quinta-feira, setembro 03, 2009

"À Janela do Mundo"

O Velho do Restelo

A política não se pode limitar ao diagnóstico nem se pode circunscrever à capitalização do descontentamento. Embora seja uma das mais simbólicas figuras literárias, imortalizada na obra maior de Luís de Camões, hoje o Velho do Restelo também anda por aí. Com os mesmos tiques de conservadorismo arcaico e os mesmos laivos de pessimismo. Para o Velho do Restelo, a situação do país é pior que a crise internacional. Parece que estamos condenados ao fracasso e que o país foi varrido por uma vaga de monções, ventos ciclónicos e pragas de gafanhotos.

O Velho do Restelo quase que sente um especial gosto quando se deleita a enunciar os “graves problemas do país” num tom solene e grave que, todavia, não esconde um prazer mórbido de quem, com contida humildade, se julga herdeiro político de um qualquer D. Sebastião. Os velhos do Restelo hoje não têm género nem idade. Tanto podem ser homens circunspectos e espadaúdos como senhoras de aspecto frágil e discurso pseudo moralista. Podem também ser jovens com discursos passadistas e saudosistas que lamentam não ter vivido num tempo que, embora desconheçam, insistem em exaltar. Para o Velho do Restelo, o futuro nada traz de esperança ou positivo. É apenas o aguardar de uma inevitável fatalidade. O futuro será sempre pior que o presente e o presente uma tímida e pálida imagem de um passado que, infelizmente, já não volta.

É verdade que os tempos hoje não são fáceis. É verdade que o mundo vive uma crise económica sem precedentes e cujos efeitos ainda não estão totalmente contabilizados. Há, por isso, duas formas de enfrentar a situação: aprender com os erros e aproveitar as oportunidades que as crises sempre oferecem ou conformar-nos com o triste fado e suspendermos tudo e mais alguma coisa até que a tempestade amaine. Os primeiros têm o ADN que levou Portugal a dar novos mundos ao mundo. Os segundos estão imortalizados na obra de Camões.

Chamam-te ilustre, chamam-te subida,

Sendo dina de infames vitupérios;

Chamam-te Fama e Glória soberana,

Nomes com quem se o povo néscio engana!

Nos tempos que correm, os primeiros não abundam e os segundos andam por aí a encantar serpentes e a cantar loas a um tempo que já não volta. O Velho do Restelo tem como única e real esperança ser ouvido e, com um pouco de sorte, ser escolhido para liderar na última e derradeira batalha que, profeticamente, avisa estar já perdida antes mesmo de começar.

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