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Foto
Danças e o mundo é azul, quando, em pontas,
desces a escada do céu para nos vir dar boa noite...
"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
A principio é simples anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no burborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se e come-se se algum nos diz bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
Olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Entretanto o tempo fez cinza da brasa
outra maré cheia vir da maré vaza
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
"Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo
Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor."
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim.
Um dia não muito longe não muito perto
Um dia muito normal um dia quotidiano
Um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada para te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?
"A vida é um encantamento tão requintado que tudo conspira para a quebrar"
Fiz-me transportar até à tua casa num carro com pneus de boa aderência. Ia seguro. Contente. O coração aos pulos, a garganta seca e a alma aos saltos davam-me uma certeza: finalmente tinhas resolvido assinar a “ficha de adesão”! Tinhas aderido ao meu pedido de casamento. A partir daquele dia, 24 de Janeiro de 2001 eras a minha mais que tudo, minha futura esposa, futura mãe dos meus filhos, avó dos meus netos.
Bati à tua porta. Toquei na campainha.
Abriste, mandaste-me entrar. Entrei. Estava nervoso e despenteado. Mandaste-me sentar e disseste: Não vou casar contigo!
Fiquei mudo. Não tinha previsto aquela ocorrência. Ao telefone, tinhas dito: a gente precisa conversar! E eu disse: Ok. Nós falamos daqui a 10 minutos.
Meti-me no carro. No porta-luvas pus o teu poema. Na folha, em baixo o teu nome assinado: Madalena. Tinhas-me escrito o poema, porque souberas do abaixo-assinado que circulava na Universidade em defesa dos animais. Era da minha autoria. Tinha tudo a ver contigo. Tu que eras defensora dos direitos dos animais. Tu, que havia dias, em que podia não haver nada para se discutir na Universidade e arranjavas logo uma palestra sobre animais. Acorriam sempre imensas pessoas.
O Anfiteatro ficava sempre superlotado.
Olhei-te olhos nos olhos, fitei-te. Meti as mãos nos bolsos. Tirei. Pus o poema de amor em cima da mesa e disse aos berros:
A gente precisa de conversar? Nós já conversamos tantas vezes! Mesmo assim vim. Meti o poema dentro do carro. Olha! Está ali posto em cima da tua mesa.
E tu disseste: Já vi. Mas isto não tem nada a ver com aquele poema. Será que pode haver alguma maneira de tu me ouvires?
Respondi gritando: Já não há. Registo esta ocorrência com desagrado. Nem abaixo-assinado; nem ficha de adesão, nem tão pouco ramos de flores. Podes esquecer que eu existo! Por ti eu dava a volta à lua num balão. Acabou-se. Volto para a minha casa no meu carro de pneus com boa aderência, triste e desalojado. Roubaste-me o meu corpo. Não contes mais comigo nas tuas salas superlotadas; para te por a mesa, quando chegas tarde, para me meter no carro e ir-te buscar. Há-de haver quem o faça no meu lugar. De hoje em frente, tudo o que fizeres não tem mais nada a ver com a minha pessoa. Saí porta fora. Ficaste a chorar. Ao teu choro estrondoso acorreu a tua mãe que do alto da janela me disse: Lamento a ocorrência, mas não há mais nada a fazer.
Em casa meti os teus pertences todos dentro de uma caixa. Colei-a com uma cola de boa aderência. Nunca mais sais daí. Agora sim estás fora da minha vida. Pensei.
Meti-me no meu carro e fui até ao Clube dos solteiros. Chegado lá, assinei a ficha de adesão. Desde então, já recebi mais de 20 propostas. Dez delas, pus em cima da mesa, a ver se escolho uma, as outras 10 meti-as no lixo…Deitei-as fora com cuidado.
Mais vale prevenir do que remediar.
Caminhamos descalços sobre brasas,mas valem-nos as asas que ganhámos nos pés.Gaivotas inseguras, nós roubamos à força com que, leves, caminhamos a força das marés.Mas já nos atormenta este exercício de voo ao desatino. Há que mudar de ofício e forçar o destino.