imagemO Fífia está desajustado, cómico e quadrado. Em pé, parece uma palhinha de fundo branco e riscas amarelas; deitado um colar de contas. Porém, como não sabe contar nem gosta de Coca-Cola, o Fífia desajustado, cómico, quadrado, por vezes, espantado, desusado, pasmado, é, nada mais, nada menos, em pé ou deitado, um Fífia fífado; um guardanapo dobrado, um lençol estendido ao vento ou, pura e simplesmente, um banco de pé quebrado. Nas ruas, fotografando os passeios, vendo no ladrilhado das pedras as marcas de cimento, pensa serem selos, que é como quem diz bordados, diferentes dos que a mãe, as tias, em quem tem exemplo para tudo, fazem aos dias de semana para vender na quermesse da freguesia, onde as raparigas atrevidas (como ele as chama) vendem bilhetes, de onde saem bonecas de saias de folhos e canecos de loiça doirados das beiras. Os bordados da família são muito mais bonitos e fazem o gosto aos locais, quando entre bombons e roqueiras, cantigas esganiçadas e crianças aos berros pelos balões perdidos na curva do vento, sai um bordado da sua tia à vizinha do canto da rua. O Fífia comprou a máquina e agora é um tal retratar. Parece um autómato de máquina ao pescoço, presa por uma coleira, que diz:
“I love Ponta Delgada”… Entretido, o Fífia fotografa tudo. Às segunda-feiras, depois de um fim de semana todo fotografado, lá está ele à porta do Hipermercado, à espera que abra a loja de fotografia para revelar as suas fotos. Depois, enfia-as em pequenos pacotinhos (porta-retratos); oferece as melhores às tias e mãe e pronto. Está assinalado mais um fim-de-semana. Marcado a verde com a data, o registo das pessoas que encontrou, as suas discrições e descrições; os seus ares, tudo. Qual missal, o Fífia explica tudo bem explicadinho para que daqui a uma centena de anos se saiba, que o poeta Fífia, escritor célebre, romancista de renome e mais qualquer coisa que daqui por 20 anos ele há-de descobrir, passava as manhãs e tardes dos Sábados e Domingos fotografando numa máquina de rolo, baratinha, comprada na feira da ladra, em Lisboa: a sua cidade, as suas gaivotas, as esplanadas, as pessoas, que passeavam com as famílias e os cães, a mãe que gritava dentro do carro, as razões dos seus gritos, as crianças esgazeadas….Enfim, não há cidade que não escape sem ter o seu Fífia. Um cicerone de asas invisíveis, um ser que entre a brisa e a chuva miudinha do Outono, deambule num
passe doble inglês, lambendo um gelado, mas sempre de olho debruçado para a objectiva e caneta no dedo pronta a apontar um sobrolho mais levantado, a razão da elevação da sobrancelha ou, porque não, descrever as meias verdes da figura pública que aos Sábados compra pão sempre na mesma padaria. Afinal, o que é de uma cidade (verdadeiramente) sem um Fífia? Um tipo a quem se pergunte: E x? E ele diga logo:
x levantou-se, vestiu-se e veio tomar café para a avenida, mas vinha com outra que não a mulher, depois comeram pasteis, e foram passear de mão dada. Ou então, um Fífia a quem se pergunte: Que horas eram quando os viste? E ele diga de imediato:
Well, de óculos na ponta do nariz e ar importante:
10h20, pararam o carro e sentaram-se no café. Ele bebeu água. Ela café. Depois beijaram-se. Queres ver a fotografia? O Fífia é assim um ser exacto. Um ser que de abstracto não tem nada; nem a ponta das orelhas. Um Fífia que a frio vale tudo, mas que, a quente, mete o rabo entre as pernas e muda de nome…É Fífia. E pronto.
-Chega!, diz ele.
(O pior é que nunca o vemos partir.)