quinta-feira, janeiro 04, 2007

Poema para ler devagarinho



E havia muita gente nas janelas.
Pessoas, que, sem cair, eram de chuva miudinha.
Pessoas como flores nos campos verdes,
Presas pelas suas raízes ao bater do coração da terra.
Pessoas de ás e de bês; gentes em quem morava, por gosto,
Um olhar parado de areia, cumprindo a sua função imóvel
De velar pelo mar.

E havia muita gente pelas portas.
Sombras.
Gentes nas chaminés como se no alto tivéssem ninhos
E dentro deles mais gente. Gentes de acentos agudos
E mãos circunflexas e braços que mais pareciam tiles ou virgulas
Sempre que, na agitação do tempo, rolava mais uma dessa gente
Para o meio das reticências…

À noite quando chegamos não havia ninguém nas ruas
E os passeios lembravam sílabas ou vogais arredondadas
De espanto. Sibilantes como sussurros.
Dizem, que veio uma tempestade de objectividade
E, num ápice, matou-lhes a mãe.

E hoje já não havia ninguém em lado nenhum;
E entramos nas casas vazias de alguém;
E pusemos os pés em cima de exclamações que não se mexeram
E de interrogações que nem piaram…Choramos a morte dos sinais.

Havia, porém, de certeza, algures
Carpideiras a enterrar a poesia dos dias;
Como quem desmancha um terço, conta a conta…

(Há pássaros a morrer no meu quintal
Caindo como chuva, morrendo como a espuma
De um Mar que se esqueceu de voltar à sua areia…)

E não tentamos ficar. Porque não soubemos permanecer
Como a gente que não cai e é de chuva…

(Agora já é tarde)

3 comentários:

Paula disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Paula disse...

Será?

Anónimo disse...

Sim. Talvez.