Se alguma coisa o cidadão comum deve exigir dos poderes e dos partidos políticos é coerência.
Neste momento, que pressuponho histórico, em que se discute a aprovação de uma proposta de revisão do Estatuto Político Administrativo dos Açores, o nexo e o senso parecem-me mal distribuídos por alguns representantes da classe política nacional e açoriana.
A tendência para a partidarização tosca e mesquinha do Estatuto dos Açores e a consequente ideia de partidarização da Autonomia são, parece-me, meio caminho andado para que o cidadão entenda que os interesses dos Açores, e os seus próprios, tenham sido menos obra nossa e mais fruto de um certo acaso, resultante da intriga entre poderes e entre políticos.
Pouco interessa a quem vive, trabalha e luta nestas e por estas ilhas que a comunicação de Sua Excelência o Presidente da República aos portugueses se tenha revelado numa fantasia pirosa e numa perturbação social absolutamente grotesca. Sua Excelência tem esse privilégio político da comunicação suspensa, que é dele, e até tem outros que sendo ou não constitucionais lhe permitem proibir, por exemplo, a circulação no espaço aéreo próximo da sua residência no Algarve ou convocar um batalhão de policias para segurança pessoal numa festa de aldeia. A mim, açoriano e micaelense, natural da remota “república da água azeda”, cabe respeitar o direito à segurança, ao descanso e ao merecido lazer do mais alto dignitário da Nação. Agora, o que eu sei é que naquela paternal invençao de desconsolo ao País, Sua Excelência não apenas referiu que oito normas do Estatuto Político Administrativo dos Açores eram inconstitucionais, e por isso a alterar pelos poderes legislativos. Evidenciou e sublinhou, também, que outras quatro, de índole e visão política presidencial e cunho centralista pessoal, deveriam ser atendidas, não em nome de um pseudo-equilíbrio de poderes, mas sim pela supremacia de um poder, o dele, sobre todos os outros.
Ora, neste contexto e neste momento que, repito, julgo históricos, vejo já alguns representantes do povo na Assembleia da República e na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, socialistas, social-democratas e outros, armados em ananases de estufa e tão dispostos a corrigir as inconstitucionalidades do Estatuto como a curvar a cervical na fuga ao conflito com a Presidência da República.
Penso que se alguma diferença existe entre a decisão política consciente e a opção banal na escolha de uma empresa de mudanças, tal diferença reside, no primeiro caso, na defesa arrojada, corajosa e justa dos interesses dos eleitores. No segundo caso, a preocupação fica-se pelos cuidados a ter com o verniz dos móveis ou com o seguro dos cristais...se os houver.
Se a actual proposta de Estatuto foi aprovada por unanimidade nos parlamentos nacional e regional, se não se tratou, de facto, de uma simples mudança na mobília, se a ideia, como acredito, não foi lançar paranhos às vistas dos açorianos, então exige-se coerência para com as decisões já tomadas, pede-se dignidade para com os eleitos e reclama-se carácter nas instituições. Porque nem a Autonomia se faz fechando os olhos à luta, nem o Estatuto Político Administrativo dos Açores pode ser um eterno pessegueiro constitucional, por mais que convenha ao comodismo partidário e por mais que o entenda o centralismo tacanho de Sua Excelência o Presidente da República.
4 comentários:
Bom texto e boa visão!
"ananazes de estufa!"
"eterno pessegueiro constituciona!"
"Centralismo tabanco de Sua Exa.!"
Que combinação! Que Bonito! Que Galante!!!
Errata : Centralismo tacanho de S.Exa.
Boca Santa! É isso mesmo.
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