segunda-feira, março 19, 2007

A reler



Depois de deixar um comentário aqui reli mais umas linhas deste livro de António Lobo Antunes. Fenomenal a escrita do Lobo.
"(...)- Quem é?
as pessoas olhavam para nós
na igreja através das corolas dos gerânios
(-Que interesse pode um garoto achar numa mulher desta idade?)
e o meu tio, didáctico, mostrando-me a fotografia de um senhor de brilhantina e lábios pintados, com um sorriso de anjo deposto
- o grande Carlos Gardel, ignorante
e apenas o álvaro, do outro lado da urna, enfiado numa gabardina idiota, apesar do calor, não reparava em mim nem se indignava, distraído, hesitante apatetado
(-Cuidei que gostava de ti, mas não gosto, sentia-me sozinho, é tudo)
a tirar fósforos e cigarros da algibeira, a aperceber-se que não podia fumar, a guardá-los de novo, a levantar-se do sofá e a debruçar-se para o gira-discos a fim de aumentar a intensidade da música
-Dá ideia que vamos morrer a cada nota, não é?(...)"

p. 161

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