Um homem hoje tem de saber de antemão onde botar os pés. Há sempre um compadre à espreita, de língua afiada e veleiro de caneta que, mal a gente trambique nos tamancos, ele estende de pronto a biqueira fina do seu sapato para nos ajudar no trambolhão. E o pior, pior é que o corisco é criatura de estudos, rapaz de outros meios que forte com a minha fraqueza começou logo numa arenga comigo só porque eu pedi “coerência” aos políticos. Foi tudo por causa disso… Mais nada!
Ora, no meu fagueiro entender e julgando que os políticos, quer se dizer, os deputados, são gente como a gente, esse palavra cara da “coerência” era só para dizer que um homem que se preze, tal como meu pai que foi carpinteiro me ensinou, deve ter uma certa coisa, como é que eu hei-de dizer… Uma certa carreirinha, assim como se fosse um atilho a que se amarra numa ponta o que se diz, na outra o que se pensa e ao meio faz-se dois nós cegos, bem apertados, para engatar o que se sente e o que se faz. Não sei se me fiz perceber…? Lá no fundo, tenho cá na minha que o que meu pai me queria dizer era que se deve fazer as coisas da maneira a que a gente se respeite a nós próprios e acredite que é o melhor e o mais justo para os outros. Aquilo era só para lembrar que um homem não é só corpo e paleio, é também alma e pelo menos uma pisca de dignidade que o leva a decidir conforme, e não contra, a realidade. A gente sabe todos que há deputados que ainda pensam – poucos - outros que falam sem pensar – estes são mais - e há ainda aqueles especialistas no meneio da cabeça e na leitura de votos de louvor ou de pesar – estes são mais do que um magote de coriscos. Meu compadre, que já por lá andou, sabe bem o que eu estou dizendo, mesmo sem fazer ameaços.
É claro que essa coisa da “coerência” tem um bocadinho a ver com o berço e com os cueiros da nossa educação e não atafulha, nem por sombras, que um homem mude de ideias e de opinião, desde que para coisa melhor e, bem entendido, de justa causa, lá está, de “coerência” e não de conveniência.
Eu sei, até pela boca santa de meu compadre que o povo sábio fala que “só não mudam de opinião os burros” e também sei que meu compadre diz que quando os socialistas mudam de opinião, mesmo sendo pela Autonomia, são troca-tintas e serôdios, porque os temporãs se julgam donos dela. Pois é levar… Mas isso nem sequer é incoerência, não senhor. O povo é o povo e meu compadre é o meu compadre, já foi deputado e daí poder e saber mandar às malvas os atilhos, barbantes e amarrilhos que nos prendem a esta coisa tosca e inútil que parece ser a consciência.
Incoerência, incoerência, daquela de arder, mesmo de ferir lume, é o meu rico compadre na primeira metade de um minuto dizer que está “totalmente de acordo” com o meu texto e nos restantes trinta segundos não consentir em nada com o que está lá escrito.
Fogotabrase mais à "coerência" na política, que ficando eu sem saber o que ela vale, o melhor mesmo é deixar de saber o que ela é.
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