quarta-feira, dezembro 06, 2006

Citação (importante)

«(...) Simon de Beauvoir: E voltando ao Prémio Nobel, a que foi então a mais escandalosa das suas recusas, a que foi mais conhecida, a mais comentada?
J.P.Sartre: (...) O Prémio Nobel consiste em dar um prémio todos os anos. A que corresponde esse prémio? Que significa um escritor que recebeu o prémio em 1974, o que quer isso dizer em relação aos homens que o receberam antes, ou áqueles que não o receberam mas que escrevem como ele e que são, talvez, melhores? Que significa esse prémio? Pode-se dizer verdadeiramente que no ano em que mo deram eu era superior aos meus colegas, os outros escritores, e que no ano seguinte foi outro que o foi? Devemos verdadeiramente considerar a literatura desta maneira? Como pessoas que são um ano superiores, ou então que o são há muito tempo, mas que serão reconhecidas nesse ano como superiores? É absurdo. É mais do que evidente que um escritor não é alguém que, num dado momento, é superior aos outros. Ele é igual aos melhores, quando muito. E «os melhores» continua a ser uma fórmula errada. Ele é igual áqueles que fizeram realmente bons livros, e além disso é-o para sempre. Fez aquela obra, talvez cinco anos antes, talvez dez anos antes. É preciso qualquer coisinha nova para que nos dêem o Prémio Nobel. Eu tinha publicado Les Mots; eles acharam aquilo válido e deram-me o prémio um ano depois. Para eles, aquilo dava um novo valor à minha obra. Mas deveremos concluir daí que, no ano anterior, quando eu não tinha publicado essa obra, valia muito menos? É uma noção absurda; essa ideia de colocar a literatura em hierarquia é uma ideia completamente contrária à ideia literária, e pelo contrário perfeitamente conveniente para uma sociedade burguesa que quer integrar tudo. (...) E foi por isso que eu recusei o Prémio Nobel, porque não queria de maneira nenhuma ser considerado como um igual a Hemingway, por exemplo. Gostava muito de Hemingway, conhecia-o pessoalmente, tinha ido vê-lo a Cuba, mas a ideia de ser comparado com ele, de estar numa categoria qualquer em relação a ele, estava muito longe do meu pensamento.
Há nisto uma ideia que acho ingénua e estúpida. (...)»


Excerto de Conversas com Jean Paul Sartre, incluídas na obra de Simone de Beauvoir "A Cerimónia do Adeus", ( tradução: Helena M. dos Santos), Bertrand, 2ª edição, Lisboa, 1991, pp. 233, 234.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não posso concordar mais com Sartre.
Quando penso em certo Nobel da Literatura que encheu de orgulho um país que não lê, até porque parte dele não sabe ler, e que não o merecia, mesmo comparando com outros autores seus conterrâneos.
Refiro-me naturalmente a Saramago.