terça-feira, agosto 28, 2007

A máquina de escrever

"Meu amor silabado minha exdrúxula
meu acento tão grave que me abre
minha rosa-dos-ventos minha bússola
minha vírgula tola meu sentido
reticências parágrafo gemido
A
caído
na tecla do ouvido
E
incerto
dois espaços parágrafo deserto
I
sorriso mundano que é preciso
O
círculo fechado
U
murmúrio atento e obrigado
Meu carreto de sonhos meu endereço
retrocesso paragem recomeço
minha caixa postal sem nada dentro
minha resposta paga TEMPO E VENTO
meus dois pontos de angústia CARNE E ÁGUA
minha letra dobrada MAR E MÁGOA
meu ditongo de sono PÃO E CÃO
meu açaimo de frases de palavras
agastadas batidas desgastadas
ditadas digitadas agitadas
pela dança guerreira dos meus dedos.
Minha letra maiúscula de MEDO
tabulador da minha solidão.
Minha aspa dos olhos minha infância
minha última cópia da verdade
til subtil caindo no papel
pelo trema abolido da saudade."



Ary dos Santos, Vinte anos de Poesia, A Liturgia do Sangue, CL, Lisboa, 1984.

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