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Na procissão queria ir de vermelho, com uma pomba pendurada ao pescoço e uma coroa luminosa na cabeça, mas a mãe e as tias acharam melhor não. Então, pensou ir na filarmónica, a tocar um instrumento, tipo pratos, mas depois de 2 minutos de ensaio, já lhe doíam os pulsos. Tentaram que ele levasse o estandarte, mas não aguentou o peso. Então ofereceu-se para servir às mesas das sopas do Domingo, mas enquanto ensaiava com os colegas a maneira de pegar nas terrinas, partiu quatro, que eram do património da casa do povo. No coro da igreja correu o risco de ser expulso, quando um dos seus “alva pomba” mais estridentes ia partindo os vidros da porta principal; ajudar na missa era um papel demasiado pequeno para um Fífia como ele; escuteiro também não podia ser, porque não tinha calções, nem fazenda para as tias e a mãe lhos fazerem. Estava triste, não havia maneira de descobrir uma forma de participar na festa; uma só que não fosse muito exigente, que não o obrigasse a vestir uma farda ou a andar de roda da freguesia, carregando açafates com bolos para distribuir às pessoas e depois ter que sorrir ou ter que dizer boa tarde e elas no retorno: olá como estás e essas coisas sempre chatas, com que um Fífia como ele não devia desperdiçar tempo. Os primos convidaram-no para distribuir pensões, mas não quis; ter que saltar para uma caixa de uma carrinha, aqueles foguetes todos a rebentar, de repente sujar as mãos com sangue de carne de vaca e mais miolos de pão de massa sovada e depois levar a bandeira para o menina beijar e tornar a ter que sorrir e acenar e as pessoas paradas nas ruas a ver passar, uma chatice a que um Fífia não tem que se submeter. Então pensou, pensou e lembrou-se que se podia oferecer para ir mexer o arroz naquelas panelas grandes e por a canela nos pratos, mas também acabou por não ir, porque se enganou nos testes, que as tias entenderam fazer em casa para treiná-lo e no lugar de canela, pôs pimenta moída e a mãe esteve, dois dias, sem se levantar da cama, com dores de barriga. Estava visto: na cozinha nem pensar ou partia as coisas ou fazia asneira. Na igreja nenhum dos serviços lhe servia. Na procissão não. Demasiado comum para um Fífia. Tentou a quermesse, mas não era bom a enrolar as rifas, os papéis saltavam-lhe dos dedos e rasgavam-se. Tentou aprender a arrematar, mas não tinha voz suficientemente colocada para isso; folião não conseguia aprender o ritmo; para integrar o rancho folclórico também não tinha jeito. Acabou por desistir. Triste, deambulando pela casa de vela na mão, o Fífia confessou às tias e à mãe, que apesar de todas as tentativas sérias e arriscadas das últimas semanas para participar na festa, o que ele queria mesmo, era que ficasse entre a população essa ideia, porque ele, por si, não queria participar nas Festas da freguesia. O que queria mesmo era que se soubesse que ele queria participar. Ser tido como participante! Isso para um Fífia como ele dava bastante. No Domingo do Espírito Santo, o Fífia não saiu de casa. E, quando os vizinhos perguntavam por ele, as tias e a mãe diziam, que estava deitado e doente por não ter conseguido participar em nada, que, talvez no 10 de Junho, já pudesse participar e elas lhe arranjassem um palanque no meio de praça para ele discursar.
4 comentários:
Coitadinho do bicho!!! Estou cá desconfiado que ele afinal só ficou de cama porque exagerou um pouco quando foi convidado a esgalhar o pãozinho e a carne na ceia dos criadores. Será?
Bem esgalhado.
Muito bem escrito. Imagens refinadíssimas. Irónico. Grande Croniqueta. Não publicas isso???
Beijos
J.
Ele não chegou a ir à ceia dos criadores. Não achou conveniente para um Fífia como ele.
Danke schön, J. :)
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