quinta-feira, dezembro 26, 2013

Natal antes de um ano novo

O Natal antecipa a chegada de um ano novo, que parece estender-se comprido e largo, provando, depois de passar, que afinal era curto, que o tempo não foi suficiente, que perdemos demasiadas horas, por vezes dias, a tentar endireitar coisas que não querem sequer “ouvir falar” em endireitar-se; a discutir e debater evidências, ou mesmo a fazer de lutas de outros, lutas nossas, como se fôssemos ganhar um lugar no céu… ou uma medalha.
(Dezembro é o mês em que nos apercebemos que não somos imortais).
Quando olhamos para trás, rapidamente, vemos que entre um novo mês de Janeiro e este velho Dezembro ficaram planos por cumprir, ideias por tornar reais e pessoas de quem gostávamos, ou por quem tínhamos certa admiração.
Dezembro é o mês em que juramos, a nós próprios, cumprir a divisa de “não olhar para trás”, conselho que, como se sabe, foi dado a Dante (em “A Divina Comédia”) por um anjo guardião, para não por tudo a perder…antes do tempo.
Quando enfiamos as mãos nas algibeiras, os dedos recolhem rebuçados para suavizar as dores (de garganta), meia dúzia de boas gargalhadas, alguns abraços e outros amigos, entre certa quantidade de mediocridades, indecências, faltas de carácter e cobardias. Assim é a vida, como uma canção, cuja voz por vezes desafina, enquanto outras tantas afina.
Dezembro é pois o tempo de fincar os pés no chão; de assumir que o fim de mais um ano é o princípio de outro, que pode até ser o último.
Dezembro traz um entendimento mais autêntico de que podemos mesmo morrer amanhã e que não ressuscitaremos, nem sequer para salvar o mundo, por mais vontade que possamos ter.
Há quem morra de amores, quem morra de doença, quem morra por acidente ou até quem morra de saudades. Se o Natal não for exactamente igual ao que era antes ninguém morre. Porém, morrer de saudades pode efectivamente matar (até) o Natal.
Dezembro é também tempo de “tomar partido”. De “tomar partido” por nós, pelo que temos de mais nosso e de fazer tudo para por o pé em Janeiro com certezas, muitas dúvidas e firmeza, em equilíbrio.
Travaremos as lutas que quisermos; percorreremos os caminhos que entendermos e as nossas estrelas, assim como os nossos heróis, deverão ser os mais simples e possíveis.
Dezembro pede que se acabem as complicações e que estejamos presentes, com o direito de, por vezes, estarmos ausentes e emudecermos.
No Natal, em Dezembro de agora, haverá meninos e meninas sem as suas “palhinhas”, nem o colo das suas mães, nem o abraço dos seus pais. Alguns estarão longe por dever, obrigação ou escolha, outros terão as suas razões muito próprias e legítimas, outros ainda estarão cansados e resignados. Pais e Filhos. Mães e filhas. Filhas e pais. Filhos e Mães.
(O contrário também existe. Nem tudo é mau.)
Pediram-me para escrever sobre o Natal e fi-lo.
Não me apeteceu falar da chaminé, das renas, da neve, das meias penduradas, das prendas do bom velhinho ou sequer da árvore de Natal. Das bolas, das luzes, das fitas e do burrinho.
Sei, como sabemos todos, que Dezembro chegando a todos, não traz o Natal igual a toda a gente.
Pois então que chegue Janeiro de 2014, porque 2013 está agora por um fio.
Os dias estão mais frios, as noites mais longas e há no ar um certo sentimento de cansaço que apela à novidade de um ano novo para, ao menos, variar o tema.

(Boas Festas).

Açoriano Oriental, 25 Dezembro de 2013

terça-feira, dezembro 10, 2013

“Os presépios da Maria”

Quando pensávamos que já nada mais nos podia sobressaltar (ou mesmo envergonhar), nestes dias cinzentos e chuvosos de Dezembro, eis que surge o casal Silva, na televisão, inaugurando uma exposição de presépios.
Até aqui tudo normal. Nada impede que o casal Silva ande pelos “caminhos de Portugal” inaugurando presépios e praticando todo o tipo de acções de solidariedade, desde lanches com idosos, visitas a lares de 3ª idade e ofertas às meninas e meninos institucionalizados.
Por mim não há problema nenhum. Acho até bem. Escusavam era de aparecer na TV, na Rádio e nos jornais por causa disso.
O que é que nos interessa saber se Maria Cavaco Silva e o seu esposo, juntamente com alguns dos netos, inauguraram em Bragança, num Domingo de Dezembro, uma exposição de presépios da própria, cujas receitas reverterão a favor de um lar de crianças institucionalizadas?
Seremos obrigados a apreciar o nosso casal presidencial, como os mais dedicados solidários do Natal, quiçá concorrendo com o Jorge Gabriel, a Leopoldina ou os anúncios de brinquedos do canal Panda?
Por quais “caminhos de Portugal” andará o nosso casal presidencial, durante todo o resto do ano, quando crianças, jovens, adultos e idosos também passam por dificuldades várias, face às políticas tortuosas do Governo da República?
Será que o nosso casal presidencial considera mesmo, que a sua ida a Bragança, para este acto televisionado, fotografado e com som gravado, apaga da memória dos portugueses os constantes silêncios do Presidente da República?
Ou acharão suas eminências que por causa do barulho do pisca-pisca das luzes natalícias, e por causa da fé de cada um, deixa de interessar todo o tempo, em que estiveram impávidos e serenos, a assistir à devastação do país?
Não sei. A mim parece-me que o objetivo da ida a Bragança era o de dar ao casalinho um ar poético, queridinho, lindinho e caridoso… Se era, pois daqui digo que é feio, é mau e é inqualificável.
Maria e o seu esposo podiam ter ido a Bragança, podiam até ter inaugurado a exposição, mas escusavam de nos entrar casa dentro, na televisão e rádio, e depois nos jornais, com aquele ar cândido, de quem acha que pode tudo e que ninguém percebe nada…
Há aquele ditado antigo que diz que devemos “fazer o bem sem olhar a quem”. Mas os novos tempos transfiguraram-no. Agora é assim: “eu faço o bem, ora olhem para mim”.
Todos querem dar qualquer coisa, mas quase ninguém prescinde de criar um momento televisivo, para que se possa ver a sua bondade e solidariedade…
É tempo de acabar com os “presépios da Maria” que são a mais recente representação da caridadezinha degradante e repugnante.
É que podemos, até, acreditar no Pai Natal e dizer que ele existe às nossas crianças. Fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que elas continuem a pensar que ele é o velho barbudo que desce as chaminés e deixa brinquedos e coisas boas.
O que não podemos tolerar são os “presépios da Maria”. Como sabemos nenhum dos membros do casal presidencial é gordo, tem barbas ou desce chaminés.

É fundamental que no Natal, ou em qualquer outra altura do ano, se compreenda que uma coisa é a fantasia, outra coisa, completamente diferente, é a cobardia, disfarçada de bondade, de solidariedade e de fraternidade.

Serenamente, AO 10 de Dezembro de 2013

quarta-feira, dezembro 04, 2013

De repente - Por E. Matos

De repente tudo vai ficando tão simples que assusta. A gente vai perdendo algumas  necessidades, antes fundamentais e que hoje chegam a ser insignificantes. Vai reduzindo a bagagem e deixando na mala apenas as cenas e pessoas que valem a pena. As opiniões dos outros são unicamente dos outros, e mesmo que sejam sobre nós, não têm a mínima importância. Nada vai mudar. De repente passamos a valorizar o que tem valor de verdade, e a amar de forma diferente de todas já vividas.

De repente vamos abrindo mão das certezas, pois com o tempo já não temos mais certeza de nada. E de repente isso não faz a menor falta, pois o que nos resta é ser apenas feliz. Percebemos que o hoje é apenas agora, e nada, absolutamente nada além disso. Paramos de julgar, pois já não existe certo ou errado, mas sim a vida que cada um escolheu experimentar. De repente não existe pecado, mas sim ponto de vista. O improvável passa a ser regra.
O extremo passa a ser meio termo, pois no dia a dia percebemos que nada é exato, e tudo chega a ser inconstante demais para ser determinante ou absoluto. De repente o inverso vira verso. Por fim entendemos que tudo que importa é ter paz e sossego. É viver sem medo, e simplesmente fazer algo que alegra o coração naquele momento. É ter fé. E só.
De repente a saudade se torna um sentimento devastador e descobrimos que o coração fala mais alto, então este sentimento único e profundo fica acima de qualquer razão. De repente tentamos compreender sentimentos, jamais compreensíveis aos olhos de outras pessoas. Descobrimos o verdadeiro valor da verdade e com ela chega a plena certeza de que ter dignidade, transparência e retidão de caráter são qualidades obrigatórias para se viver bem com os outros, com o mundo e, principalmente, consigo mesmo.

De repente descobrimos que os planos traçados e escolhidos por nós são unicamente nossos, pois de repente, em meio aos nossos planos, chegam as escolhas de Deus.

terça-feira, novembro 19, 2013

Mudar o mundo no Facebook


Circulam nos emails e nas redes sociais à velocidade da solidariedade de quem os recebe. São pedidos de sangue de tipo raro, para uma criança, um bebé ou um amigo. Chegam pedidos de ajuda de dezenas de pessoas, muitos deles são falsos, outros não têm razão de ser e outros ainda são mesmo pura maldade.
A maior parte das pessoas não percebe a sua inutilidade, nem tão pouco condena a sua falsidade e adere imediatamente sem sequer tentar perceber de onde vêm, de quem são ou se são mesmo precisos…
Foi o que aconteceu, por exemplo, a semana passada no Hospital de Ponta Delgada, com a resposta a um pedido de sangue para uma menina, que depois de ser partilhado e espalhado no Facebook, obrigou uma responsável pelo serviço de hematologia, a explicar o trabalho que estava a ser feito e a complicação que gerou o pedido efectuado na rede social.
Este foi um caso de que tivemos notícia. Mas quantos mais existirão? Desconfio que muitos. Vive-se um tempo de afã mediático de corresponder a todo o tipo de ajuda, um tempo que vai em crescendo até ao Natal, um tempo que muitas vezes, como neste caso, vai complicando mais a vida de quem trabalha todos os dias em lugares reais, com doenças e situações de vidas, que nada têm de virtuais.
Acho mesmo que muitas vezes a facilidade de se ser solidário através de um clique, de uma partilha ou  de um “like” deita por terra a condição primeira do princípio de solidariedade, que eu considero que é o de se ser solidário porque é mesmo preciso, porque não há outra resposta e não porque fica bem que se saiba que ajudei este, aquele e o outro, que fiz isto ou dei aquilo.
O Facebook, rede social de que sou utilizadora, tem vindo a trazer também essa quantidade absurda de acções inúteis, que acabam por se desenvolver num ciclo vicioso e na estúpida ideia de que é possível mudar o mundo naquele espaço.
Parece que tudo pode ser resolvido com um “like”; as tristezas e derrotas diárias resolvem-se com uma partilha e, muitas vezes, nas discussões, até parece que não se pensa que se pode (mesmo) morrer de repente. O Facebook não imortaliza ninguém. Desengane-se que pense assim.
Um “cartoon” que vi há poucos dias mostrava um menino a pedir dinheiro a uma senhora para ajudar uma família sua conhecida. A resposta da senhora não se fez esperar: “Meu querido, eu já fiz like no Facebook!”
Há poucas semanas o Facebook foi invadido por fotografias de girafas. O que podia, à primeira vista, parecer um repentino ataque de amor pelo animal, mais não era do que a “penitência” por errar na resposta a uma charada.
Dizem que a brincadeira foi criada por americanos e que funciona assim: um amigo posta uma charada, outro amigo tem que mandar a resposta por mensagem privada. Se errar tem que mudar a foto de perfil para a de uma girafa durante três dias seguidos.

A charada é esta: “São 3h da manhã, a campainha toca e tu acordas. Visitas inesperadas. São os teus pais. Têm fome. Na mesa da cozinha tens doce de morango, mel, vinho, pão e queijo. O que vais abrir primeiro?”
A resposta correta era “os olhos”, mas é claro que entretanto dezenas de teorias já foram desenvolvidas sobre o assunto, sendo a mais insólita, a de um pastor de uma igreja brasileira, que considerou ser uma estratégia satânica para forçar alianças entre os utilizadores do Facebook e o diabo.

Ele há coisas que nem o diabo aguenta. Seja como for: não entrei na charada e não mudei a foto de perfil mas mudaria sem problemas, mesmo que isso pudesse implicar um encontro inesperado com satã. Gosto de rir. E nestas coisas, apesar de tudo, rir ainda é o melhor remédio.


Serenamente, AO 19 de Novembro.

terça-feira, novembro 12, 2013

A Popota, a Margarida e o Natal na Venezuela

Na semana que passou, o Presidente venezuelano Nicolás Maduro fez um decreto para antecipar a quadra natalícia. Como argumentos usou os factos de que a “felicidade, a natividade e a chegada de Jesus são o melhor remédio”. Já este mês o governo da Venezuela pagará dois terços do subsídio de natal, o que fará certamente as pessoas felizes… Há quem defenda que esse gesto insólito é apenas uma tentativa de herdar o enorme capital de simpatia que Chávez tinha entre o seu Povo e que foi por isso que já, anteriormente, o Presidente Maduro criou o Ministério da Felicidade Suprema. Agora, além destas duas iniciativas, Maduro declarou também que o dia 8 de Dezembro será o “dia da lealdade e do amor ao Comandante Supremo Hugo Chávez”. Porém, coincidência das coincidências, o dia 8 de Dezembro é também dia de eleições municipais… Por cá, já temos a Popota aos saltos na televisão, a dizer que o natal é pop, com ela no top. Não sei o que é um natal pop, nem sequer top, mas tudo bem… a vida era melhor sem a Popota… Ao contrário, podíamos era ter um dia daqueles, lá da Venezuela. Um dia “da lealdade” ou da “felicidade”, mas não temos e como não temos, cá nos vamos amanhando com os dias e com as manhãs que temos. E todas as manhãs temos, sem aviso nem decreto, manhãs de parvoíce nos canais de TV nacionais. Ora, foi precisamente numa dessas ditas manhãs, (entre os olhos de vidro de uma senhora que esteve no programa do Goucha e que canta muito bem, ou o senhor gago que faz filetes com arroz de tomate muito bons no programa da Júlia Pinheiro e a gaguez nem se nota) que apareceu a Margarida Rebelo Pinto. A Margarida Rebelo Pinto é uma espécie de Popota, mas anorética. Têm a mesma escassez de vocabulário e o mesmo problema de estupidez, com a diferença de que a Popota é mais cor-de-rosa e a Margarida é mais branca. De resto são iguais, até no que transmitem: nada. Desde a polémica em 2006, com a acusação de auto plágio e erros ortográficos nos seus livros, que eu não ouvia falar tanto da Margarida. Julguei mesmo que finalmente em Portugal já se tinha chegado à conclusão de que a Margarida, essa cópia forjada de Paulo Coelho, que escreve para meia dúzia de distraídos que passam nas lojas de aeroporto e querem adormecer nos aviões, não era uma escritora: era um produto. Uma “coitadinha” que a literatura portuguesa deixou inventar, por falta de escrúpulo e algum remorso. À escala do senhor gago que faz filetes com arroz de tomate muito bons no programa da Júlia Pinheiro e a gaguez nem se nota, a Margarida Rebelo Pinto que escreve livros muito maus e nota-se, apareceu num programa da RTP/informação, o “Bom dia, Portugal” e toca de dizer que sente “repulsa” por quem se manifesta contra o Governo, estando até triste com a falta de civismo e responsabilidade civil de quem interrompe o trabalho de quem governa para protestar… Ainda estou na dúvida do que é pior: se é a Margarida ter tido microfone para apresentar o seu livro, se é a Margarida ter dito o que disse… Num caso ou noutro, o assunto só se resolve mandando a Margarida e a Popota para a Venezuela, com chegada prevista para o dia 8 de Dezembro, esse dia em que se celebrará a lealdade e o amor ao Comandante Supremo Hugo Chávez. Há lá coisa mais saborosa do que festejar estes valores com uma Popota aos saltos? E uma Margarida cheia de teorias? Não vislumbro e não vislumbrando, hoje, é assim que acabo. Serenamente.

[ Serenamente, jornal Açoriano Oriental, edição de 12 de Novvembro de 2013]

quinta-feira, novembro 07, 2013

Um Dó Li Tá - Opinião António Lobo Antunes na Revista Visão

Perguntam-me muitas vezes por que motivo nunca falo do governo nestas crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual governo? É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento. Claro que as crianças lhes acrescentaram um pin na lapela, porque é giro - Eh pá embora usar um pin? que representa a bandeira nacional como podia representar o Rato Mickey - Embora pôr o Rato Mickey? mas um deles lembrou-se do Senhor Scolari que convenceu os portugueses a encherem tudo de bandeiras, sugeriu - Mete-se antes a bandeira como o Obama e, por estarem a brincar às pessoas crescidas e as play-stations virem da América, resolveram-se pela bandeirinha e aí andam, todos contentes, que engraçado, a mandarem na gente - Agora mandamos em vocês durante quatro anos, está bem? depois de prometerem que, no fim dos quatro anos, comem a sopa toda e estudam um bocadinho em lugar de verem os Simpsons. No meio dos meninos há um tio idoso, manifestamente diminuído, que as famílias dos meninos pediram que levassem com eles, a fim de não passar o tempo a maçar as pessoas nos bancos, de modo que o tio idoso, também de pin - Ponha que é curtido, tio para ali anda a fazer patetices e a dizer asneiras acerca de Angola, que os meninos acham divertidas e os adultos, os tontos, idiotas. Que mal faz? Isto é tudo a fazer de conta. Esta criançada é curiosa. Ensinaram-me que as pessoas não devem ser criticadas pelos nomes ou pelo aspecto físico mas os meninos exageram, e eu não sei se os nomes que usam são verdadeiros: existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um Mateus Rosé? É que tenho a impressão de estar num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal. No lugar deles arranjava outros pseudónimos: Touro Sentado, Nuvem Vermelha, Cavalo Louco. Também é giro, também é americano, pá, e, sinceramente, tanto álcool no jardim escola preocupa-me. A ASAE devia andar de olho na venda de espirituosas a menores. Outra coisa que me preocupa é a ignorância da língua portuguesa nos colégios. Desconhecem o significado de palavras como irrevogável. Irrevogável até compreendo, uma coisa torcida, e a gente conhece o amor dos pequerruchos pelos termos difíceis, coitadinhos, não têm culpa, mas quando, na Assembleia, um deles declarou - Não pretendo esconder nem ocultar apesar da palermice me enternecer alarmou-me um nadita, mau grado compreender que o termo sinónimo seja complicado para alminhas tão tenras. Espíritos tortuosos ou manifestamente mal formados insinuam, por pura maldade, que os garotos mentem muito, o que é injusto e cruel. Eles, por inevitável ingenuidade, não mentem nem faltam às promessas que fazem: temos de levar em conta a idade e o facto da estrutura mental não estar ainda formada, e entender que mudar constantemente de discurso, desdizer-se, aldrabar, não possui, na infância, um significado grave. A irrealidade faz parte dos cérebros em evolução e, com o tempo, hão-de tornar-se pessoas responsáveis: não podemos exigir-lhes que o sejam já, é necessário ser tolerante com os pequerruchos, afagá-los, perdoar-lhes. Merecem carinho, não crítica, uma festa na cabecinha do garoto que faz de primeiro-ministro, outra na menina que eles escolheram para as Finanças e por aí fora. Não é com dureza desnecessária e espírito exageradamente rígido que os educamos. No fundo limitam-se a obedecer a uns senhores estrangeiros, no fundo, tão amorosos, que mal fazem eles para além de empobrecerem a gente, tirarem-nos o emprego, estrangularem-nos, desrespeitarem-nos, trazerem-nos fominha, destruírem-nos? São miúdos queridos, cheios de boa vontade, qual o motivo de os não deixarmos estragar tudo à martelada? Somos demasiado severos com a infância, enervam-nos os impetuosos que correm no meio das mesas dos restaurantes, aos gritos, achamos que incomodam os clientes, a nossa impaciência é deslocada. Por trás deles há pessoas crescidas a orientarem-nos, a quem tentam agradar como podem à custa daqueles que não podem. Os portugueses, e é com mágoa que escrevo isto, têm sido injustos com a infância. Deixem-nos estragar, deixem-nos multiplicar argoladas, deixem-nos não falar verdade: faz parte da aprendizagem das mulheres e homens de amanhã. Sigam o exemplo do Senhor Presidente da República que paternalmente os protege, não do senhor Ex-Presidente da República, Mário Soares, que de forma tão violenta os ataca e, se vos sobrar algum dinheiro, carreguem-lhes os telemóveis para eles falarem uns com os outros acerca da melhor forma de nos deixarem de tanga. Qual o problema se há tanto sol neste País, mesmo que não esteja lá muito certo de o não haverem oferecido aos alemães? E, de pin no casaco que nos fanaram, isto é, de pin cravado na pele (ao princípio dói um bocadinho, a seguir passa) encorajemos estes minúsculos heróis com um beijinho, cheio de ternura, nas testazitas inocentes. Ler mais: http://visao.sapo.pt/um-do-li-ta=f756315#ixzz2k0b5U7bU

Ardemares no Brasil

http://urlespiao.com.br/www.ardemares.blogspot.com

terça-feira, novembro 05, 2013

Que nos valha o Benfica

Maria do Carmo, 52 anos, desempregada de uma loja de fazendas conta-me, no seu português “lisboeta ferrenho”, que se não fossem os jogos do Benfica, que vai vendo com o José Armando, aos fins de semana, na televisão, já tinha dado duas bolachas num romeno, “à moda do Carrilho”, explica, sorrindo, toda enfiada no seu cabelo farto e branco, como uma bolinha de carne rosada. “Para mim, não tem nada que enganar” continua, “a culpa é da Bárbara Guimarães…” Como Maria do Carmo, há centenas de senhoras em Lisboa, que nas filas do autocarro, reclamam com a chegada de senhoras romenas, com bilhetes, a pedir dinheiro para mandar buscar os filhos ou para comprar farinha e leite. “São essas”, dizem, “que nos dão cabo do pouco dinheiro que temos. Andam por aí a roubar a esmola dos portugueses.” Sente-se, a caminhar pelas ruas de Lisboa, por estes dias, um certo desconforto, um não sei quê de azedume, que por um lado gasta e farta a alma, e por outro lado, impacienta… Enquanto as notícias trazem descobertas sobre a “Maria” da Grécia, a reabertura do processo da criança inglesa desaparecida no Algarve, as brigas do casal Guimarães/Carilho ou a história da funcionária que “por amor” desviou 250 mil euros da Conservatória de Braga, um “bando de meninos”, como lhes chamou António Lobo Antunes, consola-se a dar cabo deste país. Quando Paulo Portas anuncia que “Portugal pode estar a poucas semanas” de sair oficialmente da recessão técnica; logo aparecem, não sei quantos comentadores, a encher as televisões, as mesas redondas, para nos explicar melhor o que disse Paulo Portas. A nós todos, (tolinhos) que podemos não ter entendido bem… Para onde vamos? Não sei. Olho para os canais de televisão, nestes dias que passam, sem paciência. Oiço os debates na Assembleia da República e sinto que a única preocupação dos “principais partidos” são os adversários internos e que aos outros, mais pequenos, o que interessa sobretudo é manter o “status quo”. Gritam muito, fazem muito barulho, dizem “portuguesas e portugueses” mas diferem em “zero” dos outros todos. Vejo um grupo de políticos medíocres, cuja única ambição é ficar no poder, não pelo mérito, mas sim, e sempre, pela inexistência de alternativa. Acham-se únicos, cumprem serviços mínimos, exigem que uns corem de vergonha e peçam desculpa, como se o rubor das faces ou o pedido de desculpas resolvesse alguma coisa. Vivemos acima do que podíamos ter vivido, explicam alguns comentadores, por onde vou passando, em zapping. (Não faltava mais nada, a não ser que a culpa fosse nossa). Ninguém apresenta propostas, soluções ou projetos e a mediocridade cresce, como uma sombra, entre os discursos, cuja única finalidade é aniquilar o adversário, que não estando com eles, está (dedução lógica) contra eles. É claro. O cenário é este e a miséria imensa. A paciência não pode sustentar tanto desengano, a alma (essa coisa que fica entre os olhos e o que se vê, de facto) não aguenta mais. De modo que o que se vai esperando é que o Benfica vá dando umas alegrias à Senhora Maria do Carmo e ao seu José Armando. Com sorte ela esquece os pobres dos romenos e não dá corda à novela “Carrilho/Guimarães”. É que novela por novela, antes rir livremente com coisas boas como o Benfica. Serenamente, AO, 5 de Novembro

terça-feira, setembro 24, 2013

O tempo mostra o amigo

Imagino que a ambição máxima dos dirigentes laranja, de acordo com as parcas propostas para as autarquias nos Açores, não vá muito além, da tentativa de manter as Câmaras Municipais que detêm e do repouso dos já tradicionais lugares que ocupam no parlamento açoriano.
As intervenções públicas de Duarte Freitas deixam, de facto, enormes dúvidas sobre o seu pensamento político e sobre a existência de causas no seu partido, se é que uma e outra coisa existem.
Duarte Freitas continua a gerir o PSD como o Portugal colonial geria o corpo de engenharia que, ao tempo, tinha na Índia. Diz-se que eram vinte, os oficiais sem um único soldado para amostra. De modo que o melhor mesmo era não ter ideias nem pensar em obras porque engenheiro que se prezasse rabiscava, mas não petiscava. O resto é o que nos fala a história: como Portugal nunca se livrou do traço elitista dos seus engenheiros, a velha colónia acabou por se livrar de Portugal. Parece-me, assim, que salvo as distâncias e as circunstâncias, a dificuldade na liderança social-democrata é da mesma ordem, ou seja, como o líder não consegue acertar o passo ao seu “estado-maior”, os militantes vão mudando de partido, até ao inevitável dia em que alguém mude a liderança.
Mas como o mal vem sempre bem acompanhado, não deixa de ser caricato e até mesmo pitoresco, ouvir Duarte Freitas falar das “boas finanças” da Câmara Municipal de Vila do Porto, por exemplo. Aguardo com serenidade que até ao final da campanha eleitoral, o mesmo Duarte Freitas apareça ao lado de Rui Melo, a elogiar-lhe qualidades como a boa gestão dos recursos financeiros públicos…
Aguardo mas não me espanto (muito) que não apareça. O presidente do PSD/Açores sabe que no seu partido todos têm um projecto pessoal e ainda por cima divergente dos restantes.
Por outras palavras, o PSD segue à tabela e à risca a estratégia de acrescentar água à sopa, para repetir a mesma dose, na mesma tigela, a outros convivas, sem alguém se dar ao trabalho de, ao menos, mudar a receita, que é como quem diz, de fazer diferente e pensar nos 19 concelhos dos Açores e em todas as suas freguesias de forma diferenciada e específica.
Em Ponta Delgada, por exemplo, se o Governo faz uma Gala de desporto, a autarquia acrescenta mais 10 atletas e faz outra; se o Governo inaugura uma biblioteca, a autarquia inaugura um centro de estudos; se o Governo faz uma estrada, a autarquia acrescenta dez metros na intenção de fazer uma radial.
Não tem havido pois (mais) tempo para apresentar ideias diferentes e concretas para Ponta Delgada, porque se vive nesta contínua competição, e quando assim não é, governa-se a autarquia, como aconteceu nos últimos meses, plagiando ideias do candidato do PS/Açores, nas próximas eleições de 29 de Setembro, nalgumas disfarçando, noutras acrescentando um algarismo, um metro ou uma vírgula.
Com a limitada ideia de “Um amigo” que não tem “nada a ver com o Governo de Passos Coelho”( versão B) mas que foi seu mandatário, José Manuel Bolieiro esconde, à boa moda do seu líder, que não tem objectivos para Ponta Delgada e evita o trabalho que dá “ser diferente”.
Talvez por isso, já se diga por aí que a geração de Freitas e Bolieiro, no PSD/Açores, passa despercebida em silêncio, mas quando fala, não há um amigo que aguente.
Seja como for, lá diz o provérbio que “O tempo mostra o amigo”, sendo certo que, na minha opinião, mostra melhor que o cartaz por mais cartazes que se pendurem em toda a parte.

Serenamente, AO 24 de Setembro de 2013

terça-feira, setembro 17, 2013

E Antero de Quental?






Não deixa de ser estranho que a Câmara Municipal de Ponta Delgada tenha abandonado a memória de Antero de Quental, quando se compara, por exemplo, com Natália Correia, a quem a edilidade dedicou a semana que passou, assinalando assim os seus 90 anos de nascimento, com várias actividades.
Bem sei que não é costume assinalar-se datas que não são “redondas” mas estranho (sempre) que a cidade de Ponta Delgada nunca tenha querido assumir Antero de Quental como sendo daqui, desta nossa cidade, criando, por exemplo, na casa onde nasceu, um espaço museológico de referência.
Todas as cidades do mundo celebram os seus maiores.
Na Praia da Vitória temos Vitorino Nemésio, ainda há dias referido, por Roberto Monteiro, como “pilar da cultura da Praia da Vitória”; na Horta temos Manuel D´Arriaga, em Lisboa, Fernando Pessoa e Amália Rodrigues, no Pico, em São Roque do Pico, o prémio literário Almeida Firmino. Em Ponta Delgada temos Natália Correia, sim senhores, mas temos também Antero de Quental. E a duplicidade de critérios no tratamento de uma e de outra figura, incomoda qualquer um que pense nisso por um instante.
É que, se por um lado se homenageia “a feiticeira cotovia”, tendo inclusivamente sido descerrada uma escultura, em sua homenagem a semana passada, por outro lado chega-se ao ponto de permitir que o banco, onde Antero de Quental se suicidou esteja, por estes dias, arredado do seu lugar, servindo o espaço que ocupava, para estaleiro das obras do campo de São Francisco.
Talvez a razão deste acontecimento seja mesmo a inexistência de qualquer critério e a homenagem que agora se prestou a Natália Correia tenha sido, nada mais, nada menos do que o afã mediático para que se queda o espírito humano sempre que há campanha eleitoral.
De uma ou de outra forma, mas dando, ainda assim, o benefício da dúvida, é caso para congratular a autarquia pela iniciativa de homenagear a escritora de “O sol na noite e o luar nos dias”, lamentando, contudo, o esquecimento a que têm votado Antero de Quental.
A cidade de Ponta Delgada que, de Antero tem nome de escola e de avenida, vem referida em vários documentos, páginas na internet e outros suportes que existem sobre o Homem e a sua Obra. Aqui nasceu a 18 de Abril de 1842 e aqui morreu a 11 de Setembro de 1891.
Em Vila do Conde, onde viveu 10 anos, foi inaugurado um Centro de Estudos Anterianos, em Julho passado.
O Governo dos Açores criou um Roteiro Cultural Antero de Quental, na cidade, que parte da casa onde nasceu e faz um percurso por 11 lugares diferentes, entre eles, o monumento funerário, no cemitério de São Joaquim.
A 11 de Setembro deste ano assinalaram-se 122 anos sobre a sua morte. Não fora a iniciativa do Instituto Cultural de Ponta Delgada, a 12 de Setembro, “Novas Conferências do Casino” por Miguel Soares de Albergaria e as referências feitas a Antero quer pelo Professor Doutor Machado Pires, quer por José Contente na Convenção Autárquica que o PS organizou em Ponta Delgada e a data nem tinha sido (sequer) lembrada.
Se o motivo é ter-se suicidado, já deviam tê-lo posto de lado. Natália Correia escreveu “o itinerário é interior”. O resto, senhoras e senhores, é inércia, poeira e algum preconceito.

Mariana Matos


Por decisão da autora este artigo não cumpre as normas do Novo Acordo Ortográfico em vigor.

terça-feira, agosto 06, 2013

Amor à Camisola

No fim de semana ficamos a saber que não são só os sismos (ou abalos) e as derrocadas que nos fazem ser notícia por Lisboa.
À parte a meteorologia e as calamidades também a cusquice política com tragédias da vida de outros fazem abrir os noticiários e criar factos que vão para além do terrível acontecimento.
É uma pena que assim seja, mas foi agora, como já fora antes. E será sempre, porque diz-se que é mesmo assim. Ninguém tem, porém, e na minha opinião, o direito de assassinar publicamente seja quem for. Já bastava a desgraça da ocorrência. Não era preciso mais nada. Digo eu.
Há uns dias ouviu-se o Secretário-Geral do CDS/PP nacional – por cá, salvo erro – comentar a desistência da candidatura daquele partido à Câmara Municipal de Ponta Delgada, acusando o agora já não candidato, de “cobardia política”.
Não sendo assunto da minha “freguesia” arrisco dizer que (talvez) se o candidato tivesse optado por voltar atrás com a promessa da saída, qual Paulo Portas, à moda de São Miguel, era então herói, patriota, digno. Teria “amor à camisola”.
O “amor à camisola”, essa espécie de amor de pano, de que uns se apropriam e por que outros se apaixonam de verdade, está cada vez mais em uso, entre alguma classe política, e serve, vai servindo para justificar atitudes, calar ou silenciar outras, estudar táticas, golear balizas alheias.
Expressão de uso mais futebolístico que propriamente no corriqueiro diálogo do dia-a-dia, esse amor, que dizem que dói e que se sente, que abre feridas, que às vezes não chegam a sarar, é quase tão ridículo como as cartas de amor eram (ou são) para Fernando Pessoa. No sentido ridículo que dá o poeta às cartas e não no sentido do palhaço que está mais na moda.
Os dias que correm vão direitinhos parar a 29 de Setembro. Dia de eleições autárquicas. Com umas saídas de cena e outras entradas em cena, certo é que está terminada a entrega de listas de candidaturas às autarquias dos Açores.
Melhores, piores, com mais ou menos vontade de vencer, os Homens e as Mulheres, que dão um passo em frente e dizem “presente” nesta hora devem ter de todos um reconhecimento, por mais pequeno que seja….
Afinal quem dá um “passo em frente” pela sua freguesia, cidade, vila ou mesmo rua, deve merecer o nosso respeito, por ter abdicado de ser “treinador de sofá” e chegar-se à frente para dar uma ajuda.
Pela minha parte faço votos de que não se desiludam e, perdendo ou ganhando, com mais ou menos “amor à camisola” dignifiquem o cargo que venham a exercer, sendo sobretudo e, sem grandes façanhas: “simples e possíveis” (António Lobo Antunes).
Os tempos que estão para chegar não se avizinham ainda muito fáceis. Espera-se que este poder que será renovado em Setembro, o local, ajude a ultrapassar este tempo de maiores dificuldades. É tempo de todos unirmos esforços, em particular, para criação de emprego, de apoio às famílias e de dinamização da economia local.
Se não for (e pode mesmo não ser) por “amor à camisola”, seja então por amor à nossa terra.

Serenamente, AO 6 de Agosto de 2013


quarta-feira, julho 24, 2013

Mais e melhor

Passaram quase incólumes aos ouvidos dos cidadãos de Ponta Delgada, as recentes declarações do candidato do PSD/Açores à Câmara Municipal do maior concelho dos Açores. Disse o candidato e, ainda presidente, José Manuel Bolieiro, durante a apresentação da sua mandatária que, e cito: “O meu trabalho na Câmara Municipal é que serve de campanha”.
Parece-me muito grave que o candidato do PSD/Açores a Ponta Delgada admita, sem qualquer tipo de escrúpulo, que utiliza a Câmara Municipal para campanha eleitoral e não quero crer que estas suas palavras tenham sido bem medidas. De outra forma, a única conclusão que se pode retirar é que o candidato tem do cargo que ocupa uma visão clientelar e promíscua.
No mesmo dia e, no seguimento destas palavras, o candidato do PSD/A também referiu que “a pré-campanha do ruído e da despesa não faz o meu género”. É uma pena que o candidato do PSD/Açores tente confundir esclarecimento com propostas. Mas a pena maior é que a pré-campanha do candidato do PSD/Açores se esteja a fazer na gravata ou na coroa do Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada… como se ninguém estivesse a ver.
E quando se esperava uma solução para o centro histórico de Ponta Delgada – apresentada pelo atual Presidente da Câmara Municipal, eis senão quando se lança, às pressas, a obra do Campo de São Francisco.
Com ela, o candidato do PSD/Açores pensou matar vários coelhos de uma cajadada só e, mais uma vez, como se ninguém estivesse a ver, onze anos depois, desde que começaram as “Noites de Verão” no Campo de São Francisco, quis agradar a todos e puxou as ditas noites para o centro da cidade.
A Câmara Municipal de Ponta Delgada acordou tarde para o problema e prejudicou durante 11 anos os comerciantes da baixa da cidade. Porém faço os melhores votos de prosperidade aos nossos comerciantes, embora esperasse que esta deslocação das noites, fosse acompanhada por reduções de taxas relativas à ocupação da via pública, à instalação de reclames luminosos, à diminuição da Derrama, entre outros tão falados e propostos assuntos, pelo maior partido da oposição, na Câmara e Assembleia Municipal de Ponta Delgada.
Bem se sabe que nenhuma destas medidas causa tanto impacto visual como ter umas máquinas a escavar no Campo de São Francisco, a afastar dali mendigos e outros indivíduos e a mudar árvores de sítio, mas o que não se quer ver poupado, esquecido e afogado é um centro histórico tradicional que há mais de uma década espera pelos bons propósitos da autarquia de Ponta Delgada.
A semana passada ficámos todos a saber que Vila do Conde homenageou Antero de Quental. A casa onde viveu o escritor durante 10 anos abriu na passada 3ª feira e é agora o Centro de Estudos Anterianos.
Por cá há promessa, desde 14 de Junho de 2008 (há 5 anos), de homenagear Antero de Quental através da criação de um centro de estudos com o seu nome que iria surgir na Casa de Mouzinho da Silveira, na Rua Pedro Homem.
Não se vislumbra nada de novo sobre este assunto, assim como nunca se identificou o banco onde Antero de Quental se suicidou.

Honrar os nossos maiores é viver mais. Ponta Delgada precisa decisivamente de mais e de melhor.

Serenamente, AO 23 de Julho

terça-feira, julho 16, 2013

A motivo

Fumou todos os cigarros da carteira que trazia 20. Um atrás do outro, um atrás do outro, um atrás do outro. Até ao vigésimo. Depois parou, deixou o isqueiro cair suavemente no chão e clique...
Morreu. Motivo: ataque de ansiedade.

terça-feira, junho 25, 2013

PSD/Á(rabe)



Constituindo-se como o momento mais caricato (e até certo ponto vexatório) a que já assistimos nos debates parlamentares, na Região Autónoma dos Açores, digno mesmo de figurar, na primeira página, de um qualquer anedotário regional, o Programa do PSD/Açores para a criação de Auto-Emprego Jovem (PAEJ) é uma das mais reveladoras provas da mediocridade de alguns membros da classe política regional.
Mediocridade que continua a passar impune, sem que ninguém tire verdadeiras consequências disso. É lamentável.
Se o PSD/Açores não encontrou em nenhuma das nossas ilhas um furo de petróleo, este Programa que foi anunciado no passado mês de Abril, no Pico, depois de 3 dias a debater, em Jornadas Parlamentares, soluções para o desemprego jovem é, nada mais, nada menos, do que uma piada de mau-gosto, feita à custa dos problemas das vidas dos outros…
Se não estivéssemos a falar de políticos açorianos com responsabilidades que, amiúde, se proclamam como o “maior partido da oposição” e até “pai da Autonomia” podíamos pensar que o PSD/Açores, pela voz do líder da JSD/Açores e, deputado pelo 2º mandato consecutivo, estava a sofrer de uma espécie de síndrome de “Lawrence das Arábias”…
Mas não. À parte a grandeza do partido, ou mesmo a paternidade da Autonomia e de outras efemeridades do tipo, que agora interessam pouco, a não ser pela referência das “qualidades” com que se gostam de auto condecorar, resta um certo laivo de desmazelo, um certo afã mediático e uma certa queda para a tolice.
A Proposta do PSD/Açores, para quem não ouviu o debate, já que não saiu nota do Gabinete de Comunicação Social deste partido, visava promover o Auto-Emprego Jovem em actividades tão açorianas como: extração de hulha e lenhite; extração de petróleo bruto e gás natural; preparação de minérios metálicos; fabricação de coque, produtos petrolíferos refinados e aglomerados de combustíveis…
Afinal, como se percebe, não foi um contributo para a criação de Auto-Emprego jovem, ou menos jovem, que os senhores deputados do PSD/Açores deram à sociedade açoriana. Não senhores. Mas, mesmo assim, não deixaram de dar qualquer coisa. E o que deram então?
Ora deram pior fama à classe política, pior fama aos deputados, pior imagem à política, razão a quem diz que há políticos que não servem para nada…
O que aconteceu a semana passada no Parlamento Regional foi uma ofensa aos Açorianos e é deveras lamentável que um Partido como o PSD/Açores tenha feito esta triste figura sobre um assunto tão sério como o Desemprego.
Ainda assim tiveram sorte. Todos os grupos e representações parlamentares votaram por unanimidade o Requerimento que a bancada do PSD/Açores apresentou para que o diploma baixasse à comissão e fosse de novo reapreciado.
O tempo dirá o que trará de novo o PAEJ, esperando-se, porém, que não volte a ser nada do género. É que na luta e no trabalho diário pela criação de melhores condições de emprego para todos os cidadãos açorianos devem estar empenhados todos os políticos açorianos e esta temática, como outras, é certo, não pode, nem deve servir para “brincadeirinhas” de mau gosto.

Aos políticos cumpre o dever de zelar pelos interesses do seu Povo. Se há petróleo, digam onde é. Se não há façam o vosso trabalho que é para isso que são pagos.

Serenamente, no jornal Açoriano Oriental, a 25 de Junho de 2013

terça-feira, junho 18, 2013

O pai, a chuva e o papa

Não há nada mais sádico do que ouvir o primeiro-ministro de Portugal dizer na televisão que sim, que tem dinheiro, mas que só vai pagar os subsídios de férias em novembro…
Parece que Passos Coelho perdeu o juízo e é uma pena que não siga os conselhos do pai que, no fim do mês de Maio, foram notícia.
“Isto não tem conserto, entrega isto”, disse António Passos Coelho, em entrevista ao jornal i, explicando que não queria ver o filho nos meandros da política, porque o país não tem conserto e não é de agora.
Pedro Passos Coelho comentou com a afirmação: “Não comento o meu pai”, em Bruxelas. Talvez o primeiro-ministro de Portugal pudesse ter usado a desculpa da chuva, dizendo qualquer coisa como “A culpa é da chuva. Não chove e o meu pai aparece nos jornais a falar de mim. Eu tenho pai.” Ou então: “A culpa é da chuva. Chove e o meu pai aparece nos jornais a falar de mim. Eu tenho pai.” Insisto no “Eu tenho pai” porque só pode ter sido essa a relação da “aparição” do pai.
Podiam os portugueses pensar que o primeiro-ministro tinha aparecido ao mundo num pacotinho de sumo Tang ou num saquinho de qualquer pó, tipo talco. Não, o primeiro-ministro tem pai. Uau. E o que é que muda? Nada!
De António Passos Coelho nunca mais se ouviu falar. Dias depois foi a vez de Nossa Senhora de Fátima e depois a chuva, essa água maldita que deu cabo dos investimentos do país. Antes disso tudo, do pai, da santa e dos malefícios das águas do céu, a chuva era uma coisa maravilhosa para a Ministra Assunção Cristas, que era até, como se assumiu uma pessoa de fé, esperando que chovesse para melhorar as colheitas.
Uma pessoa que queira escrever a sério sobre este país tem cada vez mais dificuldades.  Cavaco Silva não ajuda nada. No dia 10 de Junho escolheu o tema Agricultura, tentando contrariar algumas ideias sobre a sua intervenção nessa área.
Só é um bom tema para quem se tenha esquecido dos seus 10 anos de tempo perdido, de dinheiro desaparecido e de oportunidades perdidas. Quem não se lembra aplaudirá de pé, até se for preciso, e não pagará como o pobre cidadão em Elvas, 1300 euros, por ter chamado os bois pelos seus nomes próprios: “Palhaço”- gritou o homem e não é que é mesmo?
De cá, na cerimónia que por cá se repercute, qual festa em colónia, o seu ilustre representante também não acertou no tema, falou do relacionamento entre Lisboa e os Açores e do necessário que é haver boas relações entre Governos.
Era escusado. Afinal nada tem dito sobre a falta recorrente e insistente de respostas a problemas dos Açores por resolver em Lisboa, pelo que podia ter-se reservado da lição de moral que quis dar sem razão.
E por fim, não posso deixar de referir o “fait-diver” da semana. O papa Francisco cometeu o erro de comparar a língua portuguesa com espanhol mal falado. Brincava o papa numa audiência com Durão Barroso. Logo as sinetas dos puristas fizeram soar o mais alto dos escândalos. Coitado do papa Francisco. Se tivesse comparado ao brasileiro (ou português do brasil) já não havia, por certo, problema... Hipocrisias.

Serenamente, Açoriano Oriental, 18 de Junho


terça-feira, junho 11, 2013

O Mau Tempo no País, o Dilúvio na Economia e os Disparates



A passada sexta-feira, que no meio empresarial muitas vezes é conhecida por casual-friday (dia da semana em que o ambiente empresarial, por opção própria, é menos formal, sobretudo na indumentária), passará a ser conhecida como silly-Friday (sexta-feira do disparate).

O dia começou mal com os juros da dívida portuguesa a 10 anos, novamente, a ultrapassarem os 6% (valor mais alto desde abril) e o INE a revelar que a riqueza gerada em Portugal nos primeiros 3 meses tinha decrescido, ultrapassando todas as previsões (extraordinário seria Gaspar ter acertado em alguma coisa!), no valor recorde de 4%  - a maior queda no PIB português desde a Grande Recessão.

Enquanto tudo isso se passava, o Ministro das Finanças do Governo PSD-PP apresentava no Parlamento mais um Orçamento de Estado Rectificativo que mantem e agrava a austeridade que temos vindo a sentir.
Se é certo que falar das consequências da austeridade na economia para a maior parte da população e dos economistas é “chover no molhado”, para o Ministro Gaspar não é bem assim.
O Ministro do PSD-PP dá outro sentido à minha anterior afirmação. Para este, as consequências da chuva e do banho que todos os portugueses passaram neste inverno (falo literalmente!), não só prejudicaram a economia e os Portugueses como não deixaram que o modelo de austeridade funcionasse como nos modelos de Excel do ministério das Finanças.
A minha primeira reacção foi de estupefacção. Como é que não me tinha lembrado dos efeitos macroeconómicos da chuva, do frio e do vento!?

Qual barragens cheias e eólicas a funcionar a todo o vapor, qual quê? Era óbvio, na Irlanda chove muito também e a Troika teve de salvar o país da bancarrota.

Na Serra da Estrela também chove muito e faz frio e, de facto, devido à crise económica instalada não vive lá ninguém em cima desde Viriato. Na montanha do Pico, ao que parece, acontece exatamente o mesmo.

Aliás, depois de saber que o mau tempo acelera a redução da procura interna, nomeadamente do investimento em valores perto de 4% do PIB, tenho de fazer um elogio aos últimos Governos dos Açores por terem conseguido, em 13 anos, fazer convergir a RAA em 11 p.p. com a média da União Europeia, apesar do constante mau tempo em que vivemos e das constantes calamidades que atravessamos.

Enquanto, na última sexta-feira, o Ministro das Finanças analisava a pertinência do mau tempo, no autêntico dilúvio de maus resultados económicos que tornam o novo orçamento retificativo num documento já ultrapassado, o FMI, inacreditavelmente, falava de assuntos pouco importantes como a assunção de erros nas previsões demasiado otimistas dos efeitos do programa de austeridade na Grécia e do facto de considerar que a União Europeia não está preparada para lidar com o problema das dívidas soberanas.

Enquanto o FMI e a União Europeia discutiam e trocavam acusações dos erros cometidos nos programas de assistência aos países em dificuldades, o Governo do PSD e do CDS/PP discutiam os efeitos da meteorologia na economia.

Assim vai o nosso país!


2º Disparate
Bem sabemos que nos Açores o PSD e CDS/PP estão a desenvolver um tímido esforço para descolar dos seus partidos a nível nacional, mas há limites para o ridículo e para as cortinas de fumo que tentam passar para enganar os açorianos.

A posição do PSD é muito simples e foi-me transmitida diretamente e em direto num debate na RDP por um ilustre social-democrata: “Eu não concordo com a maior parte das medidas do governo de Lisboa, mas acho muito importantes as medidas que este governo está a tomar e por isso apoio”.

No caso do CDS/PP Açores, um partido que nos Açores antes das últimas eleições regionais era um partido razoável e construtivo, agora na defesa do seu Governo da República vale tudo, sobretudo radicalizar o seu discurso sobre outros temas: o seu candidato a Ponta Delgada insulta diretamente dirigentes do PS/Açores de uma forma gratuita; a direção política do CDS/PP acusa na praça pública empresas de serem favorecidas pelo Governo dos Açores apenas porque um gerente de uma empresa concorre a uma junta de freguesia contra o candidato do CDS/PP; e chega ao cúmulo de criticar os atuais sistemas de incentivos ao investimento depois de os terem ajudado a construir de uma forma unanime.

Assim vai a nossa oposição nos Açores!

terça-feira, junho 04, 2013

Sem “pés nem cabeça”


A solução mista de circulação de trânsito e peões na rua dos Mercadores é paradigmática de algumas soluções encontradas para a cidade de Ponta Delgada, nos últimos anos…
Basta recuar a 2009 para lembrar que à data da reabertura desta rua, e a par com a justa homenagem aos calceteiros pelo seu trabalho extraordinário, a autarquia decidiu que por cima daquele belíssimo passeio circularia, além do comum cidadão, todo o tipo de trânsito…
Agora, novo caso deu à luz na cidade. Falo, claro está, das improvisadas ciclovias de Ponta Delgada que ocupam a faixa direita da estrada, entre o Clube Naval e o Forno da Cal, em São Roque, durante os fins-de-semana.
Não se pode dizer que a ideia de ter ciclovias em Ponta Delgada não é uma belíssima ideia, porque é, de facto. Porém aquelas, além de nos parecerem inseguras e absurdas, não deixam de nos fazer lembrar a solução mista da rua dos Mercadores…
Em quase todas as cidades do país há planos de redes de ciclovias urbanas, que disponibilizam aos cidadãos, inclusivamente, bicicletas na cidade, para serem usadas pelos habitantes e turistas.
Ainda recentemente, por exemplo, Torres Vedras anunciou estar a executar obras, com vista à construção de novas ciclovias e à reformulação de outras para estarem de acordo com as regras do novo código da estrada. Em homenagem ao ciclista Joaquim Agostinho, natural deste concelho, a autarquia baptizou as bicicletas de “Agostinhas”…
Quando as coisas são feitas com tempo, há possibilidade de fazê-las bem e com imaginação. Quando são feitas assim às “três pancadas”, o resultado é o que se tem visto nas últimas duas semanas: “Baias e cordinhas” a fazer de conta que se fez qualquer coisa… Uma lástima.
Podia o PSD que tem a maioria na Câmara Municipal de Ponta Delgada, há mais de uma década, ter feito um maior investimento em políticas de transportes públicos, que favorecessem a mobilidade no maior concelho dos Açores? Podia. Mas a autarquia tem sistematicamente negligenciado essa aposta, focando a sua intervenção numa política de mobilidade exclusivamente dedicada ao automóvel, nunca sendo sequer capaz de decidir a construção da tão famigerada central de camionagem ou de criar faixas de autocarros que deviam funcionar nas horas de ponta e ser melhor articuladas com os minibuses…
Já houve tempo suficiente para haver um maior investimento nesta área, incentivando transportes alternativos, como scooters e bicicletas, assim como investindo na maior utilização dos transportes públicos, juntando-se a isso investimento na qualidade das paragens de autocarros, um sistema de comunicações inteligente com informação electrónica sobre horários e percursos. Nada disto é novo. Os vereadores do PS de Ponta Delgada bem que têm insistido. Mas nada. Há muito tempo que a autarquia de Ponta Delgada se podia ter empenhado nestas e noutras soluções. Primeiro o Senhor Vice-Presidente da Câmara, José Manuel Bolieiro preferiu o Museu do Niemeyer. Agora, o Senhor Presidente da Câmara, José Manuel Bolieiro (sim, o mesmo) prefere um Pavilhão Desportivo na cidade.
Tudo por aqui é feito sem “pés nem cabeça”. Quando assim é, com mais ou menos variações, o cantor que era António de primeiro nome, já avisava: “o corpo é que paga”…

Para lá vamos…

Serenamente, AO 4 de Junho

terça-feira, maio 28, 2013

"Prefiro ter um pequeno nome na literatura nacional do que ser um príncipe da literatura açoriana" - Daniel de Sá




1944-2013

"UM HINO À VIDA

Nem flor efémera, leve
Como um sorriso perdido.
Nem borboleta tão breve
Que num voo só alcança
O tempo de ter sido,
Num bater de asa que dança.
Nem um até amanhã,
Que amanhã é outro dia,
É dia de outros, mamã,
E com a mesma alegria.
Nem mil beijos ou abraços.
Nem mais passos… nem mais passos…
Nem flores de despedida,
Nem vozes contra o destino.
Só isto: mudei de vida
E serei sempre menino."

Daniel de Sá

À MEMÓRIA DE RUY BELO

À MEMÓRIA DE RUY BELO

Provavelmente já te encontrarás à vontade
entre os anjos e, com esse sorriso onde a infância
tomava sempre o comboio para as férias grandes,
já terás feito amigos, sem saudades dos dias
onde passaste quase anónimo e leve
como o vento da praia e a rapariga de Cambridge,
que não deu por ti, ou se deu era de Vila do Conde.

A morte como a sede sempre te foi próxima,
sempre a vi a teu lado, em cada encontro nosso
ela aí estava, um pouco distraída, é certo,
mas estava, como estava o mar e a alegria
ou a chuva nos versos da tua juventude.

Só não esperava tão cedo vê-la assim, na quarta
página de um jornal trazido pelo vento,
nesse agosto de Caldelas, no calor do meio-dia,
jornal onde em primeira página também vinha
a promoção de um militar a general,
ou talvez dois, ou três, ou quatro, já não sei:
isto de militares custa a distingui-los,
feitos em forma como os galos de Barcelos,
igualmente bravos, igualmente inúteis,
passeando de cu melancólico pelas ruas
a saudade e a sífilis do império,
e tão inimigos todos daquela festa
que em ti, em mim, e nas dunas principia.

Consola-me ao menos a ideia de te haverem
deixado em paz na morte; ninguém na assembleia
da república fingiu que te lera os versos,
ninguém, cheio de piedade por si próprio,
propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,
te quis fazer visconde, cavaleiro, comendador,
qualquer coisa assim para estrumar os campos.
Eles não deram por ti, e a culpa é tua,
foste sempre discreto (até mesmo na morte),
não mandaste à merda o país, nem nenhum ministro,
não chateaste ninguém, nem sequer a tua lavadeira,
e foste a enterrar numa aldeia que não sei
onde fica, mas seja onde for será a tua.

Agrada-me que tudo assim fosse, e agora
que começaste a fazer corpo com a terra
a única evidência é crescer para o sol.

© EUGéNIO DE ANDRADE 
Homenagens e outros Epitáfios, 1974 

terça-feira, maio 21, 2013

A dar uma de "Jacinta"



Se Cavaco Silva fosse o devoto que quis parecer ser na passada semana, evocando primeiro Nossa Senhora de Fátima, a propósito do fim da sétima avaliação da troika, e depois São Jorge, referindo-se à vitória do bem sobre o mal, teria aproveitado ontem, 2ª feira do Espírito Santo, para evocar o “Criator Spiritus”.

Mas isso é claro, só podia acontecer se Cavaco não ignorasse que ontem foi “Dia dos Açores” (como bem lembrou Carlos César), 2ª feira do Espírito Santo, e, por causa disso não convocasse o Conselho de Estado para exatamente a mesma data.

Cavaco Silva passou por cima da data, sem sequer ter dirigido umas palavras, circunstanciais que fossem, aos Açores e aos Açorianos. É uma pena lastimável. Mas é o que temos. 

O Presidente da República já nos provou que só sabe de nós quando lhe interessa. Para vir cá falar do sorriso das vacas; para interromper as férias e avisar um país inteiro dos perigos que podia encerrar o nosso Estatuto Político Administrativo…  

Depois recolhe-se à sua religiosidade oportunista, que faz enraivecer o mais sereno cidadão…e corar de vergonha, qualquer um de nós, pelo patético da cena e pelo que ela demonstra (mesmo) de um certo aproveitamento da fé dos portugueses.

De resto, como se provou ontem: silêncio absoluto, que nem foi quebrado pela ausência anunciada e explicada do Presidente do Governo dos Açores na reunião do Conselho de Estado.

Para as sopas do Divino e para os croquetes do resto dos dias, tem cá o Representante da República. Dá (por enquanto) bastante.

Podia ter falado da partilha que o Espírito Santo simboliza, podia até ter ido às raízes monárquicas da cultura portuguesa e falar da Rainha Santa Isabel ou de Afonso Henriques, podia ter usado os conselhos da sua Maria e podia, entre uns e outros reis ou santos, dirigir umas palavras, por mais curtas que fossem, a este povo português das ilhas, que, entre outras coisas, já deu à República a que preside, dois Presidentes: Manuel de Arriaga e Teófilo Braga.

Mas não. Preferiu manter-se reservado aos sagrados do país de norte a sul; recolhido à fé da rendição de Paulo Portas; agarrado à coligação, rezando a todos os santos para que o fio que a sustenta não se rompa. 

Vítor Gaspar que não soma nem segue em Portugal é admirado pelos alemães; o desemprego aumenta, as falências multiplicam-se; a fome desarma famílias inteiras, não temos nenhuma credibilidade para sermos um país a sério.

Nossa Senhora de Fátima substituiu de uma assentada só os esforçados portugueses, cuja penúria, passou de repente a uma espécie de recompensa divina. Foi isso que Cavaco Silva quis dizer, mesmo que depois tenha disfarçado. Temos um Presidente da República que anda pelo país a dar uma de “Jacinta”.

Esperemos pois todos com a paciência possível pela próxima aparição de Cavaco. 

Virá, entre nuvens, fumos e anjos, avisar um mundo novo, quiçá em aramaico.

É tudo uma enorme palhaçada. 

Serenamente, AO hoje

terça-feira, maio 07, 2013

O convidado



Já não nos falta (quase) nada para batermos no fundo. Já aqui escrevi linhas e linhas, a brincar e mais a sério, sobre o estado do país…

Falta-nos alguém com sentido de liderança, alguém que tranque os pés no chão e combata deveras, como se diz em São Miguel. Mesmo deveras.
A última semana trouxe nova novela trágica e cómica. De rir e de chorar. Primeiro Passos Coelho nervoso e inquieto, depois Paulo Portas ufano e medíocre. Ambos à vez a “pregar aos peixes” num discurso surdo, sádico e humilhantemente vergonhoso, cuja única verdade são as políticas que são para aplicar doa a quem doer.

Já chega! Já basta! Já não se vê mais do que braços caídos, olhos cruzados de cansaço. É todos os dias, hora atrás de hora, se não é Passos Coelho, é Vítor Gaspar, se não é Vítor Gaspar, é Paulo Portas; se não é nenhum dos três, é Cavaco Silva, se não é Cavaco Silva é a oposição. Basta!

Um grupo de reformados entrou nas galerias da Assembleia da República e cantou “Grândola Vila Morena”. A Presidente da Assembleia da República considerou que a atitude não ajudava a democracia. Pergunto: teria ajudado a democracia se um, de entre os deputados, tivesse batido palmas aos reformados? Respondo: teria. Eu preferia tê-los visto tomar partido; eu preferia ter ouvido uma voz que quebrasse o gelo daquele momento, dizendo ao grupo de reformados, em manifestação pacífica: “Estou aqui!” Mas não. Silêncio absoluto e mais uma vez humilhantemente vergonhoso.

“Eu não fui eleito coisíssima nenhuma”, disse Vítor Gaspar à deputada Ana Drago. Vítor Gaspar tem esse dom, na relação que tenho com ele, quando penso que já ouvi tudo, ele faz logo questão de me lembrar que pode descer mais um grau na minha consideração, que se não houver grau, ele descobre um e vai mais baixo.

Gaspar provou-me que se orgulha de não ter sido eleito pelo povo português, que se orgulha de ser o mentor de um governo que não tem vergonha de por em prática as políticas que ele inventa. Merecia ser insultado. 

Enquanto Paulo Portas falava aos portugueses, no Domingo, com a frontalidade(zinha) que lhe é reconhecida, diante dos focos e das filmagens, longe do povo, um grupo de populares entrou numa moradia em Leiria e agrediu dois dos habitantes. As razões, não se sabe quais foram, mas sabe-se que os agredidos foram transportados para o hospital mais próximo…e os agressores presos.

Terão (talvez) enlouquecido, o que a continuar a andar o país da forma que anda, sem que ninguém de fibra lhe deite a mão, é perfeitamente possível e até mesmo natural que comece a acontecer por aí. Enlouquecer num lado qualquer, quando menos se espera e gritar: “ Eu não votei em ti coisíssima nenhuma!”

Com uma única, mas crucial diferença: não nos servir de nada…a não ser mudar qualquer coisa em nós.  Ao passo que a Gaspar servirmos para tudo, incluindo para agradecer o convite que Pedro Passos Coelho lhe fez há dois anos, exercendo o seu cargo sem qualquer afecto... (Que fosse afecto. Simplesmente afecto e já era tão bom).


Serenamente, jornal Açoriano Oriental, 7 de Maio de 2013

terça-feira, abril 30, 2013

Brindes



Três homens foram expulsos da Arábia Saudita por serem considerados demasiado bonitos pela polícia religiosa de Riade. A polícia explicou que os membros da comissão para a promoção da virtude e prevenção dos vícios temiam que as mulheres se apaixonassem por eles e por isso tomaram medidas para deportar os homens. A notícia correu páginas e páginas de jornais, parecendo insólita é, no entanto, real.
Um outro homem de 49 anos, ao que consta desempregado, deixou em pânico o governo italiano. Agarrou numa espingarda, saiu de casa, feriu dois polícias e uma senhora. Queria, disseram as televisões no Domingo, matar políticos.
Por cá não há dessas novidades, nem homens expulsos por serem bonitos, nem homens que queiram – realmente – matar políticos. Tudo é simbólico neste nosso país. Só as políticas do governo não o são.
A bandeira portuguesa foi hasteada a meia haste, a preto e branco, num edifício no Porto, entre os dias 25 e 26 de Abril; um vaso de cravos revirou enquanto Cavaco Silva falava na cerimónia do 25 de Abril; João Vieira Pinto e Jorge Gabriel são candidatos do PSD a freguesias do Porto; Marques Mendes considerou na SIC que Paulo Portas deu um murro na mesa no Conselho de Ministros desta semana, acrescentando ainda que Vítor Gaspar quer cortar nas áreas sociais, mas que Portas está “noutra rota” (seja lá o que isso queira significar) e, por fim, Cavaco Silva, que falava na sessão de abertura do 34º Congresso Nacional de Cardiologia, apelou aos partidos políticos para estudarem cuidadosamente a fase “pós troika”, depois de ter estado a desenhar corações (quase que pensei que ia escrever um “Cavaco + Maria”) num papel à entrada….
Concluo que é uma pena Vítor Gaspar não ser bonito, ao ponto de ter que ser expulso do país, para não fazer com que as mulheres se apaixonem por ele ou por poder ser um perigo para a virilidade dos restantes, ou coisa que o valha...
Não concluo nada sobre a história do italiano de 49 anos. Deixo ao critério dos leitores, mas relembro que a última vez que um português atirou qualquer coisa a um político foi um ovo. E que esse político, que é uma senhora está agora grávida de uma menina.
Enquanto isto tudo foi acontecendo, Portugal também foi brindado com um insólito. Brindado é a palavra certa e não, não foi o sexagenário de Penacova que se fez passar por Mikael Carreira para as mulheres (oh mulheres do meu país?!) se despirem em frente ao computador. Não foi isso...
O brinde é outro. A Sé de Braga está a comercializar “vinho de missa” a 5, 50 euros a garrafa, preço acessível para todos os párocos, diz a notícia do jornal Público que li. É um vinho com marca própria, que está ao dispor de todos os sacerdotes na recepção ou na Loja do Tesouro – Museu da Sé de Braga. Utilizado para fins litúrgicos, natural da videira e sem químicos.
É negócio, portanto, entre padres. A notícia diz ainda que o teor do álcool não pode ultrapassar os 18%.
Finalmente, e para variar um pouco, uma recomendação de leitura “ Levels of Life”, de Julian Barnes. Vida e Morte lado a lado. Quando se juntam duas coisas que nunca se tinham juntado antes e o mundo muda e, muitas vezes, emudece, escurece ou, pura e simplesmente, desaparece. Boas leituras deste ou de outro livro qualquer.
… E bons brindes. 

Serenamente, jornal Açoriano Oriental, hoje 30 de Abril