"Uma mesa cheia de feijões. O gesto de os juntar num montão único. E o gesto de os separar, um por um, do dito montão. O primeiro gesto é bem mais simples e pede menos tempo que o segundo. Se em vez da mesa fosse um território, em lugar de feijões estariam pessoas. Juntar todas as pessoas num montão único é trabalho menos complicado do que o de personalizar cada uma delas. (…)"
Almada Negreiros, in Ensaios.
A Cultura encontra-se hoje no centro dos debates contemporâneos sobre Identidade e Coesão Social, sobre o desenvolvimento de uma economia fundamentada no Saber e, sobretudo, por um apelo ao Respeito pela Diversidade, à Tolerância e ao Diálogo. A construção de um multiculturalismo crítico na comunidade açoriana não é uma tarefa fácil e imediata, mas é para lá que caminhamos. Essa é, aliás, uma das tendências do mundo contemporâneo. Nos Açores, é crescente o acesso aos bens culturais. Obras como a remodelação e reabertura do Teatro Micaelense ou a restauração e implementação de um Núcleo de Arte Sacra na Igreja do Colégio são dignas de registo. A recente abertura da Casa Armando Cortes Rodrigues, como "Morada da Escrita", homenageando justa e merecidamente os escritores açorianos é também um acto louvável e por isso deve ser dito que o é, sem pretensões de mais nada. Essa tendência de preservação do património cultural açoriano contribui, em larga medida, para a construção de uma escola, no seu sentido lato, mais plural; capaz de formar cidadãos conscientes do seu papel como sujeitos históricos e como agentes de transformação social. Isto, quer queiramos quer não, representa também uma visão de futuro, porquanto a criação de novas competências e o eventual aparecimento de profissões relacionadas com a Cultura, pode oferecer, a breve trecho, uma série de possibilidades suplementares de novos empregos. A difusão dos produtos e indústrias culturais, que estão intimamente relacionados com novos estilos de vida constituem-se como um potencial de emprego cada vez mais importante, nos sectores ligados à multimédia e à sociedade de informação, por exemplo. Nos Açores, é facto inegável, existir hoje uma nova vivência cultural. Esse "movimento de vozes e tarefas" faz-se, através do apoio do Governo Regional, mas também por via das várias competências desenvolvidas pelos nossos agentes culturais, espalhados pelas nove ilhas dos Açores. Lembro, a título de exemplo, as filarmónicas, os Grupos Folclóricos, e de Teatro, ou ainda, os investimentos privados como a Carmina Galeria, na ilha Terceira, o Centro Cultural da Caloura e o Espaço Arte + Arte, em São Miguel, o Núcleo Museológico Marítimo de homenagem à Construção Naval e a Olaria na ilha do Pico, o Museu do Café Peter na ilha do Faial entre tantas iniciativas feitas por mãos de muitas pessoas por estas ilhas fora e trazidas à cena a bem da Cultura que é cada vez mais nossa. Assim entendida como um conjunto de traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afectivos que nos caracterizam como comunidade, que somos. As actividades culturais devem ser encaradas como elementos estratégicos para o desenvolvimento das regiões; devem ser consideradas como um reforço da imagem e a capacidade de atracção a uma região, desempenhando um papel importante na renovação de zonas urbanas ou rurais. A Cultura não deve ser encarada como uma actividade pública criadora de despesas suplementares. Mas sim, como uma actividade com forte potencial de crescimento e elementos de criatividade, inovação e produção, cujos fins e consequências devem ser considerados como primordiais. Preservar e desenvolver os nossos instrumentos culturais, investir na formação dos nossos jovens criadores e/ou receptores não é, nada mais, nada menos, senão entender o que dizem estas palavras de Agostinho da Silva: "a visão do autómato é a pior de todas para os amigos do espírito".
Artigo publicado no jornal Diário dos Açores (13.03.2007)
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