segunda-feira, dezembro 29, 2008

Óscares

José Manuel dos Santos olhou, aflito, as estrelas. De todas as que via nenhuma tinha vírgulas, assentos de expressão; um rasgo no olhar; um ar que entremeasse a vista e o alcance; travessões que lhes apoiassem a existência; um ponto e vírgula abraçados; palavras caídas e empastadas, partidas e desengonçadas, roubadas e desenhadas, traídas e despedaçadas, solenes e demoradas, gritadas e faladas, não houve uma, uma só, que sobressaísse no desfilar de vestidos brilhantes. Apagou a televisão.

Tirou dos bolsos os lápis de cor.

Desenhou na parede uma chaminé; na chaminé um sapatinho, no sapatinho um rebuçado, no chão ao pé do lume da chaminé, que também desenhou, um menino e uma mãe. Na mão do menino a mão da mãe. Nas outras mãos, que eram duas, uma estrela em cada uma. Chamou ao desenho: verdadeira noite de Óscares.

(E foi-se deitar com medo das represálias).

1 comentário:

Maria das Mercês disse...

Esta estória faz todo o sentido! Muito bem escrito, muito belo!