segunda-feira, janeiro 07, 2008

Arquipélago

Num baú, numa caixa,
No trabalho celeste das linhas que se entornam no mundo
Nas nuvens, nas ondas, nas vagas, no tempo,
Na voz, nos anos que passam, na noção enfeitada das metáforas,
Na claríssima evidência
Das circunstâncias,
Na vela soprada dos nossos anos,
No bordado branco, no escaparate,
Na mesa de escrever sem folhas,
Na caneta sem tinta,
Na redoma onde pousamos
Os olhos para não morrer de desgosto,
No sorriso do velho do algodão doce,
Nos olhos de um peixe,
No altifalante monocórdico da rua,
Na passagem aflita dos carros,
No ranger das rodas, no espinho das rosas,
Na ferida dorida da ausência,
Nos vocábulos não ditos,
Nos sussurros que não chegam,
No redemoinho das palavras tristes,
No piscar dos olhos, no elevar das sobrancelhas,
No soluço demorado
De um lábio tremido,
Na falsa verdade,
Na mentira disfarçada de pirilampo reluzente,
No cadente voo de uma estrela
Ou na passagem de um cometa,
Na haste pontiaguda de uns óculos
No alto de uma montanha,
Na boca aberta de um cão de fila,
Na lente de uma máquina fotográfica,
Numa noite de Natal sem data,
No coaxar das rãs num lago,
No mugir das vacas,
No sotaque cantado ou fechado,
No mover das ondas, nos gestos de um músico
De filarmónica,
Na cantiga embalada,
No coxear lento, muito lento do tempo
Na demora de um segundo
Estás tu.
Tu sempre. Tu.
Sempre a aparecer
Como uma possibilidade.
No lugar majestoso do espaço que ocupas,
Nos teus movimentos bruscos,
No abrir e fechar de pálpebras,
Só tu danças
Só tu consegues mover-te
Nos olhos do mar,
Como numa plateia de nove lugares
Tu és a terra
Da gente...

1 comentário:

Anónimo disse...

LINDOOOO!!!!
J. Morais