«De vez em quando percorro esse lugar qualquer.
Bato com força às portas das casas brancas.
Não ouso perguntar se ainda habitas a cidade,
o inálteravel cárcere de singelas ruas onde,
sem Lira, não querias morar.
Com violência bato às portas cegas das casas.
Grito o teu nome até que me respondas,
companheiro breve da viagem mais longa.
Agora a nossa voz é comovida e triste.
O acento local aumenta a sua dolência.
Falamos do passado e dos erros antigos.
Falamos do presente sem novidade nem alegria.
Interrogamo-nos. Desde o amanhecer até que a noite volta.
Umas vezes a esperança e outras o desalento
disputam os nossos corações.
É por isso que não sabemos como nos deter,
até que misturando-se às nossas palavras já quase imperceptíveis
desponte uma canção de despedida:
Morte que mataste Lira
mata-me a mim que sou teu
Amigo, ai como pungem os desgostos,
a memória e o arrependimento.
Morte que mataste Lira,
agora sim que és seu que te levaram
a viajar com Lira.»
Emanuel Félix, "Santos Barros Revisitado", in Habitação das Chuvas, Angra do Heroísmo, 1997.
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