Na passada semana, li quase estupefacto uma notícia no jornal Público intitulada “Açores lançam dois museus de arte moderna”. Numa altura em que o país está à beira da intervenção do FMI, em que o Governo da República ameaça com mais cortes no investimento público e ordenados e em que já se fala na hipótese de aumentar mais ainda os impostos, os Açores aparecem no contexto nacional como um Região rica onde, numa ilha só, se planeia construir dois Centros de Arte exactamente com o mesmo âmbito.
Reconheço que a criação deste tipo de infra-estruturas pode trazer, a longo prazo, algumas externalidades positivas ao nível do emprego e do turismo, mas também penso que a mais-valia deste tipo de projectos faz-se pela diferenciação da oferta cultural e não pela quantidade da oferta indiferenciada.
Um servidor público quando pensa em criar este tipo de infra-estrutura deve ter em conta um conjunto diverso de factores que vão desde as prioridades de investimento no momento, a disponibilidade de recursos financeiros, se a obra permite recuperar edifícios com alto valor patrimonial para a região, se a obra é viável em termos de amortização e manutenção, se já existem projectos semelhantes que retirem competitividade ao projecto e, se caso existam fundos comunitários envolvidos, estes não possam ser utilizados noutro âmbito.
Ora a situação actual revela-se caricata e é a negação de todos os pressupostos do bom investimento público.
A 18 de Maio de 2006, aquando da inauguração do Núcleo de Arte Sacra, o Governo dos Açores anunciou a intenção de ampliar e adaptar a antiga Fábrica do Álcool, na Ribeira Grande, para instalar um Centro de Artes Contemporâneas com dimensão regional. Este investimento de mais de 10 milhões de euros, que hoje já vai na sua fase final de concurso, pretende ser um dos maiores pólos de cultura dos Açores provido de inúmeras valências a este nível.
Muitos poderão perguntar, como o fez o PSD no Parlamento Regional, se faz sentido realizar este tipo de investimento apenas para “cultura” quando os recursos poderiam ser alocados para outro tipo de obras supostamente mais importantes? A meu ver, tendo em conta a recuperação do espaço e património, a dimensão regional do projecto, o número de postos de trabalho a criar e as externalidades positivas que daí surgirão, sobretudo ao nível do turismo, esta nova valência revela-se de essencial importância para a afirmação do destino Açores, como uma marca moderna e diversificada na sua oferta, bem como, no fomento das economias relacionadas com a cultura.
Alguns anos depois, aquando da campanha eleitoral autárquica, Berta Cabral anuncia, como se duma competição com o Governo se tratasse, que a CMPD também ia construir um Centro de Artes Contemporâneas Municipal, no valor de 7 milhões, (inicialmente eram 3 milhões), sem contar com a compra do projecto ao conhecido arquitecto Óscar Niemeyer de 650 mil euros.
Quando confrontada com o custo desta competição e da duplicação de infra-estruturas, a edil invoca a qualidade do projecto de arquitectura e da possível perda dos fundos comunitários caso esta obra não fosse realizada. Não contestando a qualidade do projecto, o facto é que a Presidente de Câmara não disse a verdade sobre a questão dos fundos comunitários.
A CMPD pode usar os fundos comunitários em investimentos relacionados com o parque escolar do 1º ciclo do ensino básico, infra-estruturas desportivas, rede viária municipal, redes de abastecimento de águas, águas residuais e de resíduos sólidos urbanos, etc.
Está, assim, mais uma vez à vista, lamentavelmente, o ensejo que tem a Presidente de CMPD de competir com o Governo dos Açores. Exemplos não faltam. Foi assim por exemplo com o Coliseu Micaelense (mesmo que agora diga que coexistem na perfeição); e foi assim com o Parque da Avenida.
Mas questão de fundo não é o museu de Ponta Delgada, mas sim a duplicação de investimento que ele representa. Cada ponta-delgadense deve fazer a seguinte pergunta: o meu concelho, neste momento, não precisa de mais nada do que um museu igual a outro?
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