«(...) Simon de Beauvoir: E voltando ao Prémio Nobel, a que foi então a mais escandalosa das suas recusas, a que foi mais conhecida, a mais comentada?
J.P.Sartre: (...) O Prémio Nobel consiste em dar um prémio todos os anos. A que corresponde esse prémio? Que significa um escritor que recebeu o prémio em 1974, o que quer isso dizer em relação aos homens que o receberam antes, ou áqueles que não o receberam mas que escrevem como ele e que são, talvez, melhores? Que significa esse prémio? Pode-se dizer verdadeiramente que no ano em que mo deram eu era superior aos meus colegas, os outros escritores, e que no ano seguinte foi outro que o foi? Devemos verdadeiramente considerar a literatura desta maneira? Como pessoas que são um ano superiores, ou então que o são há muito tempo, mas que serão reconhecidas nesse ano como superiores? É absurdo. É mais do que evidente que um escritor não é alguém que, num dado momento, é superior aos outros. Ele é igual aos melhores, quando muito. E «os melhores» continua a ser uma fórmula errada. Ele é igual áqueles que fizeram realmente bons livros, e além disso é-o para sempre. Fez aquela obra, talvez cinco anos antes, talvez dez anos antes. É preciso qualquer coisinha nova para que nos dêem o Prémio Nobel. Eu tinha publicado Les Mots; eles acharam aquilo válido e deram-me o prémio um ano depois. Para eles, aquilo dava um novo valor à minha obra. Mas deveremos concluir daí que, no ano anterior, quando eu não tinha publicado essa obra, valia muito menos? É uma noção absurda; essa ideia de colocar a literatura em hierarquia é uma ideia completamente contrária à ideia literária, e pelo contrário perfeitamente conveniente para uma sociedade burguesa que quer integrar tudo. (...) E foi por isso que eu recusei o Prémio Nobel, porque não queria de maneira nenhuma ser considerado como um igual a Hemingway, por exemplo. Gostava muito de Hemingway, conhecia-o pessoalmente, tinha ido vê-lo a Cuba, mas a ideia de ser comparado com ele, de estar numa categoria qualquer em relação a ele, estava muito longe do meu pensamento.
Há nisto uma ideia que acho ingénua e estúpida. (...)»
Excerto de Conversas com Jean Paul Sartre, incluídas na obra de Simone de Beauvoir "A Cerimónia do Adeus", ( tradução: Helena M. dos Santos), Bertrand, 2ª edição, Lisboa, 1991, pp. 233, 234.
1 comentário:
Não posso concordar mais com Sartre.
Quando penso em certo Nobel da Literatura que encheu de orgulho um país que não lê, até porque parte dele não sabe ler, e que não o merecia, mesmo comparando com outros autores seus conterrâneos.
Refiro-me naturalmente a Saramago.
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