terça-feira, setembro 27, 2011

A nossa RTP



Tinha eu a altura do lugar onde estava colocada a televisão da minha casa (baixinho) para que a pudéssemos ligar quando nos apetecesse, quando aprendi, através de um ecrã verde (ou azul) que havia na ilha do Faial uma farmácia que se chamava “Lecoq” (sem ser Sportif) e que ficava na “Rua Serpa Pinto”, na cidade da Horta. Estava de serviço, anunciava diariamente a RTP/Açores, num pequeno separador de utilidade pública.
Essa é uma das recordações que tenho da nossa televisão.
Tenho outras, como o dia em que fui filmada pela primeira vez, no primeiro dia de aulas, pelo repórter de imagem Alberto Pacheco, com quem, entre outras pessoas, Sábado, fiz a marcha na manifestação “Unidos pela RTP/Açores”…
Naquele tempo, com os meus 6 anos, finando-me num medo comum de 1º dia de aulas com colegas que nunca antes tinha visto e um professor que desconhecia por completo, valeu-me a atenção redobrada da minha mãe, acautelando que tudo me corresse pelo melhor…
Nesse dia não foi possível.
Apareci no telejornal, em 1982, de cara metida nos braços, bibe verde com um pássaro bordado, respondendo à pergunta: “Então estás a gostar do 1º dia de aulas?” com um “Deixa-me da mão. Eu quero ir para casa.”
E fui. Fui mesmo.
Em casa havia sempre a companhia da RTP/Açores e víamos com vontade o programa de desenhos animados que era transmitido ao Sábado e apresentado pelo Vasco Granja.
Os primeiros clubes a que aderi foram-me “apresentados” pela nossa televisão: o Clube dos Amigos Disney e o Clube do Jornalinho.
Aprendi a letra da Chamateia e das Ilhas de Bruma pelas vezes todas que tocaram na nossa televisão e acostumei-me (o verbo é mesmo este) às pessoas que a fizeram, desde sempre, até hoje.
Sinto muito os problemas que agora se passam com a nossa televisão.
Chego mesmo a hesitar, a pensar se devo ou não devo escrever este texto assim sentimental, apelando às minhas recordações mais minhas (que me perdoem o abuso do possessivo) para explicar isto.
Podia optar por “martelar” mais uma crónica sobre a obrigação do Estado para com o Serviço Público, falar do silêncio de Cavaco Silva perante a pergunta insistente do jornalista da RTP/Açores, Sábado, nas Portas da Cidade, mas não me apeteceu.
Não que não seja importante. Mas o que interessa?
De Cavaco não se esperava muito mais.
E as saudades que o Presidente da República poderá vir a ter da gente, serão sempre as saudades dele, que “não é”, como disse Berta Cabral, “um cidadão igual aos outros”…
Seja como for, escreveu António Lobo Antunes (e o que me interessa é que fique como mensagem do “Serenamente” desta semana de fim de Setembro): "Tive infância, fui feliz, os crescidos tratavam-me bem. Escreve olhos cheios de infância, anda. Assim como assim talvez te ajude a viver.”
E é isso que quero. Que isto (também) ajude a viver a RTP/Açores.
Por certo haverá, entre os cidadãos desta terra, sem lugar para indiferenças, qualquer coisa que os leve a juntar a sua voz à defesa da nossa RTP, que, por ser nossa, pode e deve ser melhor, sem ser, ainda assim, perfeita.

segunda-feira, setembro 26, 2011

Santos da casa não fazem milagres



Pode-se ter muitas reacções sobre a situação de descalabro financeiro da Madeira, mas não se pode dizer que as notícias recentemente conhecidas sejam uma verdadeira surpresa para quem acompanhe com o mínimo de interesse a vida política nacional.

O caso específico dos buracos financeiros quase diários da Madeira é um exemplo típico do velho ditado popular “santos da casa não fazem milagres”. Basta fazer um simples pesquisa num motor de busca na internet para, rapidamente, termos acesso a várias notícias a darem conta das preocupações do PS/Madeira sobre a situação irresponsável em que Alberto João Jardim estava, alegremente, a mergulhar aquela região autónoma.

Apenas dois exemplos: Em Dezembro de 2010, o PS/Madeira realizou uma conferência de imprensa, onde denunciava o “desperdício incontrolável e um excesso de endividamento”, alertando que, já nessa altura, ascendia a “5.000 milhões de euros, o que ultrapassa o valor do PIB regional”.

Já em Junho deste ano, noutra conferência de imprensa, o deputado do PS/Madeira, Carlos Pereira, voltava a denunciar que o Governo do PSD estava a colocar o arquipélago “no prego”, já que as responsabilidades financeiras da Região ascenderiam a 7.000 milhões de euros no final deste ano.

A situação aflitiva da Madeira foi escalpelizada numas jornadas parlamentares conjuntas do PS dos Açores e da Madeira, em Março deste ano. Já nesta altura foi facilmente constatável que os muitos túneis da região iam desembocar num enorme buraco e numa factura inimaginável para os madeirenses.

O PS/Madeira fez o seu trabalho. Denunciou politicamente, ao longo do tempo, o evoluir de uma catástrofe financeira que, agora, parece que apanhou de surpresa o resto do país. De facto santos da casa não fazem milagres. Mas, em bom rigor, não era preciso nenhum milagre para que as instituições competentes de Portugal agissem em conformidade com o que, durante anos, se passou naquele arquipélago. Nada de significativo foi feito. Esta total inoperância impediu que Alberto João Jardim fosse travado a tempo e horas. O irónico deste caso é que quem vai ser penalizado pelos seus desvarios, serão os madeirenses, que ficarão sujeitos a uma espécie de plano regional de austeridade, a juntar às duras medidas nacionais.

Se algum mérito teve este caso da Madeira foi o de demonstrar, preto no branco, que as duas regiões autónomas são geridas de modo muito diferente. Isso mesmo já foi reconhecido por várias entidades, desde o próprio Ministro das Finanças, até às instituições internacionais e ao Tribunal de Contas.

Aliás, são os próprios dados da execução orçamental de 2011, recentemente divulgados pela Direcção-Geral do Orçamento, que confirmam a forma distinta de actuação entre os dois Governos Regionais.

Neste documento, relativamente à execução orçamental da Administração Regional, verifica-se que, de Janeiro a Julho deste ano, os Açores tiveram um saldo global positivo de 46,4 milhões de euros. Na Madeira, este saldo foi negativo em 18,3 milhões de euros. Ou seja, ao nível da Administração Regional a execução orçamental de 2011 teve um saldo positivo de 28,1 milhões de euros, à custa do esforço dos Açores.

Cada dia que passa e cada novo dado que é conhecido prova que os Açores nesta matéria são muito diferentes da Madeira. É esta contestação que tem de ficar bem vincada nas decisões e opções políticas que o Governo da República vai tomar, nos próximos tempos, em relação ao financiamento das regiões autónomas

"O regresso ao passado"



O princípio do fim. Esta parece ser a estratégia do Governo da República para a RTP/Açores, com a redução anunciada da sua emissão a umas meras quatro horas diárias, concentradas entre as 19 e as 23 horas. É, assim, um regresso à década de 80 do século passado, quando a RTP/Açores limitava-se a emitir à noite, com grandes constrangimentos técnicos.


Este Governo de Pedro Passos Coelho, em poucos meses de funções, quer dar cabo de mais de duas décadas de evolução do nosso canal regional. Para mais quando o ministro Miguel Relvas anunciou esta medida de forma sobranceira, quase em ar de gozo, e sem dar cavaco aos órgãos de governo próprio ou mesmo aos trabalhadores da RTP/Açores.


Não está provado que a diminuição das horas de emissão resulte numa redução de custos substancial do centro regional da RTP/Açores. Imaginemos o Telejornal: Quando vai para o ar, às 20 horas, é o resultado de toda uma máquina invisível ao telespectador que passou o dia a produzir os conteúdos, desde a parte da informação, passando pela área técnica e operacional. Ou seja, não será a concentração de horário de emissão que reduzirá custos significativos, porque o trabalho será o mesmo.


Além disso, a estratégia do Governo da República enforma de um erro grave. Quando devia reestruturar a RTP/Açores e conformar o seu orçamento a uma nova realidade, faz exactamente o contrário. Define os cortes orçamentais e a RTP/Açores tem de se adaptar a esta nova realidade. O ministro Relvas não faz a mínima ideia quanto custa a deslocação de uma equipa de reportagem às Flores. Mais do que isso. Não faz a mínima ideia da importância desta reportagem para o espírito de comunidade insular que a RTP/Açores promove há décadas.


Quase toda a oposição tem sido coerente nesta matéria, verdade seja dita. A excepção é o PSD/Açores. Factos são factos. Primeiro, a sua líder queria que fosse a Lei de Finanças Regionais a pagar a RTP/Açores. Depressa esqueceu esta proposta e nunca mais falou dela.


Mais recentemente, o PSD/Açores apresentou no Parlamento uma Resolução que foi aprovada pelo PS, que defendia – e muito bem – ser “essencial assegurar, inequivocamente, um serviço público de rádio e televisão nos Açores garantido pelo Estado”. Mais. A mesma Resolução alertava, ainda, para os “preconceitos centralistas que teimam em perdurar em alguns gestores e políticos da República”. O PSD sabia bem o que a sua casa gasta.


Todos estes considerandos estão absolutamente certos, assim como está a seguinte frase da Resolução: “nunca o serviço de televisão atraiu a iniciativa privada na Região”.
Poucos meses depois, o PSD/Açores esqueceu o que escreveu pelo seu próprio punho e já acha que a solução passa por uma sociedade anónima, composta por capitais do Estado, da Região e de instituições da sociedade civil.


Em Fevereiro, o PSD/Açores defendia que era um serviço de obrigação, inequívoca, do Estado. Em Setembro, já quer que passe para o Governo Regional e para privados. Em Fevereiro, escreveu que a televisão “nunca atraiu a iniciativa privada” regional. Em Setembro, quer criar uma empresa com participação privada.


O que é que mudou? O Governo da República, agora liderado por Pedro Passos Coelho. O que não mudou? A incoerência do PSD/Açores e a sua total inabilidade na defesa dos interesses regionais.

"Nem a “troika” os pára"



Muitos portugueses olham para as recentes medidas de austeridade aplicadas e anunciadas pelo Governo PSD de Passos Coelho com um sentimento de estupefacção e inevitabilidade.

Na versão do nosso Ministro das Finanças (que falou à televisão, até hoje, quatro vezes e em três, anunciou aumentos impostos), os portugueses não devem ficar surpreendidos, pois parte destas medidas estava presente no memorando da Troika e outras devem-se a um “buraco colossal” nas contas públicas, fruto do BPN e da má gestão na Madeira.

Na versão de Berta Cabral - mais simples e interesseira -, a culpa da crise é do estado em que os socialistas, liderados por José Sócrates, deixaram o país.
Mas a verdade é que os próximos tempos vão ser de uma austeridade sem paralelo, em que a classe média pode vir a ser considerada uma espécie em vias de extinção. Ou seja, uma sociedade mais desigual e menos justa!


Inevitável? É este o caminho que nos poderá levar ao crescimento económico e ao fim da crise? Não e não!


De facto, os compromissos que assinamos com a “troika” são realmente inevitáveis. E são aqueles que podem levar o país a efectuar reformas do seu funcionamento e da sua administração, finalmente ultrapassando a resistência de fortes corporações que dominam alguns sectores da nossa sociedade. Mesmo cumprindo este cenário penoso, mas fundamental, temos de ter a consciência que o nosso futuro depende mais da conjuntura internacional do que de nós próprios.


Mas o mais assustador nas medidas tomadas pelo Governo da República é que estas revestem-se mais de um carácter ideológico do que de reformas estruturais que nos podem fazer desenvolver.


Ninguém percebe que o problema da crise que atravessamos motive o corte no financiamento de transplante de órgãos, na comparticipação de vacinas, como sejam a do colo do útero. Ninguém percebe porque se acaba com a comparticipação da pílula contraceptiva, que passa de 5 para 17 euros, porque a electricidade vai passar a ter IVA à taxa máxima em vez da intermédia ou porque parte da classe média deixa de poder ter grande parte das deduções em IRS.


Ninguém percebe porque é que, para resolver a crise, temos de aumentar o número de alunos por turma, parar a construção de escolas, aumentar o IVA para a reabilitação urbana, acabar com serviços na saúde, liberalizar mercados que resultarão em monopólios e aumentar os impostos até um nível insuportável para quem quer apenas viver.
Ninguém percebe porque o Governo quer privatizar o canal 1 da RTP e acabar com os centros Regionais dos Açores e da Madeira.


Qual a poupança real para o Governo e para o mercado audiovisual em Portugal? Porquê querer reduzir a emissão da RTP nos Açores e na Madeira se estas significam apenas 3% do Orçamento Global da RTP?


A resposta é tão clara como o respeito que o Ministro Miguel Relvas do PSD tem pelos Açores e Madeira: nenhuma vantagem!


Na verdade, o Governo, para privatizar o canal 1 da RTP, tem de assumir a dívida da mesma e limpar o que dá prejuízo, ou seja, a RTP/Açores e RTP/Madeira, tornando o canal assim atractivo para os privados. Tenho pena que o Ministro não tenha percebido que o que está a fazer é arruinar o mercado audiovisual, já tão saturado de concorrência e destruir o que resta de serviço público de televisão no país e nas Regiões Autónomas.


Mas tenho ainda mais pena que Berta Cabral, numa ânsia para proteger o seu partido a nível nacional, aja como se nada se passasse. Para a líder do PSD, nada se passa em relação às declarações do Ministro Relvas sobre os portugueses das regiões autónomas, pois nem sequer as ouviu (os inúmeros adjuntos que dispõe andam a trabalhar mal). Para a mesma líder, nada se passa quando o Estado quer alhear-se do financiamento de um serviço publico de televisão regional, direito que até hoje nunca esteve em causa, pois para o seu partido se os Açorianos querem autonomia e serviços públicos devem ser eles a pagá-lo.