segunda-feira, março 19, 2007

Poema para os meus navios



Foto: AM

Não sei descrever o caminho das palavras,
volteadas nos mistérios do mundo.
Não sei descobrir as sinas,
antever os princípios, por isso
não vejo a intenção das asas nos mastros do mar,
por cima das ilhas.
(Aposto que os navios morreram no mar,
aposto que os navios lutaram diante
da raiva das ostras num abrir e fechar de conchas,
intercalado, por zumbidos tenebrosos
de batimentos de cascas;
deixaram-se levar no ondear das
águas como quem foge aos bocados,)
E eu não dei por nada.
Não dei por eles.
Por isso,
Já não sei dobrar os versos das palavras,
escrever-lhes na contracapa os nomes,
silogismos e acentos.
Esqueci-me do golpear dos versos, das mãos cheias
da gente, dos rostos nas fotografias.
Têm-me tirado mãos. Têm saído da minha vida,
Aos bocados, as mãos, os abraços, os colos e
as palmas.
Aposto as estrelas nas margens das folhas,
os papeis dispersos na linha da frente,
entrelaçados nas luzes,
nas sombras da malabarista, palhaça, caída em rede
falsa em cima do rombo no casco, dito coração,
das pessoas, do meu.
Dou a volta à metafísica numa finta descarada,
vou por cima, vou por baixo, dobro as mãos,
subo as escadas, à procura de (me) ver
nos meus navios; ganhar às ostras, terrivelmente
mecânicas, abrindo e fechando as conchas
num batimento infernal de cascas.
Mas
Perco as sombras, dobro os passos, apresso e escrevo:
Esta manhã, aqui, o mar
E os ecos dele rasgando a calçada da avenida,
Esta manhã, aqui, o mar
E a gente de há anos correndo nos mastros,
dos meus navios.
A minha vida toda
Já não é inteira.
Eles também não.

(Revista Magma)

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