As ilhas dos Açore... |
"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
sexta-feira, março 30, 2007
Croniqueta XLVIII ou o Fífia quer ir de branco na procissão
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Daqui por um mês, o Fífia faz anos. Já pediu às tias, que lhe oferecessem uma touca de atar ao pescoço com atilhos "verde choc" para nadar na avenida e não se perder, debaixo do chão, e à mãe um fato de mergulho para as aulas de natação. A sua pele tratada com cremes Nívea e o seu cabelo Oriflame, não podem correr o risco de apanhar algum vírus. De viroses, já bastou a que apanhou no Carnaval - varicela! Pois foi. Ficou todo marcado. Parecia uma vela vermelha, cheio de pequenos vulcões Vesúvio a enfeitarem-lhe a testa, o peito, as pernas, enfim, tudo. Hoje, restam-lhe as marcas desses tempos vividos em agonia, cheio de comichão, ardendo em pó de talco e pomadas que a Iveti ia receitando às tias. Não se lembra de tamanho inferno, porque delirou. Imaginou-se, até, na Batalha das Limas, lutando contra piratas careca. Por isso, diante dessas agonias, ao que consta, terá prometido ir na procissão do Senhor Santo Cristo, todo vestido de branco, qual anjo, mas sem asas. O Fífia tem medo que esteja vento e que possa levantar voo sem querer. Agora, que já está curado, é vê-lo pulando pela cidade, qual mosquito, saltitando entre máquinas devoradoras de calçada, à procura de um tecido branco para as tias lhe fazerem o fato, que há-de ter, no conjunto, um casaco comprido e, claro, uma gravata e um chapéu de cowboy. As botas brancas com duas estrelas nas biqueiras, simbolizando os seus dotes de cantor e poeta, chegarão do Brasil, mandadas pela Ivéti, que entretanto, terá ido participar no Carnaval do Rio de Janeiro. Para o ano, o Fífia já lhe prometeu, que ela há-de desfilar no Carnaval de Ponta Delgada, claro. E ele há-de conseguir cumprir a promessa, porque afinal é rei e aos reis, na cidade, ninguém nega nada. Afinal, se Ponta Delgada, está na rota das grandes cidades europeias, se Ponta Delgada é um concelho feliz, tudo se deve ao facto de ter a viver no concelho um rei, que é, tão somente, o melhor cliente das livrarias do burgo, o mais inteligente comprador do comércio tradicional e, claro, como não podia deixar de ser, o mais puro intelectual. Esta defesa diária, este convencimento é feito pelas tias e pela mãe que, pese embora os gritos sacudidos das vizinhas mais espevitadas, rindo nas costas delas, assumem a defesa incondicional do seu querido Fífia. A elas, como por agradecimento, ele chama-lhes ninfas e diz que quando um dia, que está quase a chegar, lhe erguerem uma estátua, lhe fizerem um busto ou, pura e simplesmente, lhe dedicarem uma festa no coliseu, ele nomeá-las-á logo suas damas de companhia. É o máximo que pode fazer por elas, pensa, enquanto vagueia pelas ruas, no seu passo iluminado qual saco vazio e mais nada.
O Fífia está cada vez mais parecido com um punhado de barro. Depois da ida ao forno, até parece que serve para alguma coisa. O Fífia parece uma abóbora. Uma couve de Bruxelas ou, quem sabe, um apito de plástico ou um brinde de sabão da máquina. De nada lhe serve a pose, os óculos riscados, a pulseira, que agora usa, para evitar as doenças ou, até, a camisa chinesa, que comprou na avenida. O Fífia parece um tambor de festa que, na quebra do dança e do balança, desafina e cai sem compasso. Do ritmo, nem se fala.
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quinta-feira, março 29, 2007
Pensamento do Dia
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O palhaço
Em guerra
Com a própria
Alma,
Saltitou.
Tropeçou.
Caiu
E morreu.
Foi
esmagado
Por uma
cedilha
Que caiu
desamparada
De dentro
De um coração,
Que não ria...
quarta-feira, março 28, 2007
terça-feira, março 27, 2007
Nota de Abertura
Os críticos literários dirão que este não é um bom texto, porque escrito em cima do acontecimento e a quente quando as palavras, por várias razões, escaldam a ponta dos dedos e se embrulham nas curvas dos laços, que dão no papel, como abraços distribuídos com carinho, entre familiares. Não me importo. Assumido está o momento ou a circunstância que me leva a mudar de assunto. Não há ainda uma hora iniciara a nota de abertura para este jornal a falar da minha professora de literatura portuguesa, do seu cabelo encaracolado por baixo das orelhas pequeninas, onde trazia, tranquila e pacificamente, os auscultadores de música, quando decidi revirar o texto todo e começar de novo. Como num jogo de peças deslocadas pelas mãos dos jogadores invisíveis. (Gosto de pensar que são muitos os jogadores).
Hoje é o dia mundial do Teatro. Porque não hei-de eu experimentar? Quem sabe, actuar, rodar isto tudo, por a máscara, pintar a cara e saltitar? Afinal, a vida elabora-se (gosto do verbo elaborar) por ocasiões e acasos com forças várias e variadas, distintas. Isto mesmo mostrou-me, Sábado à noite, mais uma vez, o Zeca Medeiros, em “ A ilha de Arlequim”…
Os críticos literários dirão que este não é um bom texto, porque escrito assim, do “pé para a mão”, por várias e distintas circunstâncias. Eu, que não sou crítica literária, nem tenho pretensão de o vir a ser, digo apenas, que esta é a nota de abertura do Suplemento de Março, pelo qual me responsabilizo, por inteiro; que hoje, dia mundial do Teatro, eu não me importava nada de ser Arlequim e estar, algures, na ilha do Faial, a ouvir tocar, de preferência, o meu pianista.
Boas leituras.
Colaboram nesta edição do Suplemento de Cultura do Açoriano Oriental: António Marinho, Ernesto Rodrigues, Torquato da Luz, Paulo Simões, Rogério Sousa, Alexandre Pascoal e Eduardo Bettencourt Pinto.
Faz de Conta
"- Faz de conta que sou abelha.
- Eu serei a flor mais bela
- Faz de conta que sou cardo.
- Eu serei somente orvalho.
- Faz de conta que sou potro.
- Eu serei sombra em Agosto.
- Faz de conta que sou choupo.
- Eu serei pássaro louco,
pássaro voando e voando
sobre ti vezes sem conta.
- Faz de conta, faz de conta."
Eugénio de Andrade
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Dia mundial do Teatro
segunda-feira, março 26, 2007
Pensamento do Dia
«No jogo há sempre quem lastime a derrota pela ausência da sorte.Postado no D´Arrejeite a 23/06/2006
Na vida há sempre quem se queixe da falta de liberdade pela incapacidade própria de ser livre. Num ou noutro caso só a santa paciência pode ajudar. Eu cá não sou santo e a minha paciência tem limites.»
Guardo esta (preciosa) citação de H.Galante, sempre esperando que ele volte à blogoesfera.
domingo, março 25, 2007
Nota Informativa
Mudamos de ares. Não de mares. Foi por um triz que não nos perdemos. Eu e o blog. Perdemos o contador (que voltou a zero).
Quase perdíamos os links.
Enfim, tratar disto depois da meia noite tem que se lhe diga. Mas, ele há coisas inexplicáveis. Para já, permanecemos azuis e brancos. Qualquer semelhança com o FCP é pura coincidência. Somos assumidamente do Benfica. Resumindo e concluindo: somos uns nabos: eu e o Ardemares, mas estamos felizes. Como diria o outro, é da vida!
sábado, março 24, 2007
Ou assim...
Quero morrer dos meus passos
como docemente morrem os saltos
na pancada do acto.
As ágeis mãozinhas do Espanto,
entrecortado, por duas sombras
de espécie ligeira e fresca como
as manhãs de Primavera,
de onde partíamos os dois são encantamentos.
Não mais morrer a solo sem consigo,
contigo ou comigo.
Não mais violas a morrer na areia;
não mais esta garganta a arder de inferno
Como se no Verão fôssemos unos.
As esferas circundantes do sonho
são como os pássaros enjaulados nas mãozinhas do Espanto;
surpresos e atacados por cordas de nylon,
que o espírito ata às coisas vivas.
Quero morrer dos meus passos,
deixar-me cair entre os teus dedos;
Como a adivinha de um conto infantil,
moralmente digno das esperas e das partidas
em aviões cheios de gente para ilhas que
nunca mais acabam e que são de chocolate;
Quero morrer dos meus passos como
docemente, morreste, quando as janelas
das casas estavam fechadas,
e por dentro havia a luz dos olhos
que, quando dorme, fica da cor do néon.
As vozes são passadeiras,
arquitecturas bicadas; palavras que,
ao vento norte, numa noite, crua e verdadeira,
morrem dos nossos passos;
com os pés calcados do barro,
que nas ilhas a fortuna feita sorte,
fez nascer nos nossos lábios.
Sangra-me a carne em pedaços e
leva à ceia das sete damas,
onde o morto, por desmazelo,
não possui ninguém que o possa carpir.
Leva-me nos braços;
carrega-me, como quando,
saltando entre as poças da água
me feri de mimo e beijos
nas pontas dos dedos das mãos.
Quero morrer dos meus passos;
deixar de ouvi-los no seu mistério oco
de barulho feio e grosso;
na chinela cruzada,
que comprei para o Natal.
Deixa-me morrer em descanso!
Deixa-me, que ao tempo do meu tempo
não resta mais minuto, hora ou dia,
em que não pense de como, ou
que como, ou onde, ou
quem sabe talvez nesta vida
a onomatopeia pudesse entrar
seguida da interjeição e
caísse, pimba,
morta, descalça como
a Lianor pela verdura
dos versos provençais.
Ah! Deixa-me morrer morta!
Deixa-me nos cânticos da aurora,
põe-me Mozart;
canta-me tudo de novo;
as primeiras músicas
como o principio das letras
na escola no quadro preto e
diz-me das vogais e da praia,
da avó, da toalha.
Ensina-me a escrever a letra h;
a letra m, ensina-me o meu nome;
põe-mo na cartolina,
dobrada à minha frente,
um nome grande, enorme;
um nome que soletrado parecia meu
e tinha um eco; uma melodia…
uma transformação de qualquer coisa
menos ácida;
menos triste;
menos apagada; menos isto
ou aquilo.
Dá-me Poesia.
Enche-me as veias
desta Metáfora que embala
o sono dos poetas;
dá-me esta palavra em Latim;
os versos todos dentro
uns dos outros, como se as
passagens de cada um,
linha a linha, fossem de fogo,
a arder e a ver-se…
Chega de disfarces;
de rimas que morrem no
começo da página;
de folhas não numeradas
e de ares e de mares
e de pessoas a rir
para o primeiro clique
da armazenagem de catálogo.
Quero morrer dos meus passos.
Deixá-los como herança a quem os quiser
comprar; não para usar,
mas para fechar nas curvas
imaginárias de um poema que
nunca tive coragem de reescrever…
...
quinta-feira, março 22, 2007
Arco-Íris
Célia Machado
Ele há dias em que dava (quase) tudo para desaparecer num arco-íris destes, partindo, principalmente, deste lugar. Os amigos sabem estas coisas e, por isso, oferecem-nos estas imagens. :)
O Livro da Marta ou “O poeta é como um planeta sobre a luz” (*)
Escolho o livro da Marta para tema da minha primeira crónica no jornal Correio do Norte. O livro foi oferta de uma amiga. É azul. Tem letras brancas na capa. Parece o céu limpo do norte de São Miguel, quando é Verão e é de tarde e as árvores parecem querer soltar-se do chão para se opor à lei que manda que estejam quietas, cumprindo o ofício de ser sombra e mais nada. O livro é de poesia e não tem fim: é como a Marta, penso. Nesta noite, trouxe-o para cima para o lugar onde, normalmente escrevo, depois de ter viajado comigo na mala, entre as ilhas do grupo central. De vez em quando, tirei-o, abri-o, li-o, tornei a fechá-lo e pensei na Marta. (Eu, que nunca falei com a Marta. Hoje, tenho-a aqui a falar comigo). Por isso, escrevo devagar para não me distrair do que me conta e, sobretudo, não lhe traçar um perfil fixo. Demasiado analítico. (Também acredito que “o poeta é como uma planeta sobre a luz”). Enquanto, o folheio e leio, lembro-me de um verso de Gonçalo M. Tavares: “Há tantas coisas que falam ao mesmo tempo”. É assim que sinto o livro da Marta. Voando entre as ilhas, conheci a avó da Marta e lembrei-me das minhas duas avós. Nos seus vestidos pretos e os seus olhares destemidos, como borboletas em passo de gigante, enchendo-me a vida de ar, combatendo os malditos (Maria e Ana. Eu: elemento). O livro da Marta tem isso e “o som ilumina o silêncio” porque em mim (também) “havia uma casa feita de respirações (…)” O livro da Marta também é isto e de dentro parece que saltam papéis de cores muito variadas e por dentro dele volto a correr com os meus onze anos, em direcção a um barco de gente carregada de afectos e armada até aos ossos com mãos (de avó). O livro da Marta tem muitas coisas verdadeiras. Talvez, por isso, Daniel de Sá, na introdução do livro tenha escrito que os poemas da Marta são “para rezar”. Eu não desminto. Encontrei-me comigo mesma em quase todos. Encontrei-me com a minha gente neles todos; às vezes, nas entrelinhas, cheguei a ter a sensação de ver sentado, um avô ao leme, outro velejando nas palavras que escrevia e que me deixou para não morrer nunca mais em mim. As palavras também servem para isso: para não morrer. O livro da Marta não tem fim. É como a Marta. Tenho a certeza, agora. E, por tê-la, quero dedicar a minha primeira crónica no Correio do Norte à Marta. “ Não sou eu que sou diferente/ vocês é que são muito/uns iguais aos outros.” (Assim foi). Assim é e assim seja. Amen.
(*) Todos os versos citados nesta crónica foram retirados do livro Num Campo de Nada de Marta Furtado.
Fajã de Baixo, 11 de Março de 2007
Publicada no Correio do Norte, a 20/03/2007
(*) Todos os versos citados nesta crónica foram retirados do livro Num Campo de Nada de Marta Furtado.
Fajã de Baixo, 11 de Março de 2007
Publicada no Correio do Norte, a 20/03/2007
quarta-feira, março 21, 2007
Poesia
«Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem
Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas
Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas
Homens que são como danos irreparáveis
Homens que São sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar
Homens que trabalham sob a lâmpada
Da morte
Que escavam nessa luz para ver quem ilumina
A fonte dos seus dias
Homens muito dobrados pelo pensamento
Que vêm devagar como quem corre
As persianas
Para ver no escuro a primeira nascente
Homens que escavam dia após dia o pensamento
Que trabalham na sombra da copa cerebral
Que podam a pedra da loucura quando esmagam as pupilas
Homens todos brancos que abrem a cabeça
À procura dessa pedra definida
Homens de cabeça aberta exposta ao pensamento
Livre. Que vêm devagar abrir
Um lugar onde amanheça.
Homens que se sentam para ver uma manhã
Que escavam um lugar
Para a saída.»
terça-feira, março 20, 2007
Coração de Pedra
Hoje vinha escrever um post com "pés e cabeça", mas não consigo. De modo que, por amanhã ser Dia Mundial da Poesia e ser também o aniversário da TUCA - 13 anos - deixo, apenas, a fotografia que a Célia Machado, mais uma vez, gentilmente me cedeu e um poema para celebrar amanhã e não (ter que) dizer mais nada...
»A minha rua é longa e silenciosa como um caminho que foge
E tem casas baixas que ficam me espiando de noite
Quando a minha angústia passa olhando o alto.
A minha rua tem avenidas escuras e feias
De onde saem papéis velhos correndo com medo do vento
E gemidos de pessoas que estão eternamente à morte.
A minha rua tem gatos que não fogem e cães que não ladram
Tem árvores grandes que tremem na noite silente
Fugindo as grandes sombras dos pés aterrados.
A minha rua é soturna…
Na capela da igreja há sempre uma voz que murmura louvemos
Sozinha e prostrada diante da imagem
Sem medo das costas que a vaga penumbra apunhala.
A minha rua tem um lampião apagado
Na frente da casa onde a filha matou o pai
Porque não queria ser dele.
No escuro da casa só brilha uma chapa gritando quarenta.
A minha rua é a expiação de grandes pecados
De homens ferozes perdendo meninas pequenas
De meninas pequenas levando ventres inchados
De ventres inchados que vão perder meninas pequenas.
É a rua da gata louca que mia buscando os filhinhos nas portas das casas.
É a impossibilidade de fuga diante da vida
É o pecado e a desolação do pecado
É a aceitação da tragédia e a indiferença ao degredo
Como negação do aniquilamento.
É uma rua como tantas outras
Com o mesmo ar feliz de dia e o mesmo desencontro de noite.
É a rua por onde eu passo a minha angústia
Ouvindo os ruídos subterrâneos como ecos de prazeres inacabados.
É a longa rua que me leva ao horror do meu quarto
Pelo desejo de fugir à sua murmuração tenebrosa
Que me leva à solidão gelada do meu quarto...
Rua da amargura…»
Vinicius de Moraes, "Rua da Amargura" Rio de Janeiro, 1933, in O caminho para a distância, Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
segunda-feira, março 19, 2007
A reler
Depois de deixar um comentário aqui reli mais umas linhas deste livro de António Lobo Antunes. Fenomenal a escrita do Lobo.
"(...)- Quem é?
as pessoas olhavam para nós
na igreja através das corolas dos gerânios
(-Que interesse pode um garoto achar numa mulher desta idade?)
e o meu tio, didáctico, mostrando-me a fotografia de um senhor de brilhantina e lábios pintados, com um sorriso de anjo deposto
- o grande Carlos Gardel, ignorante
e apenas o álvaro, do outro lado da urna, enfiado numa gabardina idiota, apesar do calor, não reparava em mim nem se indignava, distraído, hesitante apatetado
(-Cuidei que gostava de ti, mas não gosto, sentia-me sozinho, é tudo)
a tirar fósforos e cigarros da algibeira, a aperceber-se que não podia fumar, a guardá-los de novo, a levantar-se do sofá e a debruçar-se para o gira-discos a fim de aumentar a intensidade da música
-Dá ideia que vamos morrer a cada nota, não é?(...)"
p. 161
A ouvir
«Agarro-te na luz
Apanho-te no escuro
Seguro-te no céu
No teu mais fundo eu
Cintilas meu amor
Afago-te na chama
Toco-te na alma
Amarro-te nos olhos
No teu mais fundo eu
Cintilas meu amor
Voo mais alto
Voo mais perto
Na tua vertigem
No teu mais fundo eu
Cintilas meu amor
Não te escondas meu amor
É que a noite mata-me só
E não tarda a ser dia
No teu mais fundo eu
Cintilas meu amor»
O Fundo do Céu
João Gil
Poema para os meus navios
Foto: AM
Não sei descrever o caminho das palavras,
volteadas nos mistérios do mundo.
Não sei descobrir as sinas,
antever os princípios, por isso
não vejo a intenção das asas nos mastros do mar,
por cima das ilhas.
(Aposto que os navios morreram no mar,
aposto que os navios lutaram diante
da raiva das ostras num abrir e fechar de conchas,
intercalado, por zumbidos tenebrosos
de batimentos de cascas;
deixaram-se levar no ondear das
águas como quem foge aos bocados,)
E eu não dei por nada.
Não dei por eles.
Por isso,
Já não sei dobrar os versos das palavras,
escrever-lhes na contracapa os nomes,
silogismos e acentos.
Esqueci-me do golpear dos versos, das mãos cheias
da gente, dos rostos nas fotografias.
Têm-me tirado mãos. Têm saído da minha vida,
Aos bocados, as mãos, os abraços, os colos e
as palmas.
Aposto as estrelas nas margens das folhas,
os papeis dispersos na linha da frente,
entrelaçados nas luzes,
nas sombras da malabarista, palhaça, caída em rede
falsa em cima do rombo no casco, dito coração,
das pessoas, do meu.
Dou a volta à metafísica numa finta descarada,
vou por cima, vou por baixo, dobro as mãos,
subo as escadas, à procura de (me) ver
nos meus navios; ganhar às ostras, terrivelmente
mecânicas, abrindo e fechando as conchas
num batimento infernal de cascas.
Mas
Perco as sombras, dobro os passos, apresso e escrevo:
Esta manhã, aqui, o mar
E os ecos dele rasgando a calçada da avenida,
Esta manhã, aqui, o mar
E a gente de há anos correndo nos mastros,
dos meus navios.
A minha vida toda
Já não é inteira.
Eles também não.
(Revista Magma)
domingo, março 18, 2007
A ouvir
«Na fria planície me quedo em silêncio;
Um sol mortiço vai descendo a ocidente.
Pálida, a lua assoma ao firmamento.
Em fumos se expande a terra orvalhada.
Nos campos hirtos, sob o Verão quente
E fugaz, esconde-se o gelo eterno:
É o Inverno numa farsa de Verão.
Ainda se ouvem os chocalhos tilintar,
Ainda se avista o trilho irregular,
A carroça, essa, deixou de se ver.
Sim, tudo passa, desaparece...
E, embora inspire ternura,
O pouco que ficou
Não chega para viver.»
Cristina Branco
sábado, março 17, 2007
sexta-feira, março 16, 2007
quinta-feira, março 15, 2007
Investir na Cultura é Educar
"Uma mesa cheia de feijões. O gesto de os juntar num montão único. E o gesto de os separar, um por um, do dito montão. O primeiro gesto é bem mais simples e pede menos tempo que o segundo. Se em vez da mesa fosse um território, em lugar de feijões estariam pessoas. Juntar todas as pessoas num montão único é trabalho menos complicado do que o de personalizar cada uma delas. (…)"
Almada Negreiros, in Ensaios.
A Cultura encontra-se hoje no centro dos debates contemporâneos sobre Identidade e Coesão Social, sobre o desenvolvimento de uma economia fundamentada no Saber e, sobretudo, por um apelo ao Respeito pela Diversidade, à Tolerância e ao Diálogo. A construção de um multiculturalismo crítico na comunidade açoriana não é uma tarefa fácil e imediata, mas é para lá que caminhamos. Essa é, aliás, uma das tendências do mundo contemporâneo. Nos Açores, é crescente o acesso aos bens culturais. Obras como a remodelação e reabertura do Teatro Micaelense ou a restauração e implementação de um Núcleo de Arte Sacra na Igreja do Colégio são dignas de registo. A recente abertura da Casa Armando Cortes Rodrigues, como "Morada da Escrita", homenageando justa e merecidamente os escritores açorianos é também um acto louvável e por isso deve ser dito que o é, sem pretensões de mais nada. Essa tendência de preservação do património cultural açoriano contribui, em larga medida, para a construção de uma escola, no seu sentido lato, mais plural; capaz de formar cidadãos conscientes do seu papel como sujeitos históricos e como agentes de transformação social. Isto, quer queiramos quer não, representa também uma visão de futuro, porquanto a criação de novas competências e o eventual aparecimento de profissões relacionadas com a Cultura, pode oferecer, a breve trecho, uma série de possibilidades suplementares de novos empregos. A difusão dos produtos e indústrias culturais, que estão intimamente relacionados com novos estilos de vida constituem-se como um potencial de emprego cada vez mais importante, nos sectores ligados à multimédia e à sociedade de informação, por exemplo. Nos Açores, é facto inegável, existir hoje uma nova vivência cultural. Esse "movimento de vozes e tarefas" faz-se, através do apoio do Governo Regional, mas também por via das várias competências desenvolvidas pelos nossos agentes culturais, espalhados pelas nove ilhas dos Açores. Lembro, a título de exemplo, as filarmónicas, os Grupos Folclóricos, e de Teatro, ou ainda, os investimentos privados como a Carmina Galeria, na ilha Terceira, o Centro Cultural da Caloura e o Espaço Arte + Arte, em São Miguel, o Núcleo Museológico Marítimo de homenagem à Construção Naval e a Olaria na ilha do Pico, o Museu do Café Peter na ilha do Faial entre tantas iniciativas feitas por mãos de muitas pessoas por estas ilhas fora e trazidas à cena a bem da Cultura que é cada vez mais nossa. Assim entendida como um conjunto de traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afectivos que nos caracterizam como comunidade, que somos. As actividades culturais devem ser encaradas como elementos estratégicos para o desenvolvimento das regiões; devem ser consideradas como um reforço da imagem e a capacidade de atracção a uma região, desempenhando um papel importante na renovação de zonas urbanas ou rurais. A Cultura não deve ser encarada como uma actividade pública criadora de despesas suplementares. Mas sim, como uma actividade com forte potencial de crescimento e elementos de criatividade, inovação e produção, cujos fins e consequências devem ser considerados como primordiais. Preservar e desenvolver os nossos instrumentos culturais, investir na formação dos nossos jovens criadores e/ou receptores não é, nada mais, nada menos, senão entender o que dizem estas palavras de Agostinho da Silva: "a visão do autómato é a pior de todas para os amigos do espírito".
Artigo publicado no jornal Diário dos Açores (13.03.2007)
terça-feira, março 13, 2007
Tu estás aqui
«Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem
o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou
outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso
diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-Ias para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome
que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das
outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como
a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui»
Ruy Belo
segunda-feira, março 12, 2007
Yes!
Num quarto de hospital, com vista para a auto-estrada, pai e filho vivem momentos de embaraço. O pai teve um acidente vascular cerebral. Nas visitas, o filho não sabe o que dizer àquele que, outrora, foi o seu herói. Em cena de 14 de Março a 1 de Abril no Teatro Municipal de Almada. Um dia, o filho lembra-se de levar um livro. Esqueceu-se, apenas, que foram precisamente os livros a distanciá-los.
A peça marca a estreia do autor Rodrigo Francisco na escrita para teatro.
Quarta a sábado às 21h00
Domingo às 16h00
sábado, março 10, 2007
II Encontro de Bloggers
Bom fim-de-semana para os bloggers!!! Faço votos para que corra tudo bem pelas Furnas. Eu vou para Santa Maria, com pena por não ficar! Fica para o ano.
sexta-feira, março 09, 2007
segunda-feira, março 05, 2007
Coisas
Um post resumido sobre o meu fim-de-semana diria que estou fumando cada vez mais; o que não é nada bom para a minha saúde. Bem sei. Depois podia falar do livro que me ofereceram pelos anos e que já comecei a ler: "Maquiavel em Democracia" de Edouard Balladur, mas que ainda não li o suficiente para falar disso (a valer). Fá-lo-ei brevemente. De resto, vi e ouvi mais meia dúzia de coisas: A conferência de José Medeiros Ferreira, na Câmara Municipal de Ponta Delgada, sexta-feira, que foi brilhante; o Colóquio sobre "Dação e Transplantação de órgãos", a que assisti, também na sexta-feira, na Universidade dos Açores.
Sábado e Domingo: 2º teste de qualificação para o Campeonato. Verdadeiro quebra-cabeças: O que quer dizer timiatecnia? Qual o feminino da palavra tecelão? ou a frase "O Luís trabalhava horas de mais" está correcta ou incorrecta?.
Já respondi. Espero pela nota, como na escola...
Roupa nova para o Álvaro. E mais coisas (mas sem importância)...
A fotografia que ilustra este post é de Célia Machado. Roubo-lhe algumas do seu hi5, de quando em vez. Sempre gostei de arco-íris e sempre sonhei que, ao fundo de qualquer um, havia um pote de oiro. Nunca encontrei Galaaz.
Etiquetas:
Fotografia Pico
domingo, março 04, 2007
Citação
Ruy Belo - Muriel.... |
"(...)Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido"
sábado, março 03, 2007
qualquer coisa
escrever qualquer coisa.
qualquer coisa. e depois deixar cair os braços
e, durante uns dias, fazer de conta que
se escreveu qualquer coisa.
qualquer coisa.
assim como está não chega.
está qualquer coisa.
não há nada. de haver com [h].
Um [h] é uma letra com pernas.
andará? fugirá?
servirá para qualquer coisa?
qualquer coisa não escreve qualquer coisa.
qualquer coisa escreve-se assim:
qualquer coisa.
como se a qualquer coisa fôssemos
capazes de reagir...
qualquer coisa. e depois deixar cair os braços
e, durante uns dias, fazer de conta que
se escreveu qualquer coisa.
qualquer coisa.
assim como está não chega.
está qualquer coisa.
não há nada. de haver com [h].
Um [h] é uma letra com pernas.
andará? fugirá?
servirá para qualquer coisa?
qualquer coisa não escreve qualquer coisa.
qualquer coisa escreve-se assim:
qualquer coisa.
como se a qualquer coisa fôssemos
capazes de reagir...
quinta-feira, março 01, 2007
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