"Destas ruas que afundam o poente
Há uma (não sei qual é) que percorri
Pela vez derradeira, indiferente
E onde, sem pressentir, me submeti
A Quem decreta omnipotentes normas
E uma secreta e rígida medida
Aos sonhos, às penumbras e às formas
Que destecem e tecem esta vida
Se para tudo há fim, há esquecimento
E um preço e nunca mais e última vez,
Quem nos dirá de quem neste aposento
Nos despedimos, sem saber talvez?"
Jorge Luis Borges
In Obras Completas II (O Outro, O Mesmo, 1964)
"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
segunda-feira, agosto 29, 2005
domingo, agosto 28, 2005
sexta-feira, agosto 26, 2005
Há tantas coisas que falam ao mesmo tempo*
Fotografia Amaro de Matos
Um risco na janela anunciado pelo movimento rápido do gato Pluma, que herdámos no Natal passado, quando viemos, de um vizinho emigrado para a Venezuela, faz-nos despertar do jogo de monopólio.
Afinal nada. Só o vento que chocalha as roupas na linha; camisas penduradas pelos pulsos, calças pelas barrigas e dois ou três pares de meias presas pelos dedos. Na horta, selvaticamente, crescem dois ou três pés de malagueta, mais umas couves e meloas para consumo interno, da casa, de nós todos, que a habitámos uma vez, ou duas, por ano. Permanecemos, como há anos, inquietos na nossa função de família, distraídos pela ocasião deste rebuliço de afectos, onde, sem disputas, dividimos hotéis na cidade de Lisboa, mas não abdicamos do nosso lugar à mesa.
Aqui [há tantas coisas que falam ao mesmo tempo] … quase impossível descrevê-las. Descodificar o sentido puro com que nos dizem coisas as coisas todas. Os barcos pendurados na parede, a fotografia do Benfica ou a estante coberta de vasos de flores. Lá fora uma mesa grande de plástico branca rodeada de cadeiras. Os nossos braços e as nossas pernas cheios de passeios pelo campo, abaixo e acima nas ruas, a maré cheia, o vazio do sofá vermelho, a porta de rede desmontada, velha, encostada à mesa, a porta da cozinha bege e as nossas alturas marcadas na ombreira da porta, dizem-me: tiveste 1 metro e pouco, correste nestas ruas, nadaste naquela maré, abriste e, poucas vezes, fechaste a porta, caíste ao mar, choraste. E dizem-me: a mesa branca é para encher de gente e os lugares de cada um para ocupar por cada um, na sua vez.
Os pássaros permanecem pendurados nas rochas. Ano após ano.
Ao longe passam barcos. Muitos. Cá dentro temos barcos. Alguns. Em terra e secos. Molhados de abandono. [há tantas coisas que falam ao mesmo tempo]
As janelas são de abrir para cima e a antena da televisão precisa de conserto. O tapete da sala não se anima. Está velho e gasto pelos nossos pés…
Durante muito tempo fomos muitos.
Não há versão do tempo que me chegue…
* verso do poema " Esconderijo" de Gonçalo M. Tavares
Um risco na janela anunciado pelo movimento rápido do gato Pluma, que herdámos no Natal passado, quando viemos, de um vizinho emigrado para a Venezuela, faz-nos despertar do jogo de monopólio.
Afinal nada. Só o vento que chocalha as roupas na linha; camisas penduradas pelos pulsos, calças pelas barrigas e dois ou três pares de meias presas pelos dedos. Na horta, selvaticamente, crescem dois ou três pés de malagueta, mais umas couves e meloas para consumo interno, da casa, de nós todos, que a habitámos uma vez, ou duas, por ano. Permanecemos, como há anos, inquietos na nossa função de família, distraídos pela ocasião deste rebuliço de afectos, onde, sem disputas, dividimos hotéis na cidade de Lisboa, mas não abdicamos do nosso lugar à mesa.
Aqui [há tantas coisas que falam ao mesmo tempo] … quase impossível descrevê-las. Descodificar o sentido puro com que nos dizem coisas as coisas todas. Os barcos pendurados na parede, a fotografia do Benfica ou a estante coberta de vasos de flores. Lá fora uma mesa grande de plástico branca rodeada de cadeiras. Os nossos braços e as nossas pernas cheios de passeios pelo campo, abaixo e acima nas ruas, a maré cheia, o vazio do sofá vermelho, a porta de rede desmontada, velha, encostada à mesa, a porta da cozinha bege e as nossas alturas marcadas na ombreira da porta, dizem-me: tiveste 1 metro e pouco, correste nestas ruas, nadaste naquela maré, abriste e, poucas vezes, fechaste a porta, caíste ao mar, choraste. E dizem-me: a mesa branca é para encher de gente e os lugares de cada um para ocupar por cada um, na sua vez.
Os pássaros permanecem pendurados nas rochas. Ano após ano.
Ao longe passam barcos. Muitos. Cá dentro temos barcos. Alguns. Em terra e secos. Molhados de abandono. [há tantas coisas que falam ao mesmo tempo]
As janelas são de abrir para cima e a antena da televisão precisa de conserto. O tapete da sala não se anima. Está velho e gasto pelos nossos pés…
Durante muito tempo fomos muitos.
Não há versão do tempo que me chegue…
* verso do poema " Esconderijo" de Gonçalo M. Tavares
quinta-feira, agosto 25, 2005
DANSA
segunda-feira, agosto 22, 2005
quarta-feira, agosto 03, 2005
Pico
Pode escrever-se um poema com basalto
com pedra negra e vinha sobre a lava
com incenso mistérios criptomérias
e um grande Pico dentro da palavra.
Ou talvez com gaivotas e cigarros
cigarras do silêncio que se trilha
sílaba a sílaba até ao poema que está escrito
lá em cima no Pico sobre a ilha.
Manuel Alegre
"Roubado" daqui
com pedra negra e vinha sobre a lava
com incenso mistérios criptomérias
e um grande Pico dentro da palavra.
Ou talvez com gaivotas e cigarros
cigarras do silêncio que se trilha
sílaba a sílaba até ao poema que está escrito
lá em cima no Pico sobre a ilha.
Manuel Alegre
"Roubado" daqui
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