sexta-feira, novembro 03, 2006

Croniqueta XLIV ou quantas bolachas valem um homem?


Aproximando-se o Natal, com as ruas da sua cidade todas cheias de lâmpadas, nosso Fífia, levado por um espírito natalício, comprou um sino para usar pendurado ao pescoço. Agora, quando passa, no seu passo a trote veloz mais parece uma máquina de vender gelados, do que propriamente, um homem sério e santo; o mesmo que, aos Domingos, no seu carrinho vermelho ruivo, passeia mãe, tias e Iveti, pelas ruas da sua cidade. Fá-lo, ainda, à superfície, mas delira com a ideia de transformar o seu carro numa espécie de “Yellow Submarine”…
Anda, atarefado, porque um primo que tem na América, que é doutor nessas coisas das Educações Físicas e sabe mais qualquer coisa de psicologias, lhe disse que havia no mercado umas máquinas de dar chapadas; que na América não havia rico que a não tivesse, pendurada por detrás da porta do quarto de cama; de utilização rápida e satisfatória para prevenir erros, logo pela fresca. O Fífia procura um. Um aparelho desses que, de modo portátil, ele pudesse transportar nas viagens que faz; um aparelho que pequeno, escondido debaixo da aba do casaco, pudesse desembrulhar como um presente para aqueles que, em horas aflitivas, tanto para ele como para os amigos e companheiros que, em sentindo-se, aflitos, à beira de um deslize, quase a cometer um erro, se vissem necessitados de uma boa chapada para aliviar o dia; o peso de estar acordado de olhos em bico, diante da magnitude do sol ou da Terra, conforme os gostos.
Mais que a coroa gigante de rodas, mais que a coroa gigante a tocar o hino do Espírito Santo ou o carro transformado em lenda, mais que tudo isso, o que o Fífia queria mesmo era uma máquina de dar chapadas. Um aparelho levinho, que funcionasse a pilhas; que tivesse quatro velocidades, que fosse do tabefe ao soco, passando pela chapada ou pelo estalo e que, por brinde, desse, como quem não quer a coisa uma “mão de beiças”: isto para aqueles casos complicados de embeiçamentos e outros beicinhos do género. Como gostava. Finalmente, resolver-se-iam os seus problemas de desmedido alongamento verbal. Como não encontrou ainda nenhuma máquina dessas à venda na sua ilha, porque as que havia, nos últimos tempos foram compradas, num ápice, já pensou encomendar ao primo umas vinte e, num Sábado de sol, ir vendê-las para as portas da cidade. Imaginou já a campanha promocional; a música tocada por meia centena de jambés e as bailarinas vestidas de verde, dançando com as mãos esticadas para a frente como cebolas num desfile de vaidades. Nesse, não haveria máquina de chapadas que resultasse, pensa, enquanto sonha com a ideia de distribuir chapadas mecânicas e receber por cada uma 10 cêntimos. Dar chapadas a pilhas, tabefes que fariam avermelhar a cara dos embeiçados, nervosos, chatos e arrogantes…
O Fífia que não tem profissão; nem consta que saiba qualquer ofício quer ser distribuidor oficial de chapadas. Entrar pelas lojas e cafés oferecendo dedos mágicos, vindos de uma máquina de dar estalos e chapadas. Já vê os títulos do jornal: Fífia, o esbofeteador; Fífia o homem chapada; Fífia o salvador. Quem sabe, se não lhe fariam uma moeda; uma exposição; uma estátua? Quem sabe se, de repente, não conseguia o visto para ir visitar a América e o primo sócio? Quem sabe, se não voltava a usar barba?
Ao Fífia, cansa-lhe o ar dos que têm falta de levar umas bofetadas, encolhidos nos seus fatos verde tropa com gravatas esmeralda, disfarçando no seu afogueamento escarlate, uma bolacha querida… (Cansa-se de si próprio).
É que os homens não se medem aos palmos. Os Fífias também não. Mas quantas bolachas valem um homem?

Sem comentários: