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Podíamos ter sido, se calhasse, outra coisa. Feitos de uma outra carne, que não doesse tanto, ter que espernear, de quando em vez, corar de esforço, regatear, mas somos isto; esta glória audaz que não exagera no tom, que não se converte em balbucios e que reage, não a metro ou por mandato, mas a impulso. Temos sido, algumas vezes, desrespeitados nos nossos quereres; muitas vezes maltratadas as nossas vontades, mas a nossa vantagem, em relação a outros, reside na forma e na circunstância como estamos. A cada golpe que levamos, resistimos. A cada afronta que enfrentamos, batalhamos e nunca, em momento algum, seremos menos por isso. Somos sempre muitos mais. Imensos, muitos, espalhados por todo o lado; imbuídos de um querer cheio; motivados pela crença na terra, acima das expectativas banais e dos caminhos da vontade para superar os espelhos da Branca de Neve.
A glória do meu Povo é esta: ser sempre a tempo o que do tempo se espera; ter deste tempo a lúcida memória do passado e ver, com olhos abertos e amiúde fiscalizados, o que não falte à alma, para sustento do coração. Seremos sempre e, muitos mais. Ampliados, além-mar, cruzando fronteiras, ultrapassando obstáculos, correndo sempre pela nossa Terra. Haverá, alguns, por certo, que enfiados em redomas de plástico, riscadas pelo passar das luvas brancas dos “cozinheiros”, ditos oficiais; se tentem esquecer dessa fibra de que somos feitos, desse enorme, cheio, mas não exagerado amor à terra; aquele “apego” de que falava Nemésio, com dupla graça, no tom com que o declamava e no modo como o empregava. Não nos rendemos ainda; não nos deixamos levar nos braços dos que, por inércia ou opção, se deixam corroer pela promessa de um novo destino, mesmo que para isso, tenham que vender a própria alma açoriana, a troco de um passe doble político, que é como quem diz: uma gincana de argumentação barata e inadequada ao tempo e aos modos. Sabemos de cor o cheiro do Inverno; as mãos a passar que não tocámos, as que vimos e não abraçámos e as outras todas que são, exactamente, o contrário disto que acima escrevi. Seremos uma nuvem em passagem, a plenitude de uma manhã enfeitada de girassóis amarelos, as formigas correndo nos carreiros apressados das ruas, a misericórdia em forma de gente. Sejamos o que formos, aqui, no Canadá, nos Estados Unidos da América, no Brasil, em qualquer uma das nove ilhas, ou qualquer outra parte do mundo, seremos sempre e mais isto. Eis pois como nos vejo: um povo intenso, imenso, incolor, um povo que de tanta transparência chega a tomar como sua, a vontade de partir e chegar sempre a qualquer outro lado, onde se veste de luz e é, em pura e plena palavra, açoriano. Sem mais nem menos. Como se fossemos de repente, a coisa que acontece por milagre.
Quem o não for, ou não quiser sê-lo, que me perdoe a impressão. Não deixando de ser só isso, não tem preço. “ (…) Pois fica-se sabendo que da espuma do mar sai gente e amor também. (…) ” (Vitorino Nemésio). E é de amor e de apego que se fala neste texto. Uma homenagem com orgulho.
14 comentários:
Como pode a Assembleia Regional conviver com a ideia de que não existe oficialmente "um povo Açoreano"?
Para mim existe. Um povo não se faz por catálogo. :)
Chamas catálogo á Constituição?
Vou repetir, como pode existir um povo se não é reconhecido como tal?
Não, não chamo catálogo à Constituição. O que digo é que o povo açoriano, para mim, existe, independentemente de ser reconhecido ou "catalogado", como tal...
Mariana com esta malta eu salto, eu pincho.
Perante a beleza da tua alma açoriana eu inclino-me.
Ser assim, como tu és, seja o que for é muito bonito. Ver e descrever o mundo através do belo da palavra é um pervilegio que eu invejo, mesmo adivinhando que às vezes, aos portadores do belo, a vida parece feia.
Parece que estamos de acordo, também eu defendo a ideia de Povo Açoriano" contráriamente a parte dos nossos Deputados que tem o mesmo discurso e depois alinham com Lisboa.....enfim estão bem com Deus e o Diabo ao mesmo tempo.
Pois eu cá não penso assim.
Povo que é povo é o Povo Português, o açoriano é apenas uma variante da espécie, e como tal apenas devérá ser protegida.
E Povo que é Raça publica tudo (inclusive os meus comentários, que até são profundos e respeitadores).
E desta vez não assino, pois não me apetece.
Pois cá eu, como Açoreana, gostaria imenso de saber quem é esta espécie que aparece anónima aqui em cima.
Mais, quero aplaudir aqui a não publicação dos comentários desta espécie.
Se esta coisa realmente fez comentários e não foram publicados, algum motivo haverá para tal acontecer. E é bom que a espécie venha aqui reclamar. Ficamos todos a conhecer-nos melhor.
E, pela minha parte, com ainda mais respeito por este blog.
Parabens, Mariana ! Este texto está soberbo.
E ... " TENHO PENA DE QUEM NÃO É AÇORIANO " !
E acha-se ele "profundo e respeitador"...só tenho pena que não se identifique.
Tenho para mim que entre "A Tal" e o anonimato existem uma grande incógnita.
Entre este anónimo e a "dona" deste blog existe um entendimento democrático, embora nem sempre profícuo.
Quanto ao "Povo Açoriano", atrevo-me a dizer que mais importante será exercermos bem a nossa cidadania enquanto povo português, que todos somos.
Bolas, desde que fui à RIAC fazer o cartão de cidadão deu-me para isto.
Não entendo essa do "entendimento democrático"!?
Eu também não, mas "alevá"...
Pois meu caro anónimo, a diferença entre mim e a sua espécie, é que a dona do blog sabe quem eu sou ... Será que sabe quem você é ? Não deve saber, dá-me a impressão que nem você mesmo sabe de si ! Há espécies assim.
E não me venha dar lições de "Portugalidade", já sou velha para isso, já vivi muito, canto o Hino Nacional há muitos anos, mas, como Portuguesa, primeiro sou Açoreana ! E você, o que é ?
P.S.: E vá aprender a escrever .... usou um tempo de verbo errado no seu comentário ! A seguir, à boa maneira Micaelense : "Vá-se catar !"
TENHO PENA DE QUEM NÃO É AÇOREANO !!! AHAHAHAHAH !
Minha cara "a tal" li com muita atenção todos os comentários aqui publicados ( e os não publicados), e lamento, mas tenho de concluir que a senhora não só se picou, como usou palavras e expressões «de baixo nível» (citando-a) para um blog que se quer, e se pretende que continue, com os mais elevados padrões de qualidade.
Só não a mando "catar" para não descer ao seu nível.
Quanto às questões de "Quem conhece quem?", "Quem é amigo de quem?", nos blogs como na política convém sempre ter os amigos pertos e os inimigos ainda mais perto.
Cara Mariana escreva como e o que quizer,
lê quem quer e entende como quer
comenta quem não tem o que fazer,
publique o que bem entender.
A isto chama-se "Entendimento democrático".
"Alevá"
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