam biberon. Cá ficam eles no Ardemares, os amigos da Pug.

domingo, maio 15, 2005

Citações Bloguísticas

286

Quando era miúdo, fazia-me sempre muita confusão o facto de termos um médico de família e ele (neste caso até era ela) nunca aparecer lá em casa para jantar. Nem nas festas...

posted by G

Biblioteca Nacional

"[...]Porque na Biblioteca Nacional (não sei porquê mas dá-me sempre a impressão de que devo pôr-me de pé e cantar o hino quando digo “Biblioteca Nacional”) não somos nós que vamos buscar os livros. Escrevemos umas referências nuns papelinhos e damo-las aos empregados, e depois é que vem a parte engraçada: eles enrolam os papelinhos, enfiam-nos numa cápsula, e enviam-nos para algures (acho que é uma cave) por meio de um tubo que fica ainda a murmurar coisas de intestino. Da primeira vez que vi o mecanismo fiquei fascinado, mas a empregada não esboçou um sorriso sequer perante aquela maravilha. Os empregados que nos trazem os pedidos ao lugar são uma espécie de divas gordas que nos pousam livros na mesa como se deixassem cair lencinhos perfumados.[...]"

posted by don rodrigo

Viagem

Persegue-me na noite a voz do impossível,
Rebentam-me aos ouvidos as ampolas de sangue.
Avanço devagar para a hidra intangível
Que dorme no horizonte do lado do levante.
Fascinam-me o mistério do seu rosto sem nome,
O muro de silêncio que a separa de mim,
A jornada no escuro, os perigos, os escombros,
As barreiras de sombra a que vou pondo fim.

Avanço devagar para a hidra que dorme
O seu sono latente na véspera de mim.

E percorro países como esqueço palavras
E atravesso rios como desprezo leis
E pairo nas alturas com as costas voltadas
Aos séculos de pasmo que para trás deixei.

Avanço devagar para a hidra que dorme
O seu sono de pedra num abismo sem fundo.

É a hora em que a terra não gira,
Em que o vento não corre.
É o tempo do homem descobrir o mundo.





J.Ary dos Santos

sábado, maio 14, 2005

Benffffiiiiiiiiiiiiiiiiiii....caaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!


Homenagem à PUG

my pet!

Contributos IV

Estes contributos fui buscá-los ao maior Blog Açoriano, líder de audiências da blogoesfera açoriana, "propriedade" de um dos mais estimados pensadores açorianos...

"[...] Não existirão muitas dúvidas sobre a existência de uma cultura Açoriana, que nada tem que ver com a bruma, a Ilha o mar ou a gaivota, mas com uma miscelânea de tudo isso, uma cultura plena de cheiro a mar e a uma religiosidade muito própria, plena de ritos de caçadores de baleias e de atuns, de vulcões e terramotos. Somos Ilhéus. Somos um Povo feito de Portugueses do Algarve e de Trás-os-Montes e de Bretões e de Flamengos e de outras importações mais recentes.
Até a nossa enxada (sacho), a nossa forma de trabalhar a terra é diferente do que se vê pela Península fora. Temos o Roxo. Até a nossa Saudade é diferente. Temos a nossa gastronomia, temos o nosso falar."

( excertos de no post "A Nação Açores?" no Foguetabraze )

"[...]No último mês fui "Um Grito em chamas" na "Nova relação de Bordo". Fui "Passageiro em trânsito" entre a trilogia de "Raiz comovida". Nada de recensões, nada de sinopses, nada dessas presunções e literatices que não sei fazer.
Fui, um visitante da Açorianidade.
Se o conceito nasceu com Vitorino Nemésio, certamente tem em Cristóvão de Aguiar um continuador. Com a excepção para "Passageiro em Trânsito", onde há uma clara alteração do estilo, as restantes obras são belíssimos exemplos de critica dos costumes das nossas Ilhas e das nossas gentes, gentes que fizeram e fazem a nação Açores. [...]"

( excertos de no post "Cristóvão de Aguiar" no Foguetabraze)

sexta-feira, maio 13, 2005

Incrível!...




"[...]O Reino Unido dos Açores é um país imaginário, fundado por gente que gosta de política, história, relações exteriores e debates cultuais. Esse tipo de país se chama "micronação", ou seja, um país de fato mas só que não reconhecido pelos países reais (macronacionais). Essas micronações foram declaradas independentes por indivíduos (normalmente sátiros) ou pequenos grupos, que queriam experimentar uma nova forma de nacionalidade, uma simulação complexa do Estado.[...] Nosso país fica no arquipélago açoriano, bem no meio do oceano atlântico, na antiga ( nós declaramos a independência, lembra?:) região autônoma dos Açores, pertencente à Portugal. É claro que não mora nenhum açoriano on-line lá (embora na verdade nada impeça). Esse território foi escolhido em 1998, para dar uma localização que fosse uma referência cultural para todos nós. [...]"

Contributo III

Extraterritorial

"da relação entre língua e alma
(obviamente colectiva a última)
há tratados tratantes até ao vómito

se tudo fosse como ficou dito
( a blasfémia científica será menor que a outra)
então eu acataria plácido o meu inferno

a minha alma ( egoísmo) não é a língua portuguesa
( embora em português me exprima e desespere)
mas uma amálgama de nativos erros

por comparação com padrão que todo lo manda
(excepto obviamente a transgressão que sou)
erros saborosos que infeliz - dificilmente ressuscitarei

assim ementes pródigos de pegados
ingeirados à bocanha dos jarões
como naseiquedigas e maroiços basta

(lá se foi o relâmpago isolado
onde fulgiu a ilha e logo o escuro
portuguêsmente me devolve à alma usual)

ah lembro-me de me proibirem o verbo abaniar
tão expressivo dizer atirar para algures
o impróprio objecto isso é menos ua alma

et puis un jour j´ai lu l´histoire
de la Chèvre de Monsieur Seguin
et puis le matin le loup la mangea


agora ando a ler só notas de rodapé
que em português-inglês já são de pé de página
onde muito apreendo da corrupção anímica

onde se explica que morrer frizado em enregelar de vez
e que o sinó é filho factual do tempero açoriano
onde neve não há nem frizas que se prezem

nem comida encanada, nem draivas de bâses
nem bossas de camelos nem de outros
nem lá os talafones servem para chamar alguém

chamo a isto uma breve amostragem
da alma ( se ela é língua)às postas
é pouco rentável no mercado do saber"

José Martins Garcia, Invocação a um Poeta e Outros Poemas, AH, SREC, 1984.

quinta-feira, maio 12, 2005

Resposta ao Questionário

Não podendo sair do Farenheit 451, que livro quererias ser?Um livro em Branco.
Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
Apanhadinha é uma palavra que não gosto muito. Mas, sim, já houve personagens que me fizeram pensar que se eu fosse este ou aquele…Na minha infância (cá volto eu à recordação infantil!) havia a Anita, os livros da Anita que, eu, pura e simplesmente, adorava. Havia Anita na praia, na festa de anos, na neve…enfim. A Anita era uma personagem espectacular. Mais tarde, foram os livros de quadradinhos ( eu nunca gostei dos cinco) e, nessa altura, era a Turma da Mónica, e eu adorava a Mónica e o seu fabuloso coelho azul. Personagem de ficção nos tempos que correm, lembro-me do Ega de Os Maias, Monsieur Le Queimado, uma personagem de Vitorino Nemésio, de um texto escrito em francês, chamado Le Mythe de Monsieur Queimado, do Carlos, de A Morte de Carlos Gardel de Lobo Antunes e do gato de Histórias de uma Gaivota e do Gato, que a ensinou a voar.
Qual foi o último livro que compraste?A última vez que fui a uma livraria foi Sábado. Comprei “Jerusalém” de Gonçalo M. Tavares.
Qual foi o último livro que leste?Portugal Hoje, o Medo de existir. De José Gil.
Que livros estás a ler?
Neste momento estou a ver o “1”de Gonçalo M. Tavares.
Cinco livros que levarias para uma ilha deserta. Levava “Poesia ( 1935-1940)” de Vitorino Nemésio; “Terras de Lídia” de Maria Orrico; “Signos em Rotação” de Octávio Paz; “Poesias Completas” de Alexandre O´Neill e um livro de quadradinhos do Tio Patinhas, por exemplo. Sim, porque eu não vivo sem me recordar da minha infância.

Três pessoas a quem vais passar o testemunho e porquê?

À D. da gata preta, porque sei que ela vai gostar!

Ao Vent(ilha)dor, porque acho que vai gostar!

Ao GMarinho, porque tenho a certeza que vai a(cha)r piada

Contributo II

«Sou ilhéu; e, tanto ou mais do que a ilha, o ilhéu define-se por um rodeio de mar por todos os lados. Vivemos de peixe, da hora da maré e a ver navios... Na infância e na adolescência era o meu mais belo espectáculo. Quase todas as casas abastadas, nos Açores, estavam munidas de um velho óculo de alcance, e algumas de binóculos, com que se seguiam as chaminés dos paquetes e as árvores dos veleiros molhadas na linha do horizonte. Na nossa casinha de campo, na Vinha do Mão Roxa, sobre os vinhedos e lavas lambidas ao longe pela ressaca, meu pai, — músico e um pouco poeta, — trepava à varanda do telhado, sacava do grande búzio, ao pôr do sol, e metendo e tirando a mão direita na rosca corada do calcário, tirava-lhe dois aulidos alternos e melancólicos, intencionalmente repetidos, sinal de vida isolada dado à vizinhança do longe.[...]"

Corsário das Ilhas: Pressentimentos: O/C VOL.XVI (pg.167).

terça-feira, maio 10, 2005

Contributo I

"[...]«Terra firme», dizia-se antes; firme porém só na continuidade dos mistérios que permanecem, quando tudo o resto se agita, muda e altera. Parte da açorianidade daquela gente assenta nessa sua sabedoria de estar em contingência, pois nem sequer os mapas sabem dar repouso às ilhas. Aparecem representadas mais a norte ou mais a sul; ora mais para leste ora mais para oeste; por vezes mais próximas umas das outras, quantas vezes mais distanciadas e até mesmo reduzidas umas e aumentadas outras.[...]

excerto de "Moby Dick e a recuperação da memória. Portugal na sua atlanticidade", por Adelaide Freitas, in revista Vértice, nº 78, Maio-Junho de 1997, pp. 48-54.

segunda-feira, maio 09, 2005

Não é útil às borboletas aproximarem-se das batalhas; afastam-se, pois, e tornam-se ainda mais belas porque são vistas de longe. Se fores tocado por um animal perfeito, é porque desertaste.

Gonçalo M. Tavares, 1, Relógio D´Água, Lisboa, 2004

domingo, maio 08, 2005

Tenho um intenso orgulho na palavra Açores*

Aos Domingos, depois da missa, a minha avó Ana, fazia molha na panela de pressão e a gente comia todos juntos. Havia sempre muita gente em casa. Muitas vozes a ouvir-se e muitas pernas e braços para dentro e para fora numa azáfama imensa, que nos fazia rodopiar de colo em colo. A casa, não muito grande, albergava em cada Verão, mais de 10 pessoas. Havia festa. Lembro-me que música e arroz doce, que o meu avô partia às fatias, para comermos. Para o banho, no porto, levávamos sandes de manteiga de amendoim, um chapéu por causa do sol e as bóias grandes e pretas.
O meu avô fazia barcos. Tinha um barracão de fazer barcos. E fazia-os. Grandes, médios, mais pequenos. Era, como eu chamo hoje, à distância de uns anos, quando eu beiro os 30 e ele é ausente, um fazedor de barcos. Fazedor, contribuinte activo, dos meus Açores. Tenho um intenso orgulho na palavra Açores, frase que peço emprestada à poetisa, para descrever as ilhas, onde nasci, de onde nunca me habituei a partir, ou a deixar que partissem, aqueles de quem eu gostava mais. Sentimental? Talvez.
Os Açores, as nove ilhas, que me compõem, como os recados que vamos deixando nos papeis perdidos pela casa, avisos extemporâneos, ordens, pedidos, foram as deixas dos meus papeis múltiplos. Eu, sentada, com três anos, na praia do Pópulo, comendo uma sandes de marmelada; eu caindo, aos quatro anos, na rocha do pesqueiro alto, sujando o meu vestido branco e verde, de algas e musgo, eu correndo, no Basket, aos 9 anos, e estatelando-me ao comprido; eu, aos 10 anos, “trabalhando” na papelaria Académica, em Ponta Delgada, aos 14 anos, eu, comendo meloa, em Santo Amaro, sentada numa cadeira azul de pano, ao lado do meu avô, a ver São Jorge, ali tão perto e as luzes todas acesas; eu aos 16 anos, escrevendo o meu primeiro poema sobre os Açores, mão imensa no centro das nossas vidas, eu aos 18 anos, vendo a minha ilha maior ir-se embora, como num filme, onde os actores se desprendem da cena, como num abalo, eu vendo os Açores irem-se embora, sem força para ficar...as minhas ilhas.
Os Açores, para mim, se me pedirem datas, anos, circunstâncias, modos são quase sempre um homem, dois, a gente todos nos meus anos, os baloiços de casa da minha avó, as cenas dos abraços, as rodas de mão dada, a minha escola primária, o meu pai, o nosso mehári cor de laranja, o casaco que alguém me trouxe, azul e vermelho, um kispo. Os Açores, meus pessoalmente meus, são uma escada, onde me encosto de quando em vez, agarrando-me ao corrimão, verde, pedindo auxílio às gaivotas e às brumas. Os Açores são eu, correndo descalça em casa da avó, atravessando o canal na Espalamaca, num dia de Verão, invernoso, subindo a maré de bicicleta, descendo ao fundo do mar com barbatanas e óculo, vendo o fundo do mar.
Os Açores são mar. Um universo de espécie, não melhor, diferente, ou superior. Mas espécie. Espécie de gente, de “ossos mergulhados no mar”, como escreveu Nemésio. Os meus Açores mergulham aqui. Mergulham aqui no meio do mar, com coordenadas efectivas e afectivas. Sujeitos, factualmente dispersos pelos manuais da história, descritos nos dicionários, nas enciclopédias, nas formas e nos verbos dos ensaios, é certo, mas aqui, aqui, nos Ardemares, onde me “ergo peça a peça”¨, os meus Açores são eu saltando ao pé coxinho, eu e os meus irmãos andando nas gaivotas da lagoa das Furnas, eu e os meus irmãos brincando com os nossos gatos. A gente todos de ilha em ilha, como quem desfia a vida, devagarinho, pé ante pé. Os meus Açores são a gente devagar, entre as brumas, as gaivotas e um prato de molha e arroz no Natal, quando debaixo da árvore havia bonecas e um postal da avó Ana.


* verso do poema Açores de Sophia de M. Breynner.
¨verso de Vitorino Nemésio

Recomendação de leitura I




"[...] Depois de assistirmos às notícias sobre raptos, assassinatos, acidentes de viação, mortos palestinianos e israelitas, descobertas de centenas de vítimas taliban asfixiadas em contentores no Afeganistão, surge uma notícia que, como uma luz divina, redime todo o mal espalhado pela Terra: nasceu um panda no Zoo de Pequim! O apresentador sorri largamente, pisca mesmo um olho cúmplice aos telespectadores. Depois das imagens de futebol, remata enfim, com um tom sábio: "É a vida!" [...]"

Gil, José, Portugal, Hoje O Medo de Existir, Relógio D´Água, Lisboa, 7ª ed., 2005.


Vale pelos Estados de Alma.

Palavras.

eu queria dizer tantas palavras. palavras tantas. queria escrever um livro inteiro de palavras tantas. minhas. mas as palavras não são de ninguém. são livres. e há palavras de tudo, palavras de nada. há palavras secas nos lábios, em filas de espera, como nos supermercados; palavras que ficam penduradas como as teias das aranhas. palavras tantas. há palavras doidas, outras esmorecidas, palavras consumidas, palavras acesas, palavras que, mortas, são lembradas no movimento dos braços num esforço, esforçado, de vingar o eco das ditas ausentes. há palavras de silêncio, palavras de choro, palavras de ter por perto, de espírito aberto, palavras acentuadas, palavras sombrias, rasgadas, perdidas.
há palavras errantes. palavras paradas no centro da alma. palavras que partem, palavras que ficam, palavras que vão, palavras que vêm. palavras que ardem. palavras de mares, palavras de matos, palavras de mãe, palavras de pai. há palavras reluzentes, palavras baixinhas, palavras nas pontas dos pés, palavras em escadotes, palavras que trepam, palavras que descem. há palavras tantas. palavras trocadas por palavras. palavras vestidas de palavras. palavras em palavras, palavras por palavras, palavras com palavras, palavras de palavras. palavras. as palavras com que tu falavas. palavras tantas. palavras. pa(i) lavras.

sábado, maio 07, 2005

Por causa disto...




...lembrei-me disto:

"(...) São os Açores. É, para o comum dos continentais, a trapalhada geográfica que o nome Ilha abrevia. Para os Açorianos desterrados, é o berço, o amor, são as reminiscências, a família e, na esfera dos desejos que se criam mais ao peito, a tumba, a cova para o sono de que nunca mais se acorda e que o mar ali eternamente vigia:Sinto-me às vezes rei nalguma ilha
Tendo ao pé um leão familiar( Antero, Soneto.)
(...)
Os continentes exercem sobre ele uma fascinação singular. Atravessa isolado a infância e a adolescência, e muitas vezes a mocidade, a virilidade, e a velhice o vêm encontrar no mesmo ponto,- as suas quatro paredes de pedra basáltica e traquítica. Mas um dia vem para muitos em que o feitiço do mar já não cede, e ei-lo então a bordo do barco dos emigrantes ou em demanda das metrópoles carregadas de sedução. Assim cumpre o açoriano o seu secular destino. Por toda a parte se desenvolve e se adapta, e,- coisa singular - , já não é o mesmo homem aparentemente fatalista, lento de voz e meneios, que parece vergar na ilha sob o peso inclemente dum avatar geográfico. A sua adaptação não é cómoda, mas vigorosa e seguida de um rejuvenescimento salutar.(...) Esta conferência integra-se num plano de reabilitações regionais cuja iniciativa pertence à Associação Académica de Coimbra e que visa acordar na alma dos estudantes um inteligente amor às suas terras de origem (...) Mas há também nestas conferências uma função de exemplaridade que se dirige, não às capacidades de intervenção regional, de cada um, à sua preparação de procurador ou de munícipe, mas a elementos mais profundos, mais largamente humanos. E, nesse caso, o que há a fazer é mostrar, como um homem, nado e criado num ponto que se furta aos grandes meios de comunicação e de labuta, ao poder sugestivo de uma civilização energética, imediata e concentrada, enriquece o temperamento que se lhe talhou na terra a ponto de chegar aos mais altos resultados de pensamento e conduta. Para os Açores, esse homem foi Antero. (...) Foi um açoriano e um português, mas acima de tudo foi um homem. O seu regionalismo e o seu nacionalismo são pois um digno exemplar, que todos devemos somar.(...) Descontadas as argalhas de uma vida que se circunscreve a nove ilhas, nove minúsculos e pouco seguros apoios da frágil planta humana, a alma do ilhéu exprime-se pelo mar. O mar é não só o seu conduto terreal como o seu conduto anímico. As Ilhas são o efémero e o contingente: só o mar é eterno e necessário.(...)Quando o açoriano, certo de que procurou realizar neste mundo o ideal da humanidade que o exemplo de Antero lhe oferece vir que se estende para ele a mão direita de Deus - que saiba dizer, atravessando
Selvas, mares, areias do deserto,
Dorme o teu sono coração liberto
Dorme na mão de Deus eternamente"

excertos de " O Açoriano e os Açores" - Conferência realizada na Associação Académica de Coimbra a 13 de Fevereiro de 1928, in Vitorino Nemésio, Estudo e Antologia, [ por Maria Margarida Maia Gouveia], IAC, 1986, pp 317-329.

Isto não é um caso de açorianite aguda. É de homem livre.

Bom Fim de Semana

II
E era uma vez este homem
que era um chevrolet
casado com uma mulher de vidro
que era uma colher de prata
Tempos depois sobreveio uma zanga
que era uma criança nua
entre umas tábuas de passar a ferro
e dois elevadores lindíssimos

Metrónomo (disseram eles)

Verdadeira saudade pernilonga
o pára-raios pôs-se a esfardar romanticamente o toldo
de uma máquina de escrever disposta para o amor às quatro no
interior de um quarto
que era uma planície redonda semeada de vírgulas violeta
com um pequeno garfo nas costas
que era o amanhecer que é uma árvore
na boca de uma mosca de veludo rosa

Metrónomo metrónomo (disseram eles ainda)
é uma árvore é uma pedra que vai começar o terceiro canto?

É a aflição dos outros, meu amor.

Lembro-me de tudo como se fosse hoje
as crianças brincavam nos jardins
com um pequeno garfo nas costas
sem dúvida o mesmo de há bocado
e até era domingo vê lá tu
de repente apareceste muito devagar a meu lado
arrastando sem esforço dois aparadores baratíssimos
ai! minha tristeza não era uma barca
breve houve lapidações em série
com um ligeiro clic de chaufagem aberta
todos os meus irmãos começaram a andar velozmente para trás
pobres dos meus irmãos que será feito deles e de nós que fizemos?

Imossível saber-se até onde irá connosco a nossa confiança
Ficaste, mão que aperto todas as manhãs para atravessar incólumes
os espaços vazios
Ficaste, peito sangrento do mundo largada para o sol entre os bichos
e eu
meu único amor meu amor meu múltiplo amor meu
tu que és uma mesa redonda enamorada dos seus próprios círculos
um alcaide sem discos um maço de cigarros
que se descobriu flor
que se descobriu água
que se abriu de repente
que gritou de repente
que implantou na minha vida de repente a carola perfeita
da desorganização

Não me encontrarás como um anel na curvatura I - Z do teu dedo
mindinho
nem na treva que exalta os teus cabelos
nem no espantoso hall da tua testa fechada iluminadíssima
encontrar-me-ás numa nuvem de escamas milimétricas em torno da
tua boca
com toda a força principal na boca
ou nesta casa que é um homem morto
rodeado de rostos sempre translúcidos

- Onde está o homem que era um chevrolet
casado com uma vírgula de amianto?
Certo e sabido que anda sobre as águas que o matei sem querer
estas estrelas brilham com tal nitidez
que acabam sempre por tornar-se suspeitas

Não importa transfigurá-lo-ei em poderoso egípcio

Abracadabra! Vram! Abracadabra!

Os teus olhos estão belos como a lua dos rios exteriores

Mário Cesariny

Última Vontade

Todas as noites adormeço
com um marulho de vagas nos ouvidos.
Trago do berço esta canção de embalo,
e já nem distingo se é do mar
ou se guardei em mim a sua música,
suave como a brisa das manhãs de Outubro,
ou dura, acutilante como a insónia
de esperar - e não esperar cousa nenhuma.

Mar!
devolve-me a tua presença viril,
cerra-me outra vez - e para sempre -
no abraço puro das tuas águas.
E canta, adormece-me,
conta-me histórias do meu avô baleeiro,
fala-me da viagem de meu pai
quando uma barca o levou, ainda menino,
até um porto da outra margem do mundo.

Ah! arraste-me a vida por todos os exílios,
nos desolados continentes hostis
ou nas cidades tentaculares e tumultuosas
- nunca me deixe a tua nítida lembrança,
vivas tu sempre no meu tino!

E, lá para o fim,
se nenhum navio me quiser a bordo
para a viagem de quem volta de coração vazio,
peguem na morte do que fui,
nu como nasci,
e levem-me até fora do porto mais próximo:

Sejas tu, assim, amigo Mar,
no fundo frio das tuas algas e peixes insensíveis,
a última cama de paz onde me deite!


Pedro da Silveira in Fui ao Mar buscar Laranjas 1, DRAC, 1999.

Fui ao mar buscar laranjas
que é cousa que lá não tem;
fui enxuto e vim molhado,
nem siquer vi o meu bem.


Do Cancioneiro Popular Açoriano

sexta-feira, maio 06, 2005

TESTE







Your #1 Match: INFJ




The Protector

You live your life with integrity, originality, vision, and creativity.
Independent and stubborn, you rarely stray from your vision - no matter what it is.
You are an excellent listener, with almost infinite patience.
You have complex, deep feelings, and you take great care to express them.

You would make a great photographer, alternative medicine guru, or teacher.




via maluquices profissionais

quinta-feira, maio 05, 2005

Ainda o Pensador Açoriano

O que é ser um Pensador Açoriano?
Pensador Açoriano é quem vive nos Açores? Quem vive noutro lado, mas é Açoriano? Quem é " amigo dos Açores"? Afinal de contas, o que é ser um Pensador Açoriano?


O Pedro responde à minha pergunta e eu respondo-lhe pelo princípio verbal e substantivo, ou seja respeitando, por acção e palavra, as suas sempre muito estimadas reacções.

O Choque de Gerações, programa da nossa RTP, a Açores, é um programa, ao qual, desde o início, estava inerente o facto de ir ter presente, a nova geração de pensadores açorianos. Isto foi dito explícitamente pelo seu apresentador.
O CdG foi uma inovação na nossa RTP, é gravado numa ilha açoriana e apresentado por um Açoriano. Escolha ou Fatalidade? Deixo ao teu critério a resposta.

Se o que se pretende é levantar questões, discutir novas ideias, em suma, apresentar novos projectos, por mim, óptimo. Pense-se os Açores. Mas isso, caro Pedro, não é ser pensador açoriano, isso é pensar os Açores. E, obviamente, que nunca te direi que Pedro Mexia ou Francisco José Viegas não podem pensar os Açores. É claro que podem. Podem e Devem. Porque não? Mas não são pensadores Açorianos. A questão está é aqui. Tu ou eu se fossemos participar num programa como o Choque de Gerações sobre, por exemplo, a Madeira, não éramos pensadores madeirenses! Pensávamos a Madeira, pois naturalmente que sim. E se fosse o Canadá? Éramos pensadores canadianos? Não, Pedro, pensávamos o Canadá. E se fosse a China? Pensadores Chineses? Não, Pedro, pensávamos a China.
A questão é simples.
Quando Tabucchi, Romana Petri, Maria Orrico ou Raul Brandão escrevem sobre os Açores estão a pensar nos Açores ( a escrever sobre os Açores ), mas não são pensadores Açorianos. E, sim, é claro que há uma diferença entre estes quatro escritores e Vitorino Nemésio, Joel Neto e Nuno Costa Santos, por exemplo. Eles pensam os Açores e são açorianos.Vitorino Nemésio, Joel Neto e Nuno Costa Santos são pensadores açorianos.
Lamento Pedro, mas na minha questão não está insinuado qualquer tipo de questão a não ser esta: uma coisa é pensar os Açores, direito que me parece, inerente a todos quantos queiram pensar esta região, chineses, alemães, ingleses, franceses; a outra, completamente diferente, é ser pensador açoriano. Qualquer pessoa pode pensar os Açores, assim como qualquer pessoa pode pensar Cabo-Verde, mas isso não faz dessa pessoa um Pensador Açoriano ou Cabo Verdiano.
A minha questão levanta-se, obviamente, em relação ao CdG, por causa da expressão utilizada. Se tu próprio até encontras nela um certo ridículo presumo que, pela naturalidade, de alguns dos seus comentadores, então, parece-me, que não tenho muito mais a dizer sobre o assunto.
A não ser que, nada disto te deve perturbar, porque, se não sabes, ficas a saber, eu não me acho melhor que ninguém, por ser açoriana, a questão é, se quiseres linguística, pensar os Açores não é ser pensador Açoriano. Mais, também considero que as pessoas que participam nos programas que vejo são “(…) independentemente do local de nascimento, pessoas interessadas em reflectir sobre múltiplos aspectos da vida alguns deles relacionados com os Açores (…).”

Isto para mim seria o suficiente. Mas, ao contrário de ti, caro Pedro, eu não acredito que ser açoriano seja acaso, escolha e, muito menos, fatalidade.

Escola de Escrita

O chá com torradas desta manhã mostrou-me isto. Desconhecia a existência. Mea Culpa!

Diz-nos Margarida que:
"Antes de iniciar uma crónica, deve saber para que meio se destina e adaptar o seu tom ao meio em questão. Mas o tema escolhido também define o tom escolhido. E o autor deve ter a capacidade de escolher um tom adequado ao assunto. Depois, deve manter o tom escolhido, do princípio ao fim do texto."
A isto a Margarida chama Estilo.

Entre isto, a Quinta das Celebridades, o Teste da Fidelidade ( versão soft lacrimal na Sic, versão hard choque na TVI) poucas léguas vão....

??????????

O que é ser um Pensador Açoriano?




Pensador Açoriano é quem vive nos Açores? Quem vive noutro lado, mas é Açoriano? Quem é " amigo dos Açores"? Afinal de contas, o que é ser um Pensador Açoriano?

quarta-feira, maio 04, 2005


mãos

As minhas filhas


bonecas


Eu queria escrever qualquer coisa de bonecas. Uma estória, uma frase, qualquer coisa, que, por alguns momentos, fosse uma homenagem às minhas filhas de quando eu tinha 5, 6,7,8,9,10 anos. Eu que fui a orgulhosa mãe daquelas que, hoje, estão sentadas na prateleira do “Quarto de Brinquedos” e que só saem quando chega cá a minha prima mais nova. Mas não consigo. Podia lembrar o dia em que bati na Madalena, porque ela não comia a sopa primorosa de cenoura, cascalho e girassol; ou então falar de quando as minhas primas me deixaram as suas filhas e eu as enchi de areia e as pequenas ficaram incapazes de abrir e fechar os olhos. Mas não era bem isto que queria dizer. Podia falar do João, um boneco que tive, aos 7 anos, e que se perdeu no cais, caiu ao mar, e eu chorei qual desgraçada mãe, vendo-o afundar-se sem remédio, mas depois fiquei logo boa, quando me ofereceram a Rita, a quem, passados dois meses cortei o cabelo a ver se crescia. Nunca cresceu, mas deram-me a Patrícia, que tinha uma fita no cabelo igual à que eu usava na altura, cor de laranja, um laço enorme…As minhas bonecas. Na minha casa havia e ainda há uma casa de bonecas, que o meu pai me fez e eu morava nela e tinha um marido pescador e fazedor de barcos, que sempre comigo, sem eu o ver, era o pai de crianças que iam e vinham, conforme a minha disposição. Tive como todas as meninas da minha idade um bebé careca e também cuidei dos bebés das minhas primas, depois do desastre da areia. Confiaram em mim, nada de mal aconteceu.
Num Natal, chegou-me a Matilde, vinha do Pico, com uma filha e uma mala. A minha irmã tinha igual e as minhas primas também, depois, como sempre, apareceram no mercado os cães da Matilde, a casa da Matilde, os sapatos de baile da Matilde, enfim, tudo para a Matilde. Dei papa à Matilde, substitui-a pela Joana, que caiu do sofá vermelho em casa da minha avó e lesionou-se no pescoço. O meu avô levou-a ao Hospital das Bonecas. Ficou como nova.
As minhas bonecas que hoje estão sentadas na prateleira do quarto aqui ao lado são imensas, de cabelos compridos, amarrados ou não, laços, vestidos da mãe, quando tinha os seus anos mais novos e cabia num vestido de 56 cm, casacos da tia com um mês; calças do tio, quando tinha um ano. As minhas bonecas na prateleira do quarto aqui ao lado chegaram do Pico, do Faial, de S. Jorge, de Lisboa, da América.
Eu queria falar das minhas bonecas, dos seus sorrisos traquinas, do seu andar desajeitado com falta de pilhas e olhos pestanudos, bochechas pintadas com pó vermelho e uns ares sempre felizes. Queria falar delas, das suas manias, dos seus cabelos penteados, das suas roupas coloridas, das suas confidências ao meu ouvido; queria falar dos seus ares de donas do mundo, dos seus berços de vime, dos que o avô me fazia de madeira e das suas malas que chegavam da papelaria embrulhadas em papel castanho nos dias dos anos, mas não sei como.
Os laços, os traços, as mãos de borracha, os olhos nunca cansados, os rostos sempre a sorrir, prontas para passear nas cadeiras de pano e nas rodas de esfera, nada queixosas, sempre contentes. Tive bonecas de pano, bonecas de lã, bonecas de louça, bonecas de papel, bonecas de barro, bonecas.
Nunca nenhuma das minhas filhas chorou.

A primeira Trombeta

[Não querendo transformar este meu blog num poemário, deixo aqui, mais este poema que julgo ser lindíssimo. Mais um dos que eu gostava de escrever...]



Para a Carol Loff

Atravessamos descalços a planície vermelha.

Em cada cela um condenado sonha,
Deitando a cabeça loira no ombro da distância
E fumando navios.
Em cada porto um veleiro fantasma aparelha para a grande viagem proibida,
Carregado de esperanças e palavras que não têm guarida em nenhum sítio da terra.

Atravessamos descalços a planície vermelha.

O sinal dos tempos apunhala-nos a memória.
Nada reconhecemos
A não ser a face impassível que nos ameaça,
A sombra das idades que nos persegue,
A terrível violência da voz que nos acusa
E nem o sangue dos séculos consegue aplacar.

Atravessamos descalços a planície vermelha.

Onde quer que paremos, espera-nos o cavaleiro da armadura de ferro,
Trespassando-nos o corpo com seus olhos de fogo
E não deixando nem um segredo aos nossos corações aflitos,
Nem um soluço às nossas gargantas estranguladas.

Atravessamos descalços a planície vermelha.

As cidades destruídas dormem ao relento do ódio,
As sentinelas de sal vigiam o repouso petrificado dos deuses,
A noite assiste em silêncio
A todos os crimes perpetrados no horizonte.

Atravessamos descalços a planície vermelha.

Os agoiros do céu predizem-nos os passos,
Os indícios do vento gelam-nos os ossos.
Despojados de lágrimas devoramos o medo
Enquanto em cada porto um veleiro se afunda,
Enquanto em cada cela se assasina um anjo.



Poema de José Carlos Ary dos Santos, incluído nos livros A Liturgia do Sangue (1963) e Obra Poética (1994).

terça-feira, maio 03, 2005

Búzio


Búzio

sei que nunca viste o oceano,
que nunca olhaste a onda sobre a onda,
que nunca fizeste castelos para o mar ser forte.

mas sei que já viste o coração das coisas,
que já tocaste a ferida nos nossos braços,
que já escreveste para sempre o nome da terra.

por isso te digo que vou levar-te o mar
na concha das minhas mãos, azulíssimo,
para que nele descubras o meu nome
entre os seixos os búzios os rostos que já tive.



Vasco Gato, Um Mover de Mão, Assírio e Alvim, 2000.

segunda-feira, maio 02, 2005

Estória Simples

Cheguei hoje. Achei a cidade mais velha, os carros apertados de encontro às paredes sujas e as artes, perdidas no rastreio do olhar dos cidadãos para os corpos desnutridos dos pintores da Rua Augusta. Assustaram-me os (teus) olhos (do Tejo), chorando à partida das gaivotas, por cima da Ponte 25 de Abril, como se acabasse a Liberdade, ao chegarmos ao lado de lá, à outra banda. Abaixo do meu prédio, onde antes era uma loja de skates, abriu um chinês, mais um, vende papagaios de corda, garrafas de vidro azul para decorar com bolinhas, do tipo berlindes, com ervinhas dentro, e naperons brancos dobrados para sofá, disse-me a senhora chinesa, contente. A loja do canto que era de uma Florista de dentes amarelos e brincos de oiro fingido, onde se vendia “Florências dos Açores”– como dizia no cartaz – deu lugar a uma loja de pulseiras e colares de fantasia, e em frente, onde antes era o Frango, está uma casa de jogos.
Nas ruas, há pessoas sentadas ao lado de cães, com cartazes escritos a pedir ajuda ao “povo português” por não terem dinheiro e quererem comer. Nos autocarros, as pessoas vão caladas e os versos do concurso da Carris, que depois vieram nos pacotes de café, deram lugar às multas aplicáveis aos passageiros. (Saio de Lisboa com os olhos multados. Escrevo “olhos multados”)
A minha vizinha do 4º andar C morreu o mês passado e o marido, o Sr. Raimundo, esteve, estes cinco dias de manhã e à tarde, sentado à porta, à espera dela. (A minha Arlinda que queria tanto ir aos Açores. Foi ao mercado comprar abóboras.) Hoje ainda deve lá estar.
Voltei à cidade passados dois anos. Está quase tudo igual com excepção do nascimento do Rodrigo, que acabado de chegar me mandou uma mensagem, dizendo que esperava a minha visita nos Olivais. Encontrei-o pequenino como todos os bebés de um dia, tão pequenino que nem cabe no fatinho que lhe comprei, o mais pequeno da loja. Não lhe serviu, ainda.
No autocarro, de volta a casa, um homem chama ladrões e vigaristas à presença dos passageiros, dizendo que foi por causa deles que foi para a guerra, porque eles queriam dinheiro, os malandros que não trabalhavam, e que queriam matar os jovens portugueses. Gritos e Choro repentino, como um menino. Duas senhoras, muito bem postas, de olhos pintados do azul da moda, estendem-lhe uma moeda. Deitou-a fora quando, ao mesmo tempo, abandonamos o 46.
Já não há a igreja protestante na minha rua. Levaram o seu Jesus para outro lado, diz-me a porteira de olhos cor de rubi e estrelas prateadas num casaco de ganga achinesado. Sorrio.
Gostei de voltar a Lisboa de ver os (teus) olhos do Tejo pendurados no Cristo Rei, de visitar o Restaurante da Bárbara na Av. Miguel Bombarda, onde ficava a sede do BCA. Trouxe quilos de livros, duas ou três coisas esquecidas lá de casa e uma Cegonha de Benfica a bailar nos (teus) olhos do Tejo, que ficam aqui, para sempre.
Eu espero, pacientemente, pelas abóboras.

Saber Viver é vender a alma ao Diabo

Gosto dos que não sabem viver,
dos que se esquecem de comer a sopa
((Allez-vous bientôt manger votre soupe,
s... b... de marchand de nuages?)
e embarcam na primeira nuvem
para um reino sem pressa e sem dever.

Gosto dos que sonham enquanto o leite sobe,
transborda e escorre, já rio no chão,
e gosto de quem lhes segue o sonho
e lhes margina o rio com árvores de papel.

Gosto de Ofélia ao sabor da corrente.
Contigo é que me entendo,
piquena que te matas por amor
a cada novo e infeliz amor
e um dia morres mesmo
em «grande parva, que ele há tanto homem!»

(Dá Veloso-o-Frecheiro um grande grito?..)

Gosto do Napoleão-dos-Manicómios,
da Julieta-das-Trapeiras,
do Tenório-dos-Bairros
que passa fomeca mas não perde proa e parlapié...

Passarinheiros, também gosto de vocês!
Será isso viver, vender canários
que mais parecem sabonetes de limão,
vender fuliginosos passarocos implumes?

Não é viver.
É arte, lazeira, briol, poesia pura!

Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;
não me bandeio (que eu já vi esse filme...)
com gerações perdidas.

Mas senta aqui, mendigo:
vamos fazer um esparguete dos teus atacadores
e comê-lo como as pessoas educadas,
que não levantam o esparguete acima da cabeça
nem o chupam como você, seu irrecuperável!

E tu, derradeira geração perdida,
confia-me os teus sonhos de pureza
e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia...

Por que não põem cifrões em vez de cruzes
nos túmulos desses rapazes desembarcados p'ra
[morrer?

Gosto deles assim, tão sem futuro,
enquanto se anunciam boas perspectivas
para o franco frrrrançais
e os politichiens si habiles, si rusés,
evitam mesmo a tempo a cornada fatal!

Les portugueux...
não pensam noutra coisa
senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,
nos pintores, nas aflitas,
no tojé, na grana, no tempero,
nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e
... sont toujours gueux,
mas gosto deles só porque não querem
apanhar as nozes...

Dize tu: - Já começou, porém, a racionalização do
[trabalho.
Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
o mais económico dos gestos!

*

Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim...



Alexandre O´Neill,
Poesias Completas 1951/1981, Biblioteca de Autores Portugueses, Imprensa Nacional Casa da Moeda

domingo, maio 01, 2005

Dia da Mãe

Hoje celebra-se o dia da mãe.
Apesar de o festejarmos (sempre!) a 8 de Dezembro deixo aqui um dos poemas mais bonitos que conheço sobre as "mães". A minha é uma fofa (de frio).

Por que Deus permite
Que as mães se vão embora?
Mãe não tem limite,
É tempo sem hora,
Luz que não apaga
Quando sopra o vento
E chuva desaba,
Veludo escondido
Na pele enrugada,
Água pura, ar puro,
Puro pensamento.
Morrer acontece
Com o que é breve e passa
Sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,
É eternidade!
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
De tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do mundo,
Baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
Mãe ficará sempre
Junto do seu filho
E ele, velho embora,
Será pequenino
Feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade