"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
sábado, dezembro 31, 2005
Não ofendas a Santa Sabedoria
Julgando de ânimo leve o Romantismo.
Humildemente nele escuta as vozes
Que te dizem:
O itinerário é interior
Assim dispõe as leis do amor
Encontradas no ramo de ouro
Da Acácia onde pousou a pomba
CORREIA, Natália- “Sonetos Românticos”, in Poesia Completa, 2ª ed., Lisboa, Publicações Dom Quixote,2000, pp.567.
sexta-feira, dezembro 30, 2005
Stuck in a Moment
I’m not afraid of anything in this world
There’s nothing you can throw at me that I haven’t already heard
I’m just trying to find a decent melody
A song that I can sing in my own company
You’ve got to get yourself together
You’ve got stuck in a moment
And now you can’t get out of it
Don’t say that later will be better
Now you’re stuck in a moment
And you can’t get out of it
I will not forsake the colours that you bring
The nights you filled with fireworks, they left you with nothing
I am still enchanted by the light you brought to me
I listen through your ears, through your eyes I can see
And you are such a fool
To worry like you do
I know it’s tough
And you can never get enough
Of what you don’t really need now, my, oh my
You’ve got to get yourself together
You’ve got stuck in a moment
And you can’t get out of it
Oh love, look at you now
You’ve got yourself stuck in a moment
And you can’t get out of it
I was unconscious, half asleep
The water is warm till you discover how deep
I wasn’t jumping, for me it was a fall
It’s a long way down to nothing at all
You’ve got to get yourself together
You’ve got stuck in a moment
And you can’t get out of it
Don’t say that later will be better
Now you’re stuck in a moment
And you can’t get out of it
And if the night runs over
And if the day won’t last
And if our way should falter
Along the stony pass
It’s just a moment
This time will pass
U2
Revi agora mesmo o teledisco aqui
Passagem do ano
O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,
Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
Carlos Drummond de Andrade
Feliz Ano Novo!
quinta-feira, dezembro 29, 2005
quarta-feira, dezembro 28, 2005
Exercício d´escrever
Gaivotas
Maria Amaro
[Aqui estou eu. Sentada. Como o resultado do vento soprado na almofada entre a queda dos dedos sobre os olhos, quando a cabeça parece que estala, ou quando, em visita nos cansamos de estar sentados diante de todos sem nada para dizer. O combinado do texto não era nada disto. Penso.]
-Recomeça a escrever como se as tuas palavras tivessem asas e sabores e fritassem no tom imediato de um óleo de primeira mão, de frasco amarelo. Não. Publicidade não. A mim não me preocupam as marcas. A ti também não.
- Mas, olha: vi um dia numa cervejaria do centro da cidade. ( também não digo o nome) Um homem e uma mulher sentados como se sentam as pessoas incomodadas com a presença dos outros, muito calados, muito direitos, com as pernas muito sentadas nas cadeiras e os casacos pendurados e os cachecóis nos pescoços, porque se sentia frio dentro do estabelecimento apesar do fumo e das pessoas todas às gargalhadas e das janelas fechadas e de um certo calor humano.
[Imagina que nada disso se tinha passado e tu tinhas viajado e havia no sítio aonde tinhas ido muitas borboletas que falavam]
- Que estupidez. Oralmente, nenhum animal se pronuncia. Esqueceste tantas vezes dessas regras e depois personificas os bichos como se fossem aquelas pessoas que vi na Cervejaria e que não falavam, mas que tinham os cachecóis ao pescoço e eu percebi que era do frio, que dá nos ossos, quando não há muito mais a dizer, senão vai-te embora.
[Olha o que estás a fazer. A comparar as pessoas com os bichos].
[Ontem comprei três livros. Não sei bem o que me deu. O Natal acabou agora e a família, sabes como são os familiares, acham que gostas de ler e dão-te livros. Tive imensos. Muitos mesmo. As pessoas não entendem que os livros são como os perfumes.]
- Comprei um livro este Natal de um escritor famoso. Fala bem, mas não me alegra e depois o livro está todo cheio de citações sem aspas, percebes e uma pessoa olha para aquilo e vê que: “Wow man!”, -como dizem os americanos!- Isto é plágio, mas está lá tudo ou estão lá todos: Fernando Pessoa. Herberto Hélder. Ruy Belo. Parece que o título não devia ser aquele que vem na capa. Mas antes qualquer coisa a atirar para: Os meus poetas preferidos. Pensamentos dos outros. Enfim, sei lá, qualquer coisa, menos esse título, que tem e que já virei para dentro na estante.
[devias escrever para a Editora.]
- Achas? Só se estivesse doida. Iam dizer que era mentira. E depois o escritor até está nos tops.
[Eu percebo. Mas tens que me mostrar essa peça literária.]
- Certo. Mas conta-me então essa história que ias começar.
[Já não me lembro muito bem. Havia qualquer coisa de combinado de um texto que tinha que escrever para uma revista, mas que não era nada disto. Há bolas e balões pendurados nas entrelinhas do texto; um dias destes, garanto-te, vou escrever uma história infantil daquelas que metem árvores falantes e coelhos que riem das suas figuras em espelhos brancos. Vou escrever da tristeza dos versos derramados no papel branco e da lua vidrada nos pés das plantas, quando à noite, as gaivotas passam de chocalhos nos bicos e anéis nas asas para casar com os cometas. Mas fica para outro dia…]
- Gaivotas casadas com cometas? Tu e as Gaivotas….
[Não sabes? Diz-se do céu das gaivotas que é do tamanho das ilhas e que a massa circundante é toda feita de água e sal. À noite enche-se de ondas para delícia destas damas, que vestem os seus biquinis e dão mergulhos brilhantes. Há quem diga cá por baixo que cada exibição: vale uma estrela cadente!]
- Tens a certeza?
[Tenho]
Maria Amaro
segunda-feira, dezembro 26, 2005
Poema
Faz-se luz pelo processo de eliminação de sombras
Ora as sombras existem as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como os amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca
© 1957, Mário Cesariny
From: Pena Capital
Publisher: Assírio & Alvim, Lisbon, 2004
ISBN: 972-37-0512-5
Ora as sombras existem as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como os amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca
© 1957, Mário Cesariny
From: Pena Capital
Publisher: Assírio & Alvim, Lisbon, 2004
ISBN: 972-37-0512-5
Prendas
Luiz Pacheco
O meu velho de Natal "anda" pelos blogs. Aceitou este conselho. E ofereceu-me este livro
( excerto de Entrevista que se pode ler aqui)
O meu velho de Natal "anda" pelos blogs. Aceitou este conselho. E ofereceu-me este livro
"VISÃO: Quando lê estes fragmentos da sua vida em forma de diário reconhece-se ali?
LUIZ PACHECO: O pior é que não leio, aí é que está a gaita! Já não vou ler nada disso... Isto que vai ser editado é um fragmento, porque o diário começou no dia 1 de Janeiro de 1970, estava eu no Hospital de Santa Marta. Passavam-se semanas em que eu não escrevia nada, depois quando me dava para escrever, escrevia. E nunca lia o que estava para trás. Por vários acasos, há uns três anos, uma senhora de Coimbra trouxe, a meu pedido, uma parte do diário, fotocopiada e passada à máquina. Já não lia muito bem – mas lia melhor do que hoje – e estive aqui a desfibrar... Quando havia uma coisa que me chateava, ou que não tinha interesse nenhum, cortava o dia todo, logo. Reduzi aquilo a duas partes. O meu filho entregou as duas à Dom Quixote e tenho a impressão que meteram no livro bocados da parte que eu cortei... O que não tem grande mal."
( excerto de Entrevista que se pode ler aqui)
domingo, dezembro 25, 2005
sábado, dezembro 24, 2005
sexta-feira, dezembro 23, 2005
Receita para acreditar no Velho de Natal
velho de natal
Publicado no Suplemento de Natal do jornal Açoriano Oriental
Peça-se emprestada ao Super-Homem, a capa; ao Homem Aranha, as luvas, aos três porquinhos, a coragem e ao Zorro, a espada.
Esqueçam-se os problemas, as chatices, as pessoas perdidas, as tristezas, que nos enfraquecem os ossos e doam uma certa melancolia às nossas vidas. Tenha-se a coragem de existir e insistir pelo que fomos, somos e seremos.
Peça-se à Carochinha, o caldeirão; ao João Ratão, o amor; à Branca de Neve a inocência, à Gata Borralheira, a sorte e faça-se a sopa mágica - um caldo saboroso, que nos possa devolver a capacidade de sonhar e a certeza de que o velho de Natal, como o coelho da Páscoa, a fada dos dentes, o Peter Pan, os duendes e os gnomos são pessoas importantes, que não vestem fatos de gala ou vestidos brilhantes, não fazem grandes discursos nem têm conversas chatas, não aparecem na Televisão nem nos Jornais, mas são fundamentais. Expressões de um tempo, em que os aniversários das bonecas e a chegada dos carros em corridas inventadas nas pistas de plástico e rampas de madeira eram tão importantes como os anos da mãe, a compra do carro novo do pai ou o dia 25 de Abril. É essencial que se chegue ao tempo dos adultos com o coração cheio de experiências e a alma bem lembrada dos jogos de cartas, das vozes que vêm por dentro, daqueles que, em tempos, nos acudiram as quedas, nos enxugaram os olhos, nos ofereceram sorrisos, nos marcaram o passado com palavras e momentos, como se fôssemos navegar e, dentro do navio, o comandante acenasse ao presente e ao futuro com pastas de papeis, onde trouxesse registados os golos, os apitos do árbitro, os gestos abertos dos campos nas fases todas da vida.
Lembrem-se as corridas de patins, os mergulhos ensaiados, as gargalhadas dadas, entre uma colher de sopa de ervilha, e uma maluquice do avô, cuja função, ali, era fazer-nos acreditar que era um tocador de flauta famoso, que iludia as formigas e as levava ao baile de fim de ano.
Faça-se uma árvore de Natal como a da mãe. Cheia de bolas e fios e luzes e anjos pendurados nos galhos, dentro da árvore, guardados, turno a turno por duendes que dormiam nos ramos, com os seus chapéus às cores e os coletes de lã, bordados com os seus nomes: David, Isaías, Simão (qual de vós me dá a mão?)Sacuda-se o peso amargo dos anos. Das muitas saudades dos outros, dos tempos descompassados, das feridas abertas nos olhos e das dores que ardem nos corações.
É preciso deixar de ser triste e lembrar que somos sempre dos tempos dos outros, embrulhados em saudades de papéis multicolores e laços.
É preciso inventar-se flores falantes: Margaridas que abram as pétalas de alegria. Rosas que tragam novas formas de comunicação. Jacintos que se lembrem dos piões, dos berlindes, dos anões da Branca de Neve, num desfile, passo a passo, linha a linha, de perfumes e sinais. Querer-se o Polegarzinho e o Pinóquio não é delírio é feitio e urgência em querer criar novas maravilhas.
Acredito que o tapete do meu quarto voa. Acredito que as cortinas conversam à noite e que estão tristes porque se lhes desfiou o laço que, durante anos e anos, as aguentou suspensas, sem tocar no chão. Travam agora novas amizades. Acredito que a noite é filha da lua e do sol e, que o seu lado obscuro, herdou da veia paterna.
Acredite-se no velho de Natal. Tenha-se a coragem de pensar que os embrulhos, as ofertas, as gargalhadas, os sorrisos, os caramelos, as bolachas, as luzes que se vendem em caixas e iluminam as portas, as janelas, as ruas, os andares, as montras, as casas são importantes para a construção de pensamentos sãos nas mentes dos meninos e das meninas das nossas terras.
Eu acredito francamente que, durante, anos a fio, enquanto estávamos jantando com a mãe, o velho de Natal, chegou à nossa casa, deixou os nossos brinquedos, debaixo da nossa árvore, bebeu aguardente com o pai, comeu do bolo de Natal e foi para outras casas, fazer o mesmo com outros pais, avôs e amigos, como acredito que, em noites de fim de ano, enquanto eu na minha casa com a minha família e amigos, como caldo de peixe, o meu avô, que já não vejo há tantos anos, que perdi a conta, põe o chapéu de tocador de flauta, pega nela e leva, uma a uma, as formigas todas, em carreiro, nos seus trajes de cerimónia e sapatos de verniz, rumo ao baile de fim de ano, onde se encontram as moscas, as abelhas e os caracóis. Dançam toda a noite até ao dia 1 de Janeiro, de madrugada. Eu acredito no Velho de Natal.
Um Bom Natal para todos.
Fajã de Baixo, 19 de Dezembro de 2005
Mariana Matos
Publicado no Suplemento de Natal do jornal Açoriano Oriental
quinta-feira, dezembro 22, 2005
POEMA DE NATAL
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros. coitadinhos. nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra. louvado seja o Senhor!. o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
António Gedeão
Poema de Natal
Boas Festas
Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que sâo ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.
Miguel Torga
FELIz NATal
Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que sâo ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.
Miguel Torga
FELIz NATal
terça-feira, dezembro 20, 2005
A concha
A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.
A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.
Vitorino Nemésio
Segreguei-a de mim com paciência:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.
A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.
Vitorino Nemésio
domingo, dezembro 18, 2005
Aviso a cardíacos e outras pessoas atacadas de semelhantes males
horizonte
19 / 03 / 1978
Jorge de Sena, - 40 Anos de Servidão. Edições 70. D. L. 1989. P.191-192
Se acaso um dia o raio que te parta
(enfim obedecendo às fervorosas preces
dos teus muitos amigos e inimigos),
baixa de repente gigantesco
e fulminante sobre ti, e mesmo se repete:
e não te quebra todo, e como desasado,
ou quem morto regressa à sobrevida,
tu sobrevives, resistes e persistes,
em estar vivo (ainda que à espera sempre
de novo raio que te parta em cacos) -
- tem cuidado, cuidado! Arma-te bem
não tanto contra o raio mas principalmente
contra tudo e todos. Sobretudo estes,
ou sejam todos quantos pavoneam
o consolo inocente de pensar que a morte
não os tocou nem tocará jamais.
Porque não há ninguém por mais que te ame,
Ou por mais que seja teu amigo (e,
Com o tempo, os amigos, mais que as criaturas
Fiel ou infielmente bem-amadas, gastam-se),
Que te perdoe que tu não tenhas estourado,
No momento em que se soube que estouravas.
É uma "partida"(ou um "regresso" sem piada nenhuma)
Absolutamente e aterradoramente inaceitável,
Humanamente e vitalmente imperdoável.
Pelo que, sobrevivente, pagarás como se diz,
Com língua de palmo. Se és um pobretano,
Solitário, abandonado, entregue aos teus fantasmas,
Que são um palpitar, um estertor, uma opressão no peito,
Uma tontura, um como que silencio negro,
Podes estar certo e seguro que nem amigo nem amante,
Está livre de ocupaçães permentes para te acudir.
Uma que outra vez apenas, para alívio,
dos borborigmas morais dos seus estômagos,
Irão visitar-te carinhosos. Outros
tentarão acudir-te, ajudar-te, como podem,
E quando em desespero tu reclamas.
Não contes com mais nada senão morte,
Se tens família, amando-te sem dúvida,
Inteiramente dedicada a ti que seja ou é,
Não penses que não és constante imagem
Sem desculpa alguma de andar pela casa,
Um pouco vacilante, às vezes suplicando,
Uma pílula, alguma companhia, ou mesmo atrevendo-te,
A fazer referências tidas de mau gosto
À espada que para onde vás segue suspensa
Sobre a tua cabeça. Porque ninguém, ninguém
Até contraditoriamente porque te amam,
Suportam que não sejas quem tu eras,
Mas só a morte adiada, o que é diverso,
Do horror de um cancro que não se sabe
Quando matará mas é criatura de respeito,
Crescendo em ti como se estiveras grávida.
Assim, meu caro, com coração desfeito
Sem metáfora alguma, és apenas uma
Indecorosa e miserável chatice.
Portanto, irmãos humanos, se estourais,
Estourai, por uma vez aliviando
Quem vos quer ou não quer por uma vez.
19 / 03 / 1978
Jorge de Sena, - 40 Anos de Servidão. Edições 70. D. L. 1989. P.191-192
sábado, dezembro 17, 2005
(Pro) Sempre
laranjas
-
Episódio de "O Velho do Restelo", de Os Lusíadas (Luís Vaz de Camões)
(bold meu)
-
"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto que se atiça
Cua aura popular que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldade neles experimentas!
"Dura inquietação d¹alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
"A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo d¹algum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
De ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
- Mas ó tu, geração d'aquele insano,
Cujo pecado, e desobediência,
Não somente de reino soberano
Te pôs neste desterro e triste ausência
Mais ainda d'outro estado mais que humano,
Da quieta, e da simples inocência
Da idade d'ouro tanto te privou,
Que na de ferro, e d'armas te deitou:
- Já que nesta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve fantasia;
Já que é bruta crueza e feridade
puseste nome, esforço e valentia;
Já que prezas em tanta quantidade
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada; pois que já
Temeu tanto perdê-la quem a dá:
- Não tens junto contigo o ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
Se tu pela de Cristo só pelejas?
Não tens cidades mil, terra infinita,
Se terras, e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
Se queres por vitórias ser louvado?
- Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o reino antigo,
Se enfraqueça, e se vá deitando a longe?
Buscas o incerto, o incógnito perigo,
Por que a fama te exalte, e te lisonje,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?
Episódio de "O Velho do Restelo", de Os Lusíadas (Luís Vaz de Camões)
(bold meu)
1º comentário
Quando se zangam as comadres descobrem-se as verdades!...
(Conheci alguém que iria adorar vê-los agora)
(Conheci alguém que iria adorar vê-los agora)
sexta-feira, dezembro 16, 2005
quarta-feira, dezembro 14, 2005
terça-feira, dezembro 13, 2005
sexta-feira, dezembro 09, 2005
Saudades de Lisboa
Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver
Sophia de M.Breyner Andresen (Lisboa)
quarta-feira, dezembro 07, 2005
terça-feira, dezembro 06, 2005
Os distraídos
As Figuras presentes nesta notícia recordaram-me este poema de Paulo Leminski:
retrato de lado
retrato de frente
de mim me faça
ficar diferente
( do livro Distraídos Venceremos)
retrato de lado
retrato de frente
de mim me faça
ficar diferente
( do livro Distraídos Venceremos)
domingo, dezembro 04, 2005
O melhor Poema de Natal
Natal
Vinicius de Moraes
Aceitam-se Sugestões.
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Vinicius de Moraes
Aceitam-se Sugestões.
sábado, dezembro 03, 2005
QuEridO VELho de NaTAl
duendes
No Natal éramos muitos em casa, como sabes.
A avó, aquele poço de paciência, que ainda hoje, passados que são 80 anos do seu nascimento (contando-se 30 em funções de avó), fazia sempre rosquilhas para bebermos com o leite antes de irmos dormir. Leite branco frio com açúcar era o meu preferido.
No Natal, há quase 20 anos, a minha avó fazia um presépio com as nossas fotografias, uns pequenos porta-retratos, que alguém lhe mandara da América, onde eu, aos 7 anos, visto T-Shirt do Snoopy e uso laço no cabelo. Lembro-me como se fosse hoje do dia em que a tirei, sentada numa carteira (era assim que se chamavam as secretárias da escola) da minha sala, com o professor do outro lado a sorrir-me para que eu fizesse um ar “mais bem disposto”. Naquele dia, há 22 anos, tinha-me morrido um peixe e, eu apesar da possível insignificância, era a criança mais triste do mundo. Morrer era um espaço de vazio entre os meus olhos e as coisas que eu deixava de ver, como quando me morrera uma pomba de estimação, nos braços, depois de ter sido mordida pelo gato Mozart.
Mas voltando, à fotografia, que era ainda a razão de ter começado esta carta sobre um Natal de há muitos anos, quando todos eram muito vivos
[gosto desta expressão!]
e havia, na minha família, uma paz espiritual e saudável, (muito viva, lá está) que emoldurava todos num quadro de alegria permanente.
A camisa do Snoopy viera da América, na mala do tio Paulo, quando ele foi lá pescar e trouxe à Maria e à Ângela umas camisas do Roque Santeiro, que era a telenovela da moda, nos anos 80. Lembro-me, como se fosse hoje, da alegria, que senti, quando desembrulhei o pacote, que trazia dentro aquele cão dos desenhos animados, deitado, em calções de banho, a apanhar sol na praia. Lembro-me, como se fosse hoje, de ter telefonado para ele a agradecer aquele maravilhoso presente, precisamente, no dia em que tirei aquela fotografia e em que me morrera o peixe Inácio. Contei-lhe aflita daquela segunda descoberta de me ter morrido alguém tão próximo e lembro-me do som das suas gargalhadas dentro do telefone, lembrando-me a idade do Inácio e dizendo que quando chegassem as férias do Verão, ele me ia arranjar um novo Inácio. Inácio II, disse. A certeza de que mo arranjaria, aliviou-me daquele desgosto, desliguei, lembrando-o que tirara a fotografia do Natal e que, em breve, a mandaria para todos; que os meus olhos, disse eu, estariam um pouco tristes, mas que não eram más notas, eram tão só, as saudades do Inácio.
E voltando outra vez à fotografia, que foi tirada por todos os meninos da escola e depois feita 12 vezes, mais uma grande da turma toda, e que eu ainda guardo na minha caixa de recordações, junto com uma, em que estou, com o meu pai, sentada nas escadas do porto, aonde o meu avô e os meus tios, varam uma lancha para consertar, essa fotografia é que foi a marca.
A perda do Inácio, o peixe doirado e verde, que me compraram na praça. Sim, porque naquele tempo a gente ia à Praça de manhã com a mãe e depois entrávamos sempre no senhor Chaves, da Noné, e comprávamos livros, todos os Sábados um livro, da Turma da Mónica ou do tio Patinhas.
Querido velhinho,
sei que hoje e por estes dias, deves andar cheio de coisas para fazer, atarefado, a fazer brinquedos e a comprar outros tantos, mas deixa-me explicar-te porque é que te falo do Inácio e desta fotografia, do Tio Paulo e da T-Shirt, que recebi num papel que cheirava a América e que ainda tenho guardado no fundo do armário, junto com outras tantas coisas, como a gravata do casamento do Tio Júlio, que ele me ofereceu, já que foi a única gravata que algum dia usou na vida; ou então, posso contar-te do boné do avô, todo furado com pontas de cigarros para arejar. Posso contar-te disso ou das saudades todas que eu tenho deles, desses tempos muito vivos, em que eu tinha poucos anos e ia à missa, aos Domingos, com a minha avó e a mãe me fazia umas tranças muito compridas e eu cantava no coro da igreja, em Santo Amaro, com as minhas primas e toda a gente apreciava muito a minha voz. Posso contar-te de como me sentia vaidosa e contente do meu apelido de rouxinol. Mas, isso fica para uma outra carta, ainda antes do Natal.
Dá cumprimentos meus às tuas renas e aí a todos os duendes e diz-lhes que estou cheia de saudades deles, que já há tempos que não os consigo ouvir mexericar à noite, enfiados nas gavetas da minha cómoda, a remexer nos meus cadernos. Diz-lhes, que por aqui tudo bem, que a Ana já não se incomodava se os visse, a correr com as ofertas pela sala e que o Júlio já lhes perdoou terem-se esquecido da bicicleta em 1981. Teve-a, um ano mais tarde, em 1982 e foi uma festa. Uma BMX amarela e vermelha. Ainda a temos na garagem ao pé daqueles patins em linha da Barbie, que recebi em 1986 e que já não me servem e se servissem, como sabes, não os calçava. (Havia de ser uma bonita figura…)
Deixa-me ainda dizer-te que daqui da nossa casa, continuamos a ver a luz da tua Fábrica de Brinquedos e pedir-te que no dia 24 me tragas, por favor, uma T-Shirt do Snoopy, um peixe doirado e verde e, um Inácio III e, se conseguires, uma fotografia tua para eu guardar, como aquela em que estávamos todos juntos em cima do morro e tu apareceste de surpresa no céu. Foi a 24 de Dezembro do ano de 1979.
Um beijo
Maria Amaro
quinta-feira, dezembro 01, 2005
NÃO RESISTI
"Anibal Cavaco Silva, candidato a Presidente da República, descola-se aos Açores, dia 6 de Dezembro.(...)"
Açoriano Oriental, 1.12.2005
é gaffe logicamente. Mas, não deixa de ter a sua piada...bem podia ser "descola-se dos Açores"...( para manter a (sua)tradição!)
Açoriano Oriental, 1.12.2005
é gaffe logicamente. Mas, não deixa de ter a sua piada...bem podia ser "descola-se dos Açores"...( para manter a (sua)tradição!)
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