terça-feira, outubro 30, 2012

País de "quenhés"

Li no Domingo umas declarações de Maria de Lurdes Rodrigues, a propósito da conferência “Portugal e o Holocausto – Aprender com o Passado, Ensinar para o futuro” nas quais defende que não se deve ceder “à tentação de transformar estas questões em matérias curriculares” e que elas (as questões) “devem ser tratadas no espaço de desenvolvimento de cidadania ou de projectos”. Ora, as declarações não me chocam. É “muito portuguesinho” essa tentação de menosprezar o que não nos diz tão directamente respeito e, em vez de se ensinar nas nossas escolas o que foi o Holocausto (quando até há quem defenda o risco de haver um 2º) se opte por insistir em ensinar “Os Lusíadas”, “A farsa de Inês Pereira” ou, por exemplo, “A Mensagem”. Sem querer ofender ninguém e tentando desenvolver um raciocínio a propósito, digam-me se não acham que se nos tivessem ensinado desde o início (como bem ironizou António Lobo Antunes em “As Naus”) que D. Sebastião, pelo qual há portugueses que ainda desesperam, não passava de um jovem loiro e mimado, coberto de pulseiras de cobre e latão, com os dedos a sair pelas sandálias gastas, tudo, em nós, era hoje muito mais fácil de entender neste país de “quenhés” (quem és)? Claro que era! Os jovens e as crianças portuguesas estudam Afonso Henriques. Para a maior parte deles e delas, essa figura é quase uma espécie de actor de filme de espadas de Domingo à tarde ou personagem de jogo de computador. Os jovens e as crianças portuguesas são obrigados em vários níveis de ensino a estudar “Os Lusíadas”, a saber as personagens, a perceber o fanatismo disso de ser português contado em verso por alguém cuja característica mais curiosa, para eles, é ter um olho tapado. Os jovens e as crianças portuguesas são obrigados a ler de “fio a pavio” a “Mensagem” de Fernando Pessoa sem nunca terem conhecido o Portugal futuro que essas páginas inspiram. E não devem estudar o Holocausto como matéria curricular? Não pode ser. Muito menos pode ser por ser, como também diz a notícia, citando a Presidente da Associação dos Professores de História, “um tema difícil de ensinar”. Em que é que o Holocausto é mais ou menos difícil de ensinar a uma criança ou a um jovem português do que a invasão da Península Ibérica pelos mouros? Até me parece – que infelizmente – face ao mundo em que vivemos o Holocausto é mais fácil de ensinar ou de explicar do que os gloriosos feitos dos heróis das ilhas dos amores, portugueses da cabeça aos pés... A maior parte das crianças que ouve essas histórias, habituada que está a ouvir os pais em casa a falar dos seus problemas, ou a senti-los mesmo, há-de desejar ver porta dentro “El-Rei D. João II” para resolver tudo o que corre mal, "mestre D´Avis" ou a "Amália"! Neste “país de quenhés” afogado à beira-mar com os portugueses cada vez mais arruinados, dos mais jovens aos mais velhos, alimentando uma cáfila de políticos sem preparação que arruínam, passo a passo, o “Estado Social” não é o Holocausto, transformado em cartaz de cartolina para pregar no fundo da sala, com imagens de Auschwitz que vai trazer às nossas crianças a melhor das lições sobre o assunto... As crianças e os jovens deste país precisam de perceber que depois de Camões escrever “Os Lusíadas”, ou Fernando Pessoa “A Mensagem”, houve Alexandre O´Neill que escreveu “O Queixobiqueira” e houve Hitler, que não sendo escritor, mandou escrever nos campos de concentração “Arbeit macht frei”. Talvez assim, quando forem crescendo, possam perceber melhor o que quis dizer Vítor Gaspar, quando dirigindo-se aos pais, tios, avós e irmãos mais velhos deles, num dia de Outubro de 2012, disse “Há um enorme desvio entre o que portugueses querem do Estado e o que estão dispostos a pagar”… Quase gritou um “Arbeit macht frei” à portuguesa num outro tempo, que a história há-de vir a relembrar e a contar, facto a facto, para ninguém se esquecer. Ou duvidar. Serenamente, Açoriano Oriental, 30 de Outubro de 2012

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