"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
sexta-feira, agosto 31, 2007
quinta-feira, agosto 30, 2007
Ninguém
Ninguém andava por casa.
E nela ninguém falava;
Ninguém cantava;
Ninguém cozinhava.
Ninguém brincava,
Ninguém corria na casa.
Ninguém estendia roupa.
Ninguém ouvia música.
Ninguém jogava.
Ninguém lia.
Ninguém dormia.
E
Era feliz o ninguém
que era o dono desta casa.
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Fotografia Pico
quarta-feira, agosto 29, 2007
...
"Fechas a mala do carro cheia de bagagem. E, de súbito apercebes-te de que não é novo o gesto. Muitas vezes o viste já repetir. A muitas horas do dia, mas nunca como num fim de tarde. Qualquer que fosse a paisagem, a mesma paisagem: a terra calcinada, o canto das cigarras, o ar espesso do vapor a provocar a rarefacção das coisas vistas e a dar-lhes um ar de miragem. Fecha-se o tampo do caixão sobre a cara conhecida para todo o sempre. Nem se levanta o problema da eternidade. Esta terra é que tu amaste com todas as contrariedades e os problemas quotidianos. Amaste homens que por vezes talvez te tenham dado na cara e eram deliciosamente imperfeitos como tu. E tiveste de te despedir deles. Já não eram daqui. Já tinham problemas de mortos. Já se falava deles no imperfeito e não no presente. Mudou um simples tempo de verbo e tudo mudou. Um último olhar a essa caixa de mau gosto. Gostarias de atirar um torrão, como em criança, para esconjurar os maus sonhos. Mas falta-te a inocência. Decisivamente, tens de fechar com força a mala do carro. E pedes que te ponham os pneus à pressão 22. A pressão dos mortos."
Belo, Ruy, "A Pressão dos Mortos", in Homem de Palavra[s] ,lisboa, editorial presença, 1997, pp.134.
terça-feira, agosto 28, 2007
A máquina de escrever
"Meu amor silabado minha exdrúxula
meu acento tão grave que me abre
minha rosa-dos-ventos minha bússola
minha vírgula tola meu sentido
reticências parágrafo gemido
A
caído
na tecla do ouvido
E
incerto
dois espaços parágrafo deserto
I
sorriso mundano que é preciso
O
círculo fechado
U
murmúrio atento e obrigado
Meu carreto de sonhos meu endereço
retrocesso paragem recomeço
minha caixa postal sem nada dentro
minha resposta paga TEMPO E VENTO
meus dois pontos de angústia CARNE E ÁGUA
minha letra dobrada MAR E MÁGOA
meu ditongo de sono PÃO E CÃO
meu açaimo de frases de palavras
agastadas batidas desgastadas
ditadas digitadas agitadas
pela dança guerreira dos meus dedos.
Minha letra maiúscula de MEDO
tabulador da minha solidão.
Minha aspa dos olhos minha infância
minha última cópia da verdade
til subtil caindo no papel
pelo trema abolido da saudade."
Ary dos Santos, Vinte anos de Poesia, A Liturgia do Sangue, CL, Lisboa, 1984.
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Poesia Portuguesa
sábado, agosto 25, 2007
O Poema Engravatado
«Meu poema engravatado, de manhã, vem trabalhar, porque alguém que o respeita acreditou nele. Lavado e barbeado, desce motorizado num velho e germânico motor, a íngreme avª alcatroada do Camarada Vladimir Ilionov Lénine. Sentado e quase feliz, guia-se a si e à companheira, de encontro aos climatizados escritórios do nosso falecido burguês de esquerda, respeitável Dr. Karl Marx, a espreguiçar-se da chatice que é a cartola do tio Sam a irritar o chá palestiniano do casmurro Yá Sir Arafat. Bom dia ó Buch! parece que ouve o meu snob poema de gravata, já solteiro e com a esposa entregue a uma empresa de auditoria, da velha boca da pimenta paquistanesa que, na baixa de Maputo, troca dólares em Gujarat e açambarca arroz em urdú. Mas charmoso, meu dromedário poema não se comove nos seus um metro e noventa e três de altura, com fato vestido a prestações, a não ser com o que finge saber o matutino mentícias que, na primeira página, não tem a história triste do magro ardina que o vende. E parado o motor do seu ariano preto germânico, o poema desce a sonhar engravatado o trabalho de suar já, os 35 graus ao sol que são as centesimais cabeças dos antipoemas lá dentro e à sombra, de nariz arrebitado e a ver se o poeta fez amor com despacho o deferindo, ou se bebeu desalmadamente o bulício dos orgasmos de que eles andam há muito demitidos. Meu poema engravatado é um herói que amo por tudo isso e até por ter quem, de entre eles e de entre as contas, as sacanices e as coscuvilhices, o anima a sonhar a eternidade de ser poema entre os camaradas militantes da bajulação que desfardam o proletário para descoser o luxo nipónico do seu sentido capitalismo. Eles não sabem que por debaixo dos aparelhos de ar condicionado, meu poema engravatado cura, com a ventoinha, o suor de os saber, hoje, doutorados em economia na nossa única universidade marxista de ontem e, por isso, não se admira que sejam tão resistentes à mudança, tão desvirtuados da realidade, tão militarmente obsessivos em ter o poder nas suas mãos. Enfermeiras de Aushwitz, pálidas seringas da pressa aos gritos pelos corredores a lamber as paredes do edifício, parem. A vida é, também, chegar a casa e tirar a cueca aos maridos, vê-los esbeltos na virilidade masculina que vos faz perder os sentidos. Não amem demasiados os raios dos papéis que tal como vocês amarelecem, nem se confinem às vírgulas dos despachos, nem à cor dos carimbos, nem em que rascunhos os outros gastam os lápis. Ide, irmãs devotas da burocracia, ide tirar a barriga da miséria depois das horas normais de expediente, e tragam risos pela manhã ao invés das vossas enjoadas ambições, tragam fragrâncias mais intensas ao invés da nafta das vossas compridas roupas, tragam a bela tez da reprodutividade ao invés dos arrepios que são as chatices da menopausa e se acontecer passarem por isso, lembrem-se que é também bela a biologia. E vós carrascos endoidados nos catálogos das modernas viaturas, a sonharem com aparelhos de televisão e a lamberem pelas virilhas da imaginação as tanguinhas da bela empregada chateada da vida por lhe não aumentarem o salário e ainda ter que entender a musculação frenética das vossas braguilhas. Cuidem-se pilinhas saltadoras, emprestem o melhor de vós a causas mais profundas que o País bem precisa. E o meu poema engravatado, vê, também, muito bem, os doutores pequeninos de agora a fazerem mais teses sobre a vida dos outros do que sobre o que aprenderam, os que nunca saberão onde fica Pequim, nem Nauru, nem Kiribati, nem Tuvalu e nunca leram a sério sobre os benefícios da masturbação, sobre a terapia do mijo, e que são tantas vezes capazes de tudo por mais uns tostões e incapazes de nada por carácter e por dignidade. E aos que não sabem, quero que saibam que o meu poema de gravata se sente bem na sua cor muito embora vos incomode isso, camaleões engasgados nos arcos íris que têm e que nem dignos são da única cor que vestem, a do sangue. E também os doutores de longe, peritos nas bichas dos empregos lá e espertos nas mordomias de cá, cama e roupa lavada, não à máquina mas com os mais belos braços das nossas autênticas nativas, desses que sabem tudo sobre nós e nada sobre eles, desses a quem a poesia daqui não comove porque não existe. A todos eles, meu poema engravatado, conhece-os bem, e nas sacanices do passado são iguais nas suas sacanices do presente. Essa gente que não lê poemas, nem livros, nem nada e trabalha até tarde mais por incompetência do que por responsabilidade, esses infelizes malabaristas do riso e do cinismo que dizem dos seus anónimos doutoramentos as mais vis e sujas mentiras sobre a magia e a beleza de escrever amor e senti-lo, de dizer azul e pintá-lo, de sonhar a água e bebê-la, de olhar uma mulher e beijá-la, de sonhar um filho e pari-lo, esses engalanados e copiosos pavões da arrogância e da prepotência não sabem é que o meu poema engravatado se senta ao lado deles por que é autêntico na humildade, é forte na lealdade e é imenso na sua grandeza. E só por isso os vê, e só por isso se cala, ante o veneno das suas línguas. Meu poema engravatado, coerente e forte, militante sonhador, socialista convicto, poeta do amor e das águas, tem direito, quando morrer para à vida, à bandeira do seu país sobre a urna, aos mais verdadeiros choros de quem o amou e respeitou, a viver perpetuamente nos livros que escreveu e a fazer vivo para sempre o que ele com fé toda a vida nunca usou: a poesia da sua gravata.»
Eduardo White
quinta-feira, agosto 23, 2007
XIII
"e é preciso correr é preciso ligar é preciso sorrir
é preciso suor
é preciso ser livre é preciso ser fácil é preciso a roda
o fogo de artifício
é preciso o demónio ainda corpolento
é preciso a rosa sob o cavalinho
é preciso o revólver de um só tiro na boca
é preciso o amor de repente de graça
é preciso a relva de bichos ignotos
e o lago é preciso digam que é preciso
é preciso comprar movimentar comércio
é preciso ter feira nas vértebras todas
é preciso o fato é preciso a vida
da mulher cadáver até de manhã
é preciso um risco na boca do pobre
para averiguar de como é que eles entram
é preciso a máquina a quatro mil vóltes
é preciso a ponte rolante no espaço
é preciso o porco é preciso a valsa
o estrídulo o roxo o palavrão de costas
é preciso uma vista para ver sem perfume
e outra menos vista para olhar em silêncio
é preciso o lôgro a infância depressa
o peso de um homem é demais aqui
é preciso a faca é preciso o touro
é preciso o miúdo despenhado no túnel
é preciso forças para a hemoptise
é preciso a mosca um por cento doméstica
é preciso o braço coberto de espuma
a luz o grito o grande olho gelado
E é preciso gente para a debandada
é preciso o raio a cabeça o trovão
a rua a memória a panóplia das árvores
é preciso a chuva para correres ainda
é preciso ainda que caias de borco
na cama no choro no rogo na treva
é precisa a treva para ficar um verme
roendo cidades de trapo sem pernas"
Mário Cesariny, "discurso sobre a reabilitação do real quotidiano", in manual de prestidigitação, assírio e alvim, 1981.
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Mário Cesariny
quarta-feira, agosto 22, 2007
terça-feira, agosto 21, 2007
sexta-feira, agosto 17, 2007
quinta-feira, agosto 16, 2007
quarta-feira, agosto 15, 2007
Ao fim ao Cabo
"Ao fim ao cabo a Lua
Já nos pareceu mais clara,
Porque antes em redor
A noite era negro carregada!
E como se fosse luz
Ao fundo do túnel prometida
Avançamos sem medo
E com vontade!
Se os passos eram longos
Outros mais longos fomos dar
Até que outros mais longos
Fossem possíveis de alcançar
Pois passo atrás de passo
Também os rios vão dar ao mar
Seguros de que não podem regressar.
Vai
Sem desistir de procurar
Ver
Se os trilhos ainda estão marcados
Vai reviver as estradas velhas
E apontar o rumo de outras novas estradas
Desapareceram vidas
E companhias costumeiras
Algumas por trocarem por companhias derradeiras
Mas mesmo assim persistem apresentadas nas fileiras
Guardando o cofre das recordações.
E dia a dia o tempo
Se desintegra e se recria,
E as horas para trás
Chamam-se noite ou gritam dia.
O Galo não se importa
Com o despertar da Cotovia-
Afinal, é livre de dizer Bom Dia!"
Já nos pareceu mais clara,
Porque antes em redor
A noite era negro carregada!
E como se fosse luz
Ao fundo do túnel prometida
Avançamos sem medo
E com vontade!
Se os passos eram longos
Outros mais longos fomos dar
Até que outros mais longos
Fossem possíveis de alcançar
Pois passo atrás de passo
Também os rios vão dar ao mar
Seguros de que não podem regressar.
Vai
Sem desistir de procurar
Ver
Se os trilhos ainda estão marcados
Vai reviver as estradas velhas
E apontar o rumo de outras novas estradas
Desapareceram vidas
E companhias costumeiras
Algumas por trocarem por companhias derradeiras
Mas mesmo assim persistem apresentadas nas fileiras
Guardando o cofre das recordações.
E dia a dia o tempo
Se desintegra e se recria,
E as horas para trás
Chamam-se noite ou gritam dia.
O Galo não se importa
Com o despertar da Cotovia-
Afinal, é livre de dizer Bom Dia!"
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Luís Represas
domingo, agosto 12, 2007
Livro de Horas
"Aqui diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
Me confesso
o dono das minhas horas
O dos facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!"
MIGUEL TORGA
sábado, agosto 11, 2007
Museu Marítimo - Construção Naval
Um pequeno folheto mandado fazer pelos filhos de José Melo, o proprietário deste Museu Marítimo, aqui em Santo Amaro do Pico, convida-nos, em inglês e em português a recuar ao tempo em que os homens de Santo Amaro moldavam madeira para fazer barcos. Os visitantes são convidados a partilhar as memórias e histórias dos homens desta pequena freguesia que contribuiram para a história Marítima Açoriana.
Há algum tempo que estava a pensar visitá-lo. Hoje, finalmente, proporcionou-se a visita que durou algum tempo. Lá dentro, tive oportunidade de ouvir falar de uma História que, não me sendo totalmente desconhecida, serviu, entre outras coisas, para "fincar" em mim mais algumas certezas sobre a importância da construção naval para esta freguesia, esta ilha e para os Açores.
Está assim o sr. José Melo de parabéns pela iniciativa que teve, depois de ter estado emigrado nos Estados Unidos da América. Este é, sem dúvida alguma, um lugar que merece ser visitado e mostrado; porque também cumpre um papel fundamental para a História dos Açores, que se quer de boas e bravas memórias.
sexta-feira, agosto 10, 2007
Boas Notícias
Segundo a Revista Norte Americana Islands na sua edição de Agosto, a ilha do Pico está entre as 20 melhores ilhas para se viver. Na edição de hoje do Jornal do Pico, como não podia nem devia deixar de ser é dado especial destaque à notícia. A lista das 20 ilhas é a seguinte:
Penang (Malasia); Utila (Honduras); Aruba (Caraíbas); St.Kitts (Antilhas); Taveuni (Fiji); Union Island (St. Vicent e Grenadines); Norfolk island (Austrália); Isla Colon (Panamá); Gozo (Malta); Carriacou (Grenadines); Dominica (Caraíbas); Pico (Açores); Éfaté (Vanuatu); Nova Zelandia, Long island (Bahamas); Big Island (Hawai); Cedar Key (Florida, EUA); Grand Cayman; Negros Oriental (Filipinas); Vieques (Porto Rico)
" (...) O clima é considerado ameno e nebuloso e é destacada a honestidade e amabilidade das pessoas da ilha. A paisagem da Vinha património mundial da UNESCO não é esquecida mas o grande destaque vai para a montanha. "É uma ilha que dispõe dos ares mais puros do planeta" (...) o Pico é considerado uma ilha com preços acessíveis. Desde as pequenas casas de pedra. (...) o destaque dado pela "Islands" à ilha do Pico pode considerar-se bastante importante para esta parcela de arquipélago, senão mesmo um marco histórico em termos de promoção turística."
Excerto do artigo do jornalista Milton Dias, na edição de hoje do Jornal do Pico.
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Boas Notícias
Terra dos Barcos
Santo Amaro, Agosto 2007
É aqui que ando há alguns dias a "arrastar os pés". Páro sempre por aqui durante um mês. Penso mesmo, que não seria a mesma pessoa se, uma vez por ano, não viesse aqui "meter-me" debaixo de uma pedra. Venho aqui há muitos anos; tantos como os que tenho. Revisito alguns lugares e pessoas da minha infância.
Santo Amaro é a "terra dos barcos" como ternuramente (mas verdadeiramente!) costumamos chamar a este sítio, que, durante muitos anos fez nascer barcos como o "Pão dos Pobres", o "Pérola do Pico", o "Flor do Pico", o "Nossa Senhora da Saúde", o "Marujo", o "Castelete", o "Santo Amaro", o "Terra Alta" e outros.
"Santo Amaro sobre o mar", livro da autoria do professor Manuel Urbano Bettencourt, transmite neste título a imagem, que também tenho desta terra, onde não nasci, mas aonde passei alguns dos melhores momentos da minha vida.
No momento, em que escrevo, São Jorge vê-se inteiro, "de uma banda à outra" poisado no mar e a lomba verde que abriga Santo Amaro, como uma mãe a um filho, faz-me sentir bem, lembrando a música que aprendi muito cedo e que era daqui e que dizia que este sítio é um jardim à beira mar e que aqui moram os grandes lobos do mar... Não tenho nenhuma dúvida de que é assim mesmo. Também por isso cá estou e estarei sempre que puder ser.
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Fotografia Pico
quinta-feira, agosto 09, 2007
Um Poema
«Não tenhas medo, ouve:
É um poema.
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar,
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...»
Miguel Torga
Coimbra, 7 de Outubro de 1979
in, "Diário XIII", 1983; "Poesia Completa", 2000
É um poema.
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar,
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...»
Miguel Torga
Coimbra, 7 de Outubro de 1979
in, "Diário XIII", 1983; "Poesia Completa", 2000
terça-feira, agosto 07, 2007
Recomendação de Leitura
Autor: António Tabucchi
Título: Está a fazer-se cada vez mais tarde
Editora: Publicações Dom Quixote
Preço: 10 euros
"(...) por vezes o mundo parece feito de palavras iguais entre si embora seja diferente o modo de entendê-las na sua substância. Por exemplo, a palavra anthropos. Esta palavra em que eu penso agora, e que a todos nos parece a mesma, significa para cada um de nós uma coisa diferente. (...)"
p.29
O lugar onde sou de todos os passados
Aqui, no “lugar onde sou de raízes queimadas”, como escreveu José Martins Garcia, espero, ansiosamente, a chegada do meu sobrinho amanhã no barco…
Estou aqui, na ilha, onde me apoito de quando em vez há uma semana.
Os dias têm passado muito depressa, só as noites acontecem devagarinho. Defronte dela está a ilha de São Jorge deitada sobre o mar. Parece um barco na forma e no movimento. Está rente ao mar.
Eu vinha para escrever sobre muitas coisas; da alegria que é ter um sobrinho amanhã a entrar porta dentro para passar as suas primeiras férias aqui connosco; do espaço que vem agora ocupar e que será, obviamente, o seu único lugar; dos lugares que, daqui em diante, passarão ainda que muito ténues ainda, a fazer parte da sua dimensão pessoal. Das coisas que eu gostava de lhe ensinar sobre este sítio, dos afectos, do modo de olhar de algumas pessoas que moram aqui; do andar seguro das pessoas mais velhas, dos amigos que são amigos dos nossos pais e avós…do tempo, do vento que quando é da terra parece que nos varre os ossos ou da água do caneiro que é a mais limpa de todos os lugares do mundo. Mas, guardarei para mais tarde. Por ora, espero que entre pela porta de rede e que, daqui por um ano, a sua altura esteja marcada na ombreira da porta de cozinha e dê, pela primeira vez, um baganau à horta…
Estou aqui, na ilha, onde me apoito de quando em vez há uma semana.
Os dias têm passado muito depressa, só as noites acontecem devagarinho. Defronte dela está a ilha de São Jorge deitada sobre o mar. Parece um barco na forma e no movimento. Está rente ao mar.
Eu vinha para escrever sobre muitas coisas; da alegria que é ter um sobrinho amanhã a entrar porta dentro para passar as suas primeiras férias aqui connosco; do espaço que vem agora ocupar e que será, obviamente, o seu único lugar; dos lugares que, daqui em diante, passarão ainda que muito ténues ainda, a fazer parte da sua dimensão pessoal. Das coisas que eu gostava de lhe ensinar sobre este sítio, dos afectos, do modo de olhar de algumas pessoas que moram aqui; do andar seguro das pessoas mais velhas, dos amigos que são amigos dos nossos pais e avós…do tempo, do vento que quando é da terra parece que nos varre os ossos ou da água do caneiro que é a mais limpa de todos os lugares do mundo. Mas, guardarei para mais tarde. Por ora, espero que entre pela porta de rede e que, daqui por um ano, a sua altura esteja marcada na ombreira da porta de cozinha e dê, pela primeira vez, um baganau à horta…
domingo, agosto 05, 2007
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