quarta-feira, novembro 29, 2006

Conselhos

A mente essencial divaga. Mete S´s nas algibeiras para teres sempre o trunfo de poderes multiplicar vozes e cruzar palavras, pessoas, lugares e momentos. Na memória, enfia chapéus para a chuva. Assentos circunflexos para alinhavares a alma; quando te parecer que é desta que ela se vai desfiar num pranto ou para quando achares que a tristeza vai levar a sua avante. Não há nada melhor para a alma do que um chapéu circunflexo. Não percas de vista a tua sombra. Anda como quem chega de viagem. Soletra a tua chegada. Dita a tua partida. Deves descobrir que unicamente, rigorosamente e plenamente são palavras tão doridas como pescadores, lavradores e armadores. Aprende as palavras dolentes. Não as percas. Há umas que fogem no bico das gaivotas. Outras, que mergulham nas rochas do porto da tua infância, onde, em tempos, o essencial era teres uma bóia para não morreres no mar. Sê da tua terra, da tua mãe e do teu pai. Sê dela e deles como todas as palavras que aprendeste e que te fazem ser disto: um homem feito de Liberdade. Escreve. Não te repitas muito. Não te escondas em vocábulos; não te prendas em analepses; não te percas nas metáforas. Cuidado com as hipérboles. Não compares. Critica. Critica muito. Opina. Por fim, aceita-te como essencial à construção da tua memória. Se os outros pararem, não desistas. Pessoalmente, resvalas, quase que afundas, divagas…mas não morres. Respira. Do fundo.
Então sim, meu querido amigo, estás pronto. Recomeça. Porque “(…) afinal o que importa é não ter medo/de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente: Gerente! Este leite está azedo! / Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir/ de tudo/ No riso admirável de quem sabe e gosta ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.” (Mário Cesariny de Vasconcelos).
Nota de Abertura (Suplemento de Cultura/Novembro- disponível para assinantes na edição de 28.11.2006. Colaboraram nesta edição Carlos Matos,Mário Homem, Augusto Macedo, Célia Machado, Guido Teles e Ana Almeida)

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