sábado, dezembro 03, 2005

QuEridO VELho de NaTAl

duendes Posted by Picasa


No Natal éramos muitos em casa, como sabes.
A avó, aquele poço de paciência, que ainda hoje, passados que são 80 anos do seu nascimento (contando-se 30 em funções de avó), fazia sempre rosquilhas para bebermos com o leite antes de irmos dormir. Leite branco frio com açúcar era o meu preferido.
No Natal, há quase 20 anos, a minha avó fazia um presépio com as nossas fotografias, uns pequenos porta-retratos, que alguém lhe mandara da América, onde eu, aos 7 anos, visto T-Shirt do Snoopy e uso laço no cabelo. Lembro-me como se fosse hoje do dia em que a tirei, sentada numa carteira (era assim que se chamavam as secretárias da escola) da minha sala, com o professor do outro lado a sorrir-me para que eu fizesse um ar “mais bem disposto”. Naquele dia, há 22 anos, tinha-me morrido um peixe e, eu apesar da possível insignificância, era a criança mais triste do mundo. Morrer era um espaço de vazio entre os meus olhos e as coisas que eu deixava de ver, como quando me morrera uma pomba de estimação, nos braços, depois de ter sido mordida pelo gato Mozart.
Mas voltando, à fotografia, que era ainda a razão de ter começado esta carta sobre um Natal de há muitos anos, quando todos eram muito vivos
[gosto desta expressão!]
e havia, na minha família, uma paz espiritual e saudável, (muito viva, lá está) que emoldurava todos num quadro de alegria permanente.
A camisa do Snoopy viera da América, na mala do tio Paulo, quando ele foi lá pescar e trouxe à Maria e à Ângela umas camisas do Roque Santeiro, que era a telenovela da moda, nos anos 80. Lembro-me, como se fosse hoje, da alegria, que senti, quando desembrulhei o pacote, que trazia dentro aquele cão dos desenhos animados, deitado, em calções de banho, a apanhar sol na praia. Lembro-me, como se fosse hoje, de ter telefonado para ele a agradecer aquele maravilhoso presente, precisamente, no dia em que tirei aquela fotografia e em que me morrera o peixe Inácio. Contei-lhe aflita daquela segunda descoberta de me ter morrido alguém tão próximo e lembro-me do som das suas gargalhadas dentro do telefone, lembrando-me a idade do Inácio e dizendo que quando chegassem as férias do Verão, ele me ia arranjar um novo Inácio. Inácio II, disse. A certeza de que mo arranjaria, aliviou-me daquele desgosto, desliguei, lembrando-o que tirara a fotografia do Natal e que, em breve, a mandaria para todos; que os meus olhos, disse eu, estariam um pouco tristes, mas que não eram más notas, eram tão só, as saudades do Inácio.
E voltando outra vez à fotografia, que foi tirada por todos os meninos da escola e depois feita 12 vezes, mais uma grande da turma toda, e que eu ainda guardo na minha caixa de recordações, junto com uma, em que estou, com o meu pai, sentada nas escadas do porto, aonde o meu avô e os meus tios, varam uma lancha para consertar, essa fotografia é que foi a marca.
A perda do Inácio, o peixe doirado e verde, que me compraram na praça. Sim, porque naquele tempo a gente ia à Praça de manhã com a mãe e depois entrávamos sempre no senhor Chaves, da Noné, e comprávamos livros, todos os Sábados um livro, da Turma da Mónica ou do tio Patinhas.
Querido velhinho,
sei que hoje e por estes dias, deves andar cheio de coisas para fazer, atarefado, a fazer brinquedos e a comprar outros tantos, mas deixa-me explicar-te porque é que te falo do Inácio e desta fotografia, do Tio Paulo e da T-Shirt, que recebi num papel que cheirava a América e que ainda tenho guardado no fundo do armário, junto com outras tantas coisas, como a gravata do casamento do Tio Júlio, que ele me ofereceu, já que foi a única gravata que algum dia usou na vida; ou então, posso contar-te do boné do avô, todo furado com pontas de cigarros para arejar. Posso contar-te disso ou das saudades todas que eu tenho deles, desses tempos muito vivos, em que eu tinha poucos anos e ia à missa, aos Domingos, com a minha avó e a mãe me fazia umas tranças muito compridas e eu cantava no coro da igreja, em Santo Amaro, com as minhas primas e toda a gente apreciava muito a minha voz. Posso contar-te de como me sentia vaidosa e contente do meu apelido de rouxinol. Mas, isso fica para uma outra carta, ainda antes do Natal.
Dá cumprimentos meus às tuas renas e aí a todos os duendes e diz-lhes que estou cheia de saudades deles, que já há tempos que não os consigo ouvir mexericar à noite, enfiados nas gavetas da minha cómoda, a remexer nos meus cadernos. Diz-lhes, que por aqui tudo bem, que a Ana já não se incomodava se os visse, a correr com as ofertas pela sala e que o Júlio já lhes perdoou terem-se esquecido da bicicleta em 1981. Teve-a, um ano mais tarde, em 1982 e foi uma festa. Uma BMX amarela e vermelha. Ainda a temos na garagem ao pé daqueles patins em linha da Barbie, que recebi em 1986 e que já não me servem e se servissem, como sabes, não os calçava. (Havia de ser uma bonita figura…)
Deixa-me ainda dizer-te que daqui da nossa casa, continuamos a ver a luz da tua Fábrica de Brinquedos e pedir-te que no dia 24 me tragas, por favor, uma T-Shirt do Snoopy, um peixe doirado e verde e, um Inácio III e, se conseguires, uma fotografia tua para eu guardar, como aquela em que estávamos todos juntos em cima do morro e tu apareceste de surpresa no céu. Foi a 24 de Dezembro do ano de 1979.

Um beijo

Maria Amaro