No Natal éramos muitos em casa, como sabes.
A avó, aquele poço de paciência, que ainda hoje, passados que são 80 anos do seu nascimento (contando-se 30 em funções de avó), fazia sempre rosquilhas para bebermos com o leite antes de irmos dormir. Leite branco frio com açúcar era o meu preferido.
No Natal, há quase 20 anos, a minha avó fazia um presépio com as nossas fotografias, uns pequenos porta-retratos, que alguém lhe mandara da América, onde eu, aos 7 anos, visto T-Shirt do Snoopy e uso laço no cabelo. Lembro-me como se fosse hoje do dia em que a tirei, sentada numa carteira (era assim que se chamavam as secretárias da escola) da minha sala, com o professor do outro lado a sorrir-me para que eu fizesse um ar “mais bem disposto”. Naquele dia, há 22 anos, tinha-me morrido um peixe e, eu apesar da possível insignificância, era a criança mais triste do mundo. Morrer era um espaço de vazio entre os meus olhos e as coisas que eu deixava de ver, como quando me morrera uma pomba de estimação, nos braços, depois de ter sido mordida pelo gato Mozart.
Mas voltando, à fotografia, que era ainda a razão de ter começado esta carta sobre um Natal de há muitos anos, quando todos eram muito vivos
[gosto desta expressão!]
e havia, na minha família, uma paz espiritual e saudável, (muito viva, lá está) que emoldurava todos num quadro de alegria permanente.
A camisa do Snoopy viera da América, na mala do tio Paulo, quando ele foi lá pescar e trouxe à Maria e à Ângela umas camisas do Roque Santeiro, que era a telenovela da moda, nos anos 80. Lembro-me, como se fosse hoje, da alegria, que senti, quando desembrulhei o pacote, que trazia dentro aquele cão dos desenhos animados, deitado, em calções de banho, a apanhar sol na praia. Lembro-me, como se fosse hoje, de ter telefonado para ele a agradecer aquele maravilhoso presente, precisamente, no dia em que tirei aquela fotografia e em que me morrera o peixe Inácio. Contei-lhe aflita daquela segunda descoberta de me ter morrido alguém tão próximo e lembro-me do som das suas gargalhadas dentro do telefone, lembrando-me a idade do Inácio e dizendo que quando chegassem as férias do Verão, ele me ia arranjar um novo Inácio. Inácio II, disse. A certeza de que mo arranjaria, aliviou-me daquele desgosto, desliguei, lembrando-o que tirara a fotografia do Natal e que, em breve, a mandaria para todos; que os meus olhos, disse eu, estariam um pouco tristes, mas que não eram más notas, eram tão só, as saudades do Inácio.
E voltando outra vez à fotografia, que foi tirada por todos os meninos da escola e depois feita 12 vezes, mais uma grande da turma toda, e que eu ainda guardo na minha caixa de recordações, junto com uma, em que estou, com o meu pai, sentada nas escadas do porto, aonde o meu avô e os meus tios, varam uma lancha para consertar, essa fotografia é que foi a marca.
A perda do Inácio, o peixe doirado e verde, que me compraram na praça. Sim, porque naquele tempo a gente ia à Praça de manhã com a mãe e depois entrávamos sempre no senhor Chaves, da Noné, e comprávamos livros, todos os Sábados um livro, da Turma da Mónica ou do tio Patinhas.
Querido velhinho,
sei que hoje e por estes dias, deves andar cheio de coisas para fazer, atarefado, a fazer brinquedos e a comprar outros tantos, mas deixa-me explicar-te porque é que te falo do Inácio e desta fotografia, do Tio Paulo e da T-Shirt, que recebi num papel que cheirava a América e que ainda tenho guardado no fundo do armário, junto com outras tantas coisas, como a gravata do casamento do Tio Júlio, que ele me ofereceu, já que foi a única gravata que algum dia usou na vida; ou então, posso contar-te do boné do avô, todo furado com pontas de cigarros para arejar. Posso contar-te disso ou das saudades todas que eu tenho deles, desses tempos muito vivos, em que eu tinha poucos anos e ia à missa, aos Domingos, com a minha avó e a mãe me fazia umas tranças muito compridas e eu cantava no coro da igreja, em Santo Amaro, com as minhas primas e toda a gente apreciava muito a minha voz. Posso contar-te de como me sentia vaidosa e contente do meu apelido de rouxinol. Mas, isso fica para uma outra carta, ainda antes do Natal.
Dá cumprimentos meus às tuas renas e aí a todos os duendes e diz-lhes que estou cheia de saudades deles, que já há tempos que não os consigo ouvir mexericar à noite, enfiados nas gavetas da minha cómoda, a remexer nos meus cadernos. Diz-lhes, que por aqui tudo bem, que a Ana já não se incomodava se os visse, a correr com as ofertas pela sala e que o Júlio já lhes perdoou terem-se esquecido da bicicleta em 1981. Teve-a, um ano mais tarde, em 1982 e foi uma festa. Uma BMX amarela e vermelha. Ainda a temos na garagem ao pé daqueles patins em linha da Barbie, que recebi em 1986 e que já não me servem e se servissem, como sabes, não os calçava. (Havia de ser uma bonita figura…)
Deixa-me ainda dizer-te que daqui da nossa casa, continuamos a ver a luz da tua Fábrica de Brinquedos e pedir-te que no dia 24 me tragas, por favor, uma T-Shirt do Snoopy, um peixe doirado e verde e, um Inácio III e, se conseguires, uma fotografia tua para eu guardar, como aquela em que estávamos todos juntos em cima do morro e tu apareceste de surpresa no céu. Foi a 24 de Dezembro do ano de 1979.
Um beijo
Maria Amaro
"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
sábado, dezembro 03, 2005
QuEridO VELho de NaTAl
duendes
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2 comentários:
Trouxeste-me a saudade de outros tempos, também e falar de Santo Amaro é falar de saudade. Beijinhos e um Feliz Natal para ti e família.
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