terça-feira, janeiro 30, 2007

Mora(dia)

Ninguém mora (só) de dia. Há sempre, mesmo que por detrás das cortinas, muita gente, ainda que (só) espreitando com os narizes colados nos vidros (ou no que resta deles) a ver-nos passar.
Ninguém só mora de noite. Mora-se de dia e de noite. (E a manhã é dia?)
Moradia podia ser o dia de morar. Podíamos celebrar o dia de morar; o dia de ser das nossas habitações com a cumplicidade dos versos de um poema de rima cruzada. Ou não.
Às vezes, morar mais vezes faz falta. Demorar faz ainda mais falta. Eu, por mim, moro na minha morada há muitos anos. Inclusivamente, lembrei-me agora, que quando aprendi a escrever, a primeira morada que escrevi, foi esta. Moro aqui. Aqui tenho morada. Habitação.
“A minha casa é concha (…) Minha casa sou eu e os meus caprichos (…)" escreveu Nemésio no poema “A Concha”. “ (…) não me lembro da cor dos olhos quando olhava/ os olhos das raparigas lá de casa/mas sei que era neles que se acendia o sol (…)”, escreveu Emanuel Félix naquele que é, para mim um dos seus melhores poemas: “As raparigas lá de casa”.
Armando Cortes Rodrigues “disse”: “ E quando as sombras surgem à tardinha/Pelos cantos do lar e a casa inteira tem um ar de mistério, na maneira/ De alguma aparição que se avizinha (…) E as sombras não se vão à revelia/Antes juntas em nossa companhia, /Ficam bailando em redor da mesa.” Desde o dia 11 de Janeiro, que se abriu em Ponta Delgada, a “Morada da Escrita”. Belíssima homenagem às conchas e aos caprichos, aos olhos das raparigas lá de casa e, claro está, às sombras que, em nossa companhia, bailem “em redor da mesa”, “ Onde os olhos tocam a cal e a escura/ pedra de basalto, é a perfeição:/ a tão nobre e concreta arte do espaço – casa, praça, palácio, rua (…)”, ( excerto de Arquitectura Açoriana, do poeta Eugénio de Andrade).
Por mim moro aqui: “(…) sem ambição maior que o livre Espaço”, ensinou-me o poeta florentino: Pedro da Silveira (verso de Soneto de Identidade).

Nota de Abertura, Suplemento de Cultura, publicado hoje, dia 30/01, no jornal Açoriano Oriental
Colaboram na edição de Janeiro: Célia Machado, João Gil,Antero Ávila,Rui Goulart, Nuno Costa Santos, Paula Leal e Paulo Afonso

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu concordo com Unamuno quando diz:

"Tem que se sair de casa para melhor querê-la e apreciá-la; os que se encerram em casa é mais para molestar aos seus e por falta de valor para lutar com os de fora"

Anónimo disse...

não percebi a relação.

(Res)Sentimentos disse...

O Suplemento de hoje estava fantástico, como sempre. Mas hoje teve um sabor especial!... :)

Paula disse...

Ó menina Res-sentimentos FOI DA MINHA FOTOGRAFIA não foi? Ahah!
Doc curti bué o suplemento, como sempre! Tás de parabéns todas as vezes, mas "caçar" o João Gil p escrever umas coisinhas, foi de mestre!
Não queres convencê-lo a vir actuar na minha festa de anos??
Prometo não ocupar muito o microfone na minha brilhante actuação no karaoke!
Beijinhos grandes

(Res)Sentimentos disse...

Ó doc Paula, claro que a sua fotografia tb ajudou! :) Mas sabemos bem que a doc Mariana deu um golpe de génio! ;)
Bjinhos