imagemEste ano e, curiosamente, contrariando o que aconteceu nos quatro anos anteriores, houve por parte da Câmara Municipal de Ponta Delgada, uma necessidade maior de fazer vingar a ideia de que as Festas do Espírito Santo, organizadas pela edilidade, são uma tradição. Por entre os meandros das reais intenções dessa insistência transparece uma fachada de espiritualidade, que me impressiona e intriga. Não esqueço, contudo que haverá, por certo, quem, levado pela fé (que não questiono) tê-las-á vivido como mais um momento de partilha e comunhão de sentimentos. Mas, na mesma medida e, por causa dessas mesmas pessoas, que respeito, não posso também, deixar de protestar veementemente, por mais sensatez e nobreza, no tratamento desta tradição do povo a que orgulhosamente pertenço.
As festas do Espírito Santo, as grandes festas de Ponta Delgada não são tradição coisíssima nenhuma! São espectáculo! São um aproveitamento propositado da espiritualidade de alguns para benefício de outros. Revelam uma atitude irresponsável e inqualificável. Ora, se dúvidas houvessem, olhe-se para as faixas colocadas nas paredes da Câmara, durante os dias da festa; olhe-se para a coroa sempre enorme, disforme, cheia de luzes, traduzindo, sem rodar, nem tocar música, mas só olhando para ela, uma espécie de “Futebol Espectáculo”. Pois bem, as tradições, às vezes, até dançam e balançam. Mas, neste caso, por mais voltas que se queira dar e rodas que se queira fazer, não há “pisca pisca” que lhes valha. Não são Tradição. Não falo de devoção, por respeito, mas não aceito e era isso que queria deixar hoje aqui escrito, que alguém ou alguns, por razões puramente propagandistas, queiram por força de sabe-se lá o quê, tomar uma Tradição, que é de todos os açorianos e reinventá-la, sem nenhum pudor.
Lamento, mas a vantagem de ser mordomo todos anos, mudando apenas a cor do fato; levar a coroa no procissão, fazer quartos do Espírito Santo, na própria Câmara Municipal, distribuir fatias de massa e fazer umas Sopas para distribuir ao povo, qual Rainha Santa Isabel, mesmo que repetindo o gesto cinco anos seguidos, não transforma ninguém, por mais fortes intenções, que tenha, em “alva pomba”.
Na vida real, as bênçãos de amor não estão ao alcance de todos. Por mais meiga que queira parecer ser a aparição. E, enquanto assim for, não há aproveitamento sem escrúpulos, que substitua a Tradição. Nem notícia que valha por centenas de coroações e mordomias que acontecem em centenas de lugares nos Açores e nas comunidades, há décadas e décadas. Muito menos, estou em crer, a devoção, seja de quem for, seja pelo que for…
A Tradição de que se fala é pois uma falácia!
E aqui se prova que, como diz o ditado, pode enganar-se alguns durante algum tempo, o que não se consegue é enganar-se todos para sempre. Para lá vamos.