terça-feira, março 20, 2007

Coração de Pedra



Hoje vinha escrever um post com "pés e cabeça", mas não consigo. De modo que, por amanhã ser Dia Mundial da Poesia e ser também o aniversário da TUCA - 13 anos - deixo, apenas, a fotografia que a Célia Machado, mais uma vez, gentilmente me cedeu e um poema para celebrar amanhã e não (ter que) dizer mais nada...

»A minha rua é longa e silenciosa como um caminho que foge
E tem casas baixas que ficam me espiando de noite
Quando a minha angústia passa olhando o alto.
A minha rua tem avenidas escuras e feias
De onde saem papéis velhos correndo com medo do vento
E gemidos de pessoas que estão eternamente à morte.
A minha rua tem gatos que não fogem e cães que não ladram
Tem árvores grandes que tremem na noite silente
Fugindo as grandes sombras dos pés aterrados.
A minha rua é soturna…
Na capela da igreja há sempre uma voz que murmura louvemos
Sozinha e prostrada diante da imagem
Sem medo das costas que a vaga penumbra apunhala.
A minha rua tem um lampião apagado
Na frente da casa onde a filha matou o pai
Porque não queria ser dele.
No escuro da casa só brilha uma chapa gritando quarenta.

A minha rua é a expiação de grandes pecados
De homens ferozes perdendo meninas pequenas
De meninas pequenas levando ventres inchados
De ventres inchados que vão perder meninas pequenas.
É a rua da gata louca que mia buscando os filhinhos nas portas das casas.

É a impossibilidade de fuga diante da vida
É o pecado e a desolação do pecado
É a aceitação da tragédia e a indiferença ao degredo
Como negação do aniquilamento.

É uma rua como tantas outras
Com o mesmo ar feliz de dia e o mesmo desencontro de noite.
É a rua por onde eu passo a minha angústia
Ouvindo os ruídos subterrâneos como ecos de prazeres inacabados.
É a longa rua que me leva ao horror do meu quarto
Pelo desejo de fugir à sua murmuração tenebrosa
Que me leva à solidão gelada do meu quarto...

Rua da amargura…»





Vinicius de Moraes, "Rua da Amargura" Rio de Janeiro, 1933, in O caminho para a distância, Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá Mariana,

Obrigada pelos comentários por ali e acoli.

Hoje também estive pouco inspirada mas é normal.

Não sei ainda se vou ir a Santo Amaro, este ano. Se tiver possibilidades avisar-te-ei.

Beijinhos

Anónimo disse...

ok. fico à espera! :)
Bejins