quinta-feira, novembro 30, 2006

Recomendação de Leitura



«A explosão brutal tem graus diversos de piedade: as coisas afastadas do seu centro chegam mais vezes ao dia seguinte. De qualquer modo, é impossível agir delicadamente quando a sala se encontra cheia de vísceras, restos de corpos. A delicadeza em certos momentos máximos é insultuosa.»


(Gonçalo M. Tavares,pp.200)

quarta-feira, novembro 29, 2006

Conselhos

A mente essencial divaga. Mete S´s nas algibeiras para teres sempre o trunfo de poderes multiplicar vozes e cruzar palavras, pessoas, lugares e momentos. Na memória, enfia chapéus para a chuva. Assentos circunflexos para alinhavares a alma; quando te parecer que é desta que ela se vai desfiar num pranto ou para quando achares que a tristeza vai levar a sua avante. Não há nada melhor para a alma do que um chapéu circunflexo. Não percas de vista a tua sombra. Anda como quem chega de viagem. Soletra a tua chegada. Dita a tua partida. Deves descobrir que unicamente, rigorosamente e plenamente são palavras tão doridas como pescadores, lavradores e armadores. Aprende as palavras dolentes. Não as percas. Há umas que fogem no bico das gaivotas. Outras, que mergulham nas rochas do porto da tua infância, onde, em tempos, o essencial era teres uma bóia para não morreres no mar. Sê da tua terra, da tua mãe e do teu pai. Sê dela e deles como todas as palavras que aprendeste e que te fazem ser disto: um homem feito de Liberdade. Escreve. Não te repitas muito. Não te escondas em vocábulos; não te prendas em analepses; não te percas nas metáforas. Cuidado com as hipérboles. Não compares. Critica. Critica muito. Opina. Por fim, aceita-te como essencial à construção da tua memória. Se os outros pararem, não desistas. Pessoalmente, resvalas, quase que afundas, divagas…mas não morres. Respira. Do fundo.
Então sim, meu querido amigo, estás pronto. Recomeça. Porque “(…) afinal o que importa é não ter medo/de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente: Gerente! Este leite está azedo! / Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir/ de tudo/ No riso admirável de quem sabe e gosta ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.” (Mário Cesariny de Vasconcelos).
Nota de Abertura (Suplemento de Cultura/Novembro- disponível para assinantes na edição de 28.11.2006. Colaboraram nesta edição Carlos Matos,Mário Homem, Augusto Macedo, Célia Machado, Guido Teles e Ana Almeida)

segunda-feira, novembro 27, 2006

Recomendação de Leitura



"(...)"Simplificar" Fernando Pessoa, tomando de empréstimo alguma da sua linguagem, e reduzi-lo ao voto de um Barco para o Barreiro, é coisa em que cada um só deve cair uma vez. Fique pela parte que me toca, o molde da queda e o valor da experiência: as pessoas sabidas descobrirão depressa onde é que está o logro e onde pode anichar-se a autenticidade. As outras, não sabidas (entusiastas, estas!) servem-me o apetite de dizer para já alguma coisa que o poema não diz:

Que Fernando Pessoa é um grande poeta. Viajou sempre em primeira classe, mesmo quando estava parado.

Só as pessoas que não viajam ganham ódio às classes que o comboio tem. Quem alcança viajar, mesmo só em terceira, vai sempre radiante. Não anda lá a prender-se com essas coisas.

As pessoas que não viajam têm as suas qualidades, são como os chefes de estação: bondosos, diligentes, aplicados. Mas não viajam, pronto. Para que nos querem convencer que viajam?

Assim como a Poesia não é para um par de sapatos, assim Fernando Pessoa não é para todos os dias. Não consta, porém, que Pessoa haja querido monopolizar os dias. Se déssemos a Pessoa os dias que ele tem, faríamos como ele - e até podíamos, como ele, ser grandes, com muitos dias para ele e para muitos de nós, seus iguais num desastre.

Que não convém nomear.
"


Mário Cesariny
excerto de Fernando Pessoa, in as mãos na água, a cabeça no mar, lisboa,Assírio & Alvim, 2ª edição, 1985, pp. 23-24.

domingo, novembro 26, 2006

Delicioso, por isso roubado daqui

"AXIOMÁTICA (VOLUME II)

Se não és bom jogador não lamentes efusivamente o teu falhanço junto à baliza.
O Amor não é como o futebol.
Se ganhares muito balanço a bola sai por cima.
Quem gosta de futebol não deve ver a sua equipa jogar.
Os remates devem ter Cinco direcções: Canto superior direito e esquerdo, canto inferior direito e esquerdo e fundo das redes.
O Quarto árbitro é igual ao palhaço rico mas é pobre.
A Quinta velocidade é reservada aos extremos.
O jogador polivalente não é excelente em nenhuma das posições.
Um titular indiscutível é bom de bola.
O bom treinador não é bom dos cornos.
A tropa fazia muito bem àqueles que não recuam no terreno para defender.
Quando já viste o filme, já viste o jogo.
As botas brancas valem tanto como as outras.
Se chutares contra a barreira chuta com força.
As mudanças de flanco são o renascer da Primavera.
A Primavera precisa de andorinhas e tu precisas de alguém que se desmarque.
Quem joga no meio dos centrais merecia jogar com esporas.
Se pisares o adversário propositadamente não peças desculpa, é feio.
Quando vires o trinco correr de um lado para o outro sucessivamente é porque está feliz, não o ajudes ele pode levar a mal.
Cabecear de cima para baixo impõe que baixes os cornos.
Se fores guarda-redes faz o que te apetecer, mas faz bem e com certeza.
Atira-te para o chão só quando tiveres a certeza que vais cair.

Remates de primeira sem deixar cair a bola no chão é para gente instruída.
"
António Carlos Caroço

sábado, novembro 25, 2006

Post-(it)


daqui


As bonecas de saia verde e anel de diamante parecem “paragens de afecto”, raízes de tempo. Encaixadas na sua função decorativa são como os recados e as coisas que ninguém diz, mas deixa, como promessa, escrita em papel amarelo, a que hoje, chamam pomposamente Post-it. It. Não hit. (Esses são para as estrelas). Papéis amarelos com cola; de vários tamanhos. Amarrotados são casacos de palavras de manga curta e bainha por fazer, onde os nossos olhos podem, ou não, procurar a solução. Se existe.
O gato Puma entretém-se na sua função de observador. A ser verdade que os gatos pensam podia jurar que, como o outro da história, me esconde uma gaivota algures no jardim. Uma pequena, a quem ensina a voar. Uma, a quem deixa bilhetes, como sinais, escondidos entre os jornais da semana.
Eu nunca escrevi uma carta num post-(it) ...
Mas hoje, quase que o podia fazer; não fosse a ideia, quase certeira, que tenho de que daqui a bocadinho, o Puma vai finalmente apresentar-me à sua dama, a quem dá aulas de voar na minha Ausência.
Post (it):
Falando a sério, tão a sério quanto me é possível a esta hora. Não sei da distância dos amparos. Não creio que, na passagem de testemunho, as nossas ideias possam, sequer, desfrutar de mais alguma coisa.
Sei que há bonecas nas prateleiras, que elas são Teoria de qualquer coisa, indefinida quase nula. Está frio hoje. Talvez mais do que seria de esperar.
Há qualquer coisa aqui, que bate asas, que as bate devagar e voa.
Pode ser a gaivota do Puma ou, quem sabe, um anjo.
E, no fundo, era do do anjo que eu vinha falar.
Mas, nunca me dei bem com estas coisas...

Por isso, Post-it:
"Boa noite, eu vou com as aves"
(Eugénio de Andrade, último verso do Poema à mãe)

sexta-feira, novembro 24, 2006

Citação (importante)

"Se o fogo destruir a casa
E apagar o cal que caia a casa
Onde irei escrever o teu nome?

E se não escrever o teu nome
Como direi a alegria ao mundo?

Ainda que vigie como um sistema de alarme
E encha a minha boca de sirenes
Como direi na minha casa em chamas
Que és a única luz?

O chão carbonizado é a erosão do meu destino
Respeito oluto e não vou abrir caminhos:
Mas se tu és também o incêndio
Como não rebento nas cinzas?

E se o fogo destruir o homem que caia a casa
E apagar o coração
Como explicarei aos sem abrigo
O teu auxílio?

O relento não pode vergar-me
Porque sou mais resistente do que o hissope:
Mas se o fogo consome o sopro que me mantém de pé
Que chama porei em fronte quando o teu anjo vier?"


Daniel Faria

quinta-feira, novembro 23, 2006

terça-feira, novembro 21, 2006

É preciso um desenho!


imagem

"Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos
e na boca."


Mário Cesariny

domingo, novembro 19, 2006

Idola Flori


fotografia

"Eu sei diversas coisas
saber é afinal a minha única ocupação
Sei pouco de manhãs
mas talvez possam dizer de mim que amei o mar
e cada árvore que me viu passar
e insistir na vida como uma canção em voga
Quem mais que eu
quem foi esqueceu?
Estamos mal feitos pronto
Para quê a doçura no olhar
de uma mulher certos dias?
O morno calor do sol rasante pelas tardes
de setembro na senhora da guia
senti-lo em abril numa sala voltada ao poente
de súbito sabendo de todos os papéis
ou outra eternidade que não essa
Talvez ouvir egmont sentindo-me importante de repente
ou então conversar sobre o poeta à beira da água
chegar a mangualde ao pôr-do-sol
ou a duas igrejas na semana santa
ouvir os sinos na matriz vizinha
cheirar madeira nova nas gavetas
fechar a porta sobre todos os cuidados
cantar a triunfante juventude
não mais andar perdido de ano em ano
não mais a morte questão para ociosos
à tarde no café dos reformados
Oh quem me dera ser católico
ou pelo menos morar alguma vez
em lisboa ou nos arredores de lisboa
Não há remédio nenhum
esqueci-me de tanta coisa
Sei que isto não é grande coisa
mas nenhuma outra coisa me é dada
o que é preciso é que não doa muito
Depois que me escondam na terra como uma vergonha."


Ruy Belo

Galhofas



recebido por email: CMachado

quarta-feira, novembro 15, 2006

Hei-de experimentar...

You Should Be a Film Writer

You don't just create compelling stories, you see them as clearly as a movie in your mind.
You have a knack for details and dialogue. You can really make a character come to life.
Chances are, you enjoy creating all types of stories. The joy is in the storytelling.
And nothing would please you more than millions of people seeing your story on the big screen!


A ideia veio daqui.
Bruno Nogueira - Jovens Com Asas CAP2

:)

terça-feira, novembro 14, 2006

Aviso de Porta de Livraria


"Não leiam delicados este livro,
sobretudo os heróis do palavrão doméstico,
as ninfas machas, as vestais do puro,
os que andam aos pulinhos num pé só,
com as duas castas mãos uma atrás e outra adiante,
enquanto com a terceira vão tapando a boca
dos que andam com dois pés sem medo das palavras.

E quem de amor não sabe fuja dele:
qualquer amor desde o da carne àquele
que só de si se move, não movido
de prémio vil, mas alto e quase eterno.
De amor e de poesia e de ter pátria
aqui se trata: que a ralé não passe
este limiar sagrado e não se atreva
a encher de ratos este espaço livre
onde se morre em dignidade humana
a dor de haver nascido em Portugal
sem mais remédio que trazê-lo n'alma."


Jorge de Sena

in Exorcismos, Moraes Editora, 1972.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Última Lição Prof. Doutor Machado Pires

Última Lição do Prof. Doutor Machado Pires, dia 13 de Novembro, às 16 horas, no Anfiteatro C, da Universidade dos Açores.
Tema: "O Ensino da Cultura Portuguesa".

Imperdível.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Bom fim-de-semana


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Recomendação de Leitura

"(...) A linha tranca-se entre os meus dedos dos pés a cada passada que dou. Já falta pouco. Talvez uns cinco passos. Imagino crocodilos de boca escancarada, saliva nos cantos da boca, ansiosos pelo meu primeiro falhanço. Estão mergulhados num pântano tenebroso e lamacento. Delírio. Só lá estão os gatos. Parecem-me mais atentos agora. E com sede... Esperam que o copo caia. Aceno-lhes um manguito. Não reagem. Deixam-se ser apenas felinos. Dou agora o último passo e pronto... Cheguei ao fim da linha. Olho para trás e vejo que rebentou. A manta está suja e os gatos já se aninharam nela. Bebo o vinho de um trago só. Z de Zurique, P de Paris, C de Coimbra, H de Holanda, M de Madrid e X do que a senhora quiser. A reserva está feita. Obrigada nós."


Bicho-de-Conta

Citação (importante)

"Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles,
ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade.
As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído.
E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso.
E não devemos malquerer às mitologias assim,
porque são das pessoas

e, neste assunto de pessoas,

amá-las é que é bom."


Herberto Helder

quinta-feira, novembro 09, 2006

poesia 7 Mário de Sá-Carneiro

Citação importante

segunda-feira, novembro 06, 2006

Recomendação de Leitura


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Os Pecados Vitais
( a partir de Al Berto)

"Primeiro: a Incandescência
Segundo: a Veemência
Terceiro: o Adubo
Quarto: a Ferida
Quinto: o Creme da Terra
Sexto: a Louquidez
Sétimo: a Portabilidade
Oitavo: a Juba de Luz
Nono: a Sirga
Décimo: A Juba de neon"

16.03.06


Artur Portela


Revistas Artes e Ideias nº 8 - o medo, Lisboa, editora alma azul, 2006, página 52

sexta-feira, novembro 03, 2006

Croniqueta XLIV ou quantas bolachas valem um homem?


Aproximando-se o Natal, com as ruas da sua cidade todas cheias de lâmpadas, nosso Fífia, levado por um espírito natalício, comprou um sino para usar pendurado ao pescoço. Agora, quando passa, no seu passo a trote veloz mais parece uma máquina de vender gelados, do que propriamente, um homem sério e santo; o mesmo que, aos Domingos, no seu carrinho vermelho ruivo, passeia mãe, tias e Iveti, pelas ruas da sua cidade. Fá-lo, ainda, à superfície, mas delira com a ideia de transformar o seu carro numa espécie de “Yellow Submarine”…
Anda, atarefado, porque um primo que tem na América, que é doutor nessas coisas das Educações Físicas e sabe mais qualquer coisa de psicologias, lhe disse que havia no mercado umas máquinas de dar chapadas; que na América não havia rico que a não tivesse, pendurada por detrás da porta do quarto de cama; de utilização rápida e satisfatória para prevenir erros, logo pela fresca. O Fífia procura um. Um aparelho desses que, de modo portátil, ele pudesse transportar nas viagens que faz; um aparelho que pequeno, escondido debaixo da aba do casaco, pudesse desembrulhar como um presente para aqueles que, em horas aflitivas, tanto para ele como para os amigos e companheiros que, em sentindo-se, aflitos, à beira de um deslize, quase a cometer um erro, se vissem necessitados de uma boa chapada para aliviar o dia; o peso de estar acordado de olhos em bico, diante da magnitude do sol ou da Terra, conforme os gostos.
Mais que a coroa gigante de rodas, mais que a coroa gigante a tocar o hino do Espírito Santo ou o carro transformado em lenda, mais que tudo isso, o que o Fífia queria mesmo era uma máquina de dar chapadas. Um aparelho levinho, que funcionasse a pilhas; que tivesse quatro velocidades, que fosse do tabefe ao soco, passando pela chapada ou pelo estalo e que, por brinde, desse, como quem não quer a coisa uma “mão de beiças”: isto para aqueles casos complicados de embeiçamentos e outros beicinhos do género. Como gostava. Finalmente, resolver-se-iam os seus problemas de desmedido alongamento verbal. Como não encontrou ainda nenhuma máquina dessas à venda na sua ilha, porque as que havia, nos últimos tempos foram compradas, num ápice, já pensou encomendar ao primo umas vinte e, num Sábado de sol, ir vendê-las para as portas da cidade. Imaginou já a campanha promocional; a música tocada por meia centena de jambés e as bailarinas vestidas de verde, dançando com as mãos esticadas para a frente como cebolas num desfile de vaidades. Nesse, não haveria máquina de chapadas que resultasse, pensa, enquanto sonha com a ideia de distribuir chapadas mecânicas e receber por cada uma 10 cêntimos. Dar chapadas a pilhas, tabefes que fariam avermelhar a cara dos embeiçados, nervosos, chatos e arrogantes…
O Fífia que não tem profissão; nem consta que saiba qualquer ofício quer ser distribuidor oficial de chapadas. Entrar pelas lojas e cafés oferecendo dedos mágicos, vindos de uma máquina de dar estalos e chapadas. Já vê os títulos do jornal: Fífia, o esbofeteador; Fífia o homem chapada; Fífia o salvador. Quem sabe, se não lhe fariam uma moeda; uma exposição; uma estátua? Quem sabe se, de repente, não conseguia o visto para ir visitar a América e o primo sócio? Quem sabe, se não voltava a usar barba?
Ao Fífia, cansa-lhe o ar dos que têm falta de levar umas bofetadas, encolhidos nos seus fatos verde tropa com gravatas esmeralda, disfarçando no seu afogueamento escarlate, uma bolacha querida… (Cansa-se de si próprio).
É que os homens não se medem aos palmos. Os Fífias também não. Mas quantas bolachas valem um homem?

Boas notícias

"O Café Central, um dos locais históricos da cidade de Ponta Delgada, vai reabrir a 14 de Novembro com uma imagem renovada, explicou o empresário José Carlos Pacheco, que alugou aquele espaço, fechado há mais de um ano.(...)"

Açoriano Oriental de 03.11.06

quinta-feira, novembro 02, 2006

Free Hugs Campaign. Inspiring Story! (music by sick puppies)

Free Hugs

Citação (importante)

PROCURA DA POESIA

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda húmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.


Carlos Drummond de Andrade
roubado daqui

quarta-feira, novembro 01, 2006

Citação (importante)

Sem alternativa, não há escolha.

Edite Estrela (Prós e Contras em repetição, dia 31/10 na RTP/N: “Aborto - O referendo da discórdia…”)