sexta-feira, março 30, 2007

Croniqueta XLVIII ou o Fífia quer ir de branco na procissão


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Daqui por um mês, o Fífia faz anos. Já pediu às tias, que lhe oferecessem uma touca de atar ao pescoço com atilhos "verde choc" para nadar na avenida e não se perder, debaixo do chão, e à mãe um fato de mergulho para as aulas de natação. A sua pele tratada com cremes Nívea e o seu cabelo Oriflame, não podem correr o risco de apanhar algum vírus. De viroses, já bastou a que apanhou no Carnaval - varicela! Pois foi. Ficou todo marcado. Parecia uma vela vermelha, cheio de pequenos vulcões Vesúvio a enfeitarem-lhe a testa, o peito, as pernas, enfim, tudo. Hoje, restam-lhe as marcas desses tempos vividos em agonia, cheio de comichão, ardendo em pó de talco e pomadas que a Iveti ia receitando às tias. Não se lembra de tamanho inferno, porque delirou. Imaginou-se, até, na Batalha das Limas, lutando contra piratas careca. Por isso, diante dessas agonias, ao que consta, terá prometido ir na procissão do Senhor Santo Cristo, todo vestido de branco, qual anjo, mas sem asas. O Fífia tem medo que esteja vento e que possa levantar voo sem querer. Agora, que já está curado, é vê-lo pulando pela cidade, qual mosquito, saltitando entre máquinas devoradoras de calçada, à procura de um tecido branco para as tias lhe fazerem o fato, que há-de ter, no conjunto, um casaco comprido e, claro, uma gravata e um chapéu de cowboy. As botas brancas com duas estrelas nas biqueiras, simbolizando os seus dotes de cantor e poeta, chegarão do Brasil, mandadas pela Ivéti, que entretanto, terá ido participar no Carnaval do Rio de Janeiro. Para o ano, o Fífia já lhe prometeu, que ela há-de desfilar no Carnaval de Ponta Delgada, claro. E ele há-de conseguir cumprir a promessa, porque afinal é rei e aos reis, na cidade, ninguém nega nada. Afinal, se Ponta Delgada, está na rota das grandes cidades europeias, se Ponta Delgada é um concelho feliz, tudo se deve ao facto de ter a viver no concelho um rei, que é, tão somente, o melhor cliente das livrarias do burgo, o mais inteligente comprador do comércio tradicional e, claro, como não podia deixar de ser, o mais puro intelectual. Esta defesa diária, este convencimento é feito pelas tias e pela mãe que, pese embora os gritos sacudidos das vizinhas mais espevitadas, rindo nas costas delas, assumem a defesa incondicional do seu querido Fífia. A elas, como por agradecimento, ele chama-lhes ninfas e diz que quando um dia, que está quase a chegar, lhe erguerem uma estátua, lhe fizerem um busto ou, pura e simplesmente, lhe dedicarem uma festa no coliseu, ele nomeá-las-á logo suas damas de companhia. É o máximo que pode fazer por elas, pensa, enquanto vagueia pelas ruas, no seu passo iluminado qual saco vazio e mais nada.
O Fífia está cada vez mais parecido com um punhado de barro. Depois da ida ao forno, até parece que serve para alguma coisa. O Fífia parece uma abóbora. Uma couve de Bruxelas ou, quem sabe, um apito de plástico ou um brinde de sabão da máquina. De nada lhe serve a pose, os óculos riscados, a pulseira, que agora usa, para evitar as doenças ou, até, a camisa chinesa, que comprou na avenida. O Fífia parece um tambor de festa que, na quebra do dança e do balança, desafina e cai sem compasso. Do ritmo, nem se fala.

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