"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
sábado, abril 29, 2006
Danças
Foto
Danças e o mundo é azul, quando, em pontas,
desces a escada do céu para nos vir dar boa noite...
terça-feira, abril 25, 2006
Os Citas
Desamparados quais libelinhas nas primeiras núpcias de voos altos, estes homens e mulheres, em cujos dentes da frente cintila um reflexo, lembram, em dias de festejos, uma marcha de despedida tocada num tom, acima da medida, como que a desafinar. Aos nossos ouvidos atentos soam a vozes esganiçadas, porque quanto mais altas, piores…
Então, cantam baixo; estendem-se em cumplicidades e assombros; verificando-se, mais tarde, na pauta, que as claves de sol se perderam e nas escalas ninguém se entende; é um atropelo!
Sobem e descem; mandando recadinhos para disfarçar o que é evidente: à primeira quebra de compasso baralham-se todos confundindo Salsa com Repolho e ar doente com dificuldades de respirar.
Discos riscados; raízes entorpecidas por vocábulos de estranhar; fraco manuseamento das espingardas, resultando naquilo a que já todos assistimos: má pontaria, bicos caídos e tristes; alguns em debandada e outros, porque, quiçá mais espertos, sorrindo e assistindo ao funesto acontecimento. Depois dos bicos, há as asas tolhidas; redondas e quadradas; que nalguns se erguem como batatas presas a troncos demasiado frágeis para aguentar o peso da responsabilidade de uma batatada bem dada…A arte.
Situam-se como edições baratas de capa mole e quebrada em cima de prateleiras, cuja sustentabilidade da citação se deixa envolver por faces entre aspas.
- O Senhor está com ar de aspa hoje! Não trocou as aspas? - dizem, entre si, como quem se pontua por caracteres e soluções, cujas marcas de limitação, ultrapassam sempre o estabelecido; ou então, como quem, se julga a si e aos outros pela curva da aspa, que no lugar das asas, se transforma numa espécie de gancho, mas fraquinho.
Cansam as armações Quixotescas; irritam as panças de Sancho com que se passeiam armados em donos e duques de uma cidade ou de uma vila; aborrecem os olhares sibilantes, cofiando os bigodes ou, nelas, afagando os pulsos, subindo e descendo pulseiras, numa correria de montra.
Nisso lembram, ano após ano, na passagem de mais um dia 25 de Abril, que afinal lutar pela liberdade, para eles, em pondo-se as aspas, fica tudo consertado.
E é nisso, só nisso, que vivem concentrados: fazer da Liberdade uma palavra entre aspas…como quem cita.
Chamemos-lhe então os "Citas"; fãs dos Fífias, mas não Fífias, porque se lhes falta o empinar dos modos; as atitudes desertadas; os corre-corre humorísticos num tom de água quente a ferver sobre um pézinho gentil! Os Citas envergam fa(c)tos; destilam textos a que chamam "Reflexões", mas que, no fundo das mangas à boca de sino, não são mais nada do que meros espectadores do passado; figuras de colecção. Aspas.
domingo, abril 23, 2006
O Primeiro Dia
Por causa de uns lindos olhos azuis hoje não fui aqui ouvir coisas como esta:
Sérgio Godinho
(Porém não é todos os dias, que se faz oito anos.)
A principio é simples anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no burborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se e come-se se algum nos diz bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
Olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Entretanto o tempo fez cinza da brasa
outra maré cheia vir da maré vaza
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Sérgio Godinho
(Porém não é todos os dias, que se faz oito anos.)
sexta-feira, abril 21, 2006
Citação (importante)
"Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo
Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor."
Os Putos, José Carlos Ary dos Santos
quinta-feira, abril 20, 2006
Croniqueta XXI ou o Fífia é sintomático, sorumbático, amnésico e desviado...
O Fífia não tem parado um momento. Ele é saídas à noite e copos com fartura; ele é corridas na avenida de fita traçada na testa, como se fosse um atleta; ele é livros comprados ao quilo na livraria, o que faz dele o melhor cliente, expoente máximo do ranking dos livros ao peso; ele é conversas, verdades de la palice ditas com sotaque carregado, num tom romântico-francês ao ouvido da primeira que lhe der só um bocadinho de atenção. O Fífia é um desencanto; qualquer coisa meio a meio que fica aquém ou além da expectativa dos comuns mortais; qualquer coisa indefinida como a brisa que calcula a saída para a manhã num dia de Verão e sol a queimar (queimam-se brisas também)…
Não há voz que o segure; nem a da mãe, em cuja casa dorme e come sempre a barafustar com o sal; as peras muito maduras ou os lençóis demasiado dobrados, vincados e amarelos. Ingrato. O Fífia é sintomático; sorumbático; amnésico; desviado. O Fífia soletrado resume-se em cinco letras; ligadas a um fio de lume…nem se lhes dá a faísca. Sentado, no quadrado do seu quarto, pintado de branco nas paredes, tecto vermelho às bolas; sonha-se gasganete, malfeitor de um mundo de homens azuis, onde ele se destaca pela vermelhidão do nariz; quando, cantando modas antigas, parece rogar uma praga!
O Fífia não tem remédio e gaba-se disso; justificando-se com o facto de ter acabado o curso com média alta demais para frequentar Farmácia…De piadas secas e aspecto oblíquo, o nosso Fífia a correr na avenida de fita traçada na testa, óculos roxos pendurados ao pescoço; fato de treino preto e sapatilhas de lona com grandes atacadores parece uma corda de saltar como as que eu tinha quando era pequena; com uma diferença: as minhas brilhavam nos puxadores e rodavam. O Fífia do brilho perdeu a rota e da roda sabe pouco; enche pneus de bicicleta.
O Fífia é um acabar acabado de madrugada; quando de estômago inchado, cheio de Sprite com Vodka, regressa a casa a pé, vindo sabe-se lá de onde, arrastando-se nas sandálias que comprou em saldos no Hiper para estes dias mais acalorados. Gaba-se dos seus dedos dos pés; das unhas à moda francesa e do cabelo, que ralo, reserva a marca da fita.
O Fífia é, por si só, um modelo. Só por si vale muito pouco.
quarta-feira, abril 19, 2006
1 ano
Baía do Canto, Santo Amaro, Pico, Açores
Fez ontem 1 ano que o ardemar se multiplicou e passou a ardemares.
A Rosa Maria teve a amabilidade de mo lembrar. A ela o meu muito obrigada.
Esperas...
Plano de Prevenção às Toxicodependências apresentado quinta-feira
Em Novembro de 2005, a vereação do PS na CMPDL apresentou uma proposta para a criação de um Plano de Prevenção contra as Toxicodependências. Propunha-se que a CMPDL assumisse as suas responsabilidades numa matéria tida como de grande relevância social; mas a maioria social-democrata não quis.
Dirão, alguns, que estão no seu direito. Porém, penso que não vinha mal ao mundo nem tão pouco a água ultrapassaria a medida do balde se a CMPDL adoptasse as medidas, então, propostas pelos vereadores do Partido Socialista.
Quinta-Feira, 20 de Abril de 2006, a Câmara Municipal da Ribeira Grande apresentará o seu Plano. Ponta Delgada continua (também) à espera disto.
Em Novembro de 2005, a vereação do PS na CMPDL apresentou uma proposta para a criação de um Plano de Prevenção contra as Toxicodependências. Propunha-se que a CMPDL assumisse as suas responsabilidades numa matéria tida como de grande relevância social; mas a maioria social-democrata não quis.
Dirão, alguns, que estão no seu direito. Porém, penso que não vinha mal ao mundo nem tão pouco a água ultrapassaria a medida do balde se a CMPDL adoptasse as medidas, então, propostas pelos vereadores do Partido Socialista.
Quinta-Feira, 20 de Abril de 2006, a Câmara Municipal da Ribeira Grande apresentará o seu Plano. Ponta Delgada continua (também) à espera disto.
sábado, abril 15, 2006
Croniqueta XX ou o Fífia é um ovo de Páscoa; estrela(do) Carnaval!!!
É um doce de pessoa. Desfilando nos corredores do Hipermercado Sol-Mar, assim, à solta, como uma galinha perdida, longe do galinheiro, o Fífia parece um rolo de fita, desfiado pelo vento, à deriva.
Se acaso lhe dão conversa torce-se todo como os laços de cores que, por estas alturas, vêm pendurados nos ovos de chocolate enormes e pouco bastos na quantidade de ingredientes.
Iluminado como um candeeiro de pé, o nosso Fífia, nestes dias santos lembra uma vela de cinco quilos, branca, quase transparente, ardendo numa noite de tempestade. No carro das compras, sim porque mesmo que vá comprar apenas ganchos para a mãe, ele leva é carrinho; nunca cesto. Os cestos, diz, são para as mulheres. Homem que é homem leva é um carro para as compras.
No carro das compras leva, então, seis ovos de chocolate com brinde; por fora, na imagem, vêem-se colares, pulseiras e carrinhos. Pode que lhe saiam 2 colares, 2 pulseiras e 2 carrinhos. Os 2 carrinhos para a colecção; as pulseiras e os colares para o Carnaval, quando, no dia de Entrudo calçar aqueles collants verdes e amarelos que a amiga brasileira lhe trouxe mais a mini-saia dos anos 60, que a mãe guardou para a filha. Como o Fífia, não tem irmãs; faz a vontade à mãe e nos dias de Entrudo, desde os seus 6 anos, veste-se de Maria Clara e fala sobre telenovelas, receitas de culinária e vestidos da Sayonara com a sua mãe. Se agora fosse Carnaval, já tinha trajes para todos os dias; além do dia Entrudo; vestir-se-ia de palhaço; de guarda-chuva e de ovo de Páscoa. Já se imaginou; todo brilhante como as luzes da avenida marginal, em Ponta Delgada, enrolado em laços vermelhos como aquela decoração que fizeram há uns anos também na cidade…Era lindo. O Fífia enrolado em fita vermelha da cabeça aos pés; embrulhado em papel cintilante; o Fífia, qual ovo, pousado numa prateleira à mercê das mãos das pessoas; que o apanhariam aos apalpões transportando-o ao colo para casa; para depois comê-lo aos bocadinhos…Muito melhor ser ovo do que ser coelho. Os coelhos de Páscoa têm um ar sempre muito alegre demais e depois vestem-lhes jardineiras coloridas e têm (quase) sempre outro coelho pela mão ou uma coelha e, agora, também se lembraram de galinhas e penduram galinhas nas prateleiras dos Supermercados; galinhas com amêndoas debaixo das asas e penduradas nos bicos delas. O Fífia não gosta dessas coisas. Logo, decidiu-se por ser ovo. Muito menos comercial. Muito mais tradicional. Um ovo brilhante.
O problema é que este Fífia não tem brinde. Então não se vê logo quando se olha para ele? Pequenino como um biscoitinho ou aquelas bolachas Tucha, que, em tempos faziam a alegria da rapaziada, nas festas de anos; gordinho como uma almôndega seca de cinco dias, perdida e esquecida no fundo do tacho, entre duas tiras de cebola, amarelecida pelo tempo. Chorão como as bonecas, que usavam pilhas nas costas, dentro de uma caixa e que quando estavam quase a perdê-las, ficavam com som melado e arrastado. Careca como as bolas de ténis verdes com mais de 30 dias de uso constante. Um Fífia como só ele sabe ser.
Aos solavancos nos corredores do Hipermercado, em Sábado de Aleluia, bebendo um iogurte líquido desses que agora anunciam na TV para perder o apetite; luzidio qual papel de prata, enfeitado por cerejas e uvas, cuja cor vermelha choca com os calções verdes e amarelos, que (também) lhe ofereceu a amiga brasileira; faz as compras, telefonando para a mãe, sempre que chega a uma prateleira e vê os ovos lindos e brilhantes cheios de quase nada. São iguais a mim, mãe!, grita entusiasmado ao telemóvel. Sou uma Estrela (do) Carnaval...
Fonte:Post para a Páscoa
Pareces mesmo um ovo da Páscoa do Lidl. Uma embalagem brilhante, colorida e lustrosa, depois uma pequena camada de chocolate do qual ninguém duvida da qualidade, é mau. Tocamos-te e puf! Vazio.
14.04.2006
Quase
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário de Sá Carneiro
sexta-feira, abril 14, 2006
quinta-feira, abril 13, 2006
terça-feira, abril 11, 2006
Citação
Um dia não muito longe não muito perto
Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim.
Um dia não muito longe não muito perto
Um dia muito normal um dia quotidiano
Um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada para te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?
Ruy Belo
Citação (importante)
"A vida é um encantamento tão requintado que tudo conspira para a quebrar"
Emily Dickinson
segunda-feira, abril 10, 2006
Rascunho para composição linguística
Fiz-me transportar até à tua casa num carro com pneus de boa aderência. Ia seguro. Contente. O coração aos pulos, a garganta seca e a alma aos saltos davam-me uma certeza: finalmente tinhas resolvido assinar a “ficha de adesão”! Tinhas aderido ao meu pedido de casamento. A partir daquele dia, 24 de Janeiro de 2001 eras a minha mais que tudo, minha futura esposa, futura mãe dos meus filhos, avó dos meus netos.
Bati à tua porta. Toquei na campainha.
Abriste, mandaste-me entrar. Entrei. Estava nervoso e despenteado. Mandaste-me sentar e disseste: Não vou casar contigo!
Fiquei mudo. Não tinha previsto aquela ocorrência. Ao telefone, tinhas dito: a gente precisa conversar! E eu disse: Ok. Nós falamos daqui a 10 minutos.
Meti-me no carro. No porta-luvas pus o teu poema. Na folha, em baixo o teu nome assinado: Madalena. Tinhas-me escrito o poema, porque souberas do abaixo-assinado que circulava na Universidade em defesa dos animais. Era da minha autoria. Tinha tudo a ver contigo. Tu que eras defensora dos direitos dos animais. Tu, que havia dias, em que podia não haver nada para se discutir na Universidade e arranjavas logo uma palestra sobre animais. Acorriam sempre imensas pessoas.
O Anfiteatro ficava sempre superlotado.
Olhei-te olhos nos olhos, fitei-te. Meti as mãos nos bolsos. Tirei. Pus o poema de amor em cima da mesa e disse aos berros:
A gente precisa de conversar? Nós já conversamos tantas vezes! Mesmo assim vim. Meti o poema dentro do carro. Olha! Está ali posto em cima da tua mesa.
E tu disseste: Já vi. Mas isto não tem nada a ver com aquele poema. Será que pode haver alguma maneira de tu me ouvires?
Respondi gritando: Já não há. Registo esta ocorrência com desagrado. Nem abaixo-assinado; nem ficha de adesão, nem tão pouco ramos de flores. Podes esquecer que eu existo! Por ti eu dava a volta à lua num balão. Acabou-se. Volto para a minha casa no meu carro de pneus com boa aderência, triste e desalojado. Roubaste-me o meu corpo. Não contes mais comigo nas tuas salas superlotadas; para te por a mesa, quando chegas tarde, para me meter no carro e ir-te buscar. Há-de haver quem o faça no meu lugar. De hoje em frente, tudo o que fizeres não tem mais nada a ver com a minha pessoa. Saí porta fora. Ficaste a chorar. Ao teu choro estrondoso acorreu a tua mãe que do alto da janela me disse: Lamento a ocorrência, mas não há mais nada a fazer.
Em casa meti os teus pertences todos dentro de uma caixa. Colei-a com uma cola de boa aderência. Nunca mais sais daí. Agora sim estás fora da minha vida. Pensei.
Meti-me no meu carro e fui até ao Clube dos solteiros. Chegado lá, assinei a ficha de adesão. Desde então, já recebi mais de 20 propostas. Dez delas, pus em cima da mesa, a ver se escolho uma, as outras 10 meti-as no lixo…Deitei-as fora com cuidado.
Mais vale prevenir do que remediar.
Mário Homem
sábado, abril 08, 2006
Citação (importante)
Foto: Cathy
Caminhamos descalços sobre brasas,mas valem-nos as asas que ganhámos nos pés.Gaivotas inseguras, nós roubamos à força com que, leves, caminhamos a força das marés.Mas já nos atormenta este exercício de voo ao desatino. Há que mudar de ofício e forçar o destino.
Torquato Luz ("Gaivotas", in Destino do Mar, edições Margem, Lisboa, 1991.)
Croniqueta XVIII ou o Fífia é um balde rachado; el rei Junot disfarçado; campeão da ameaça....
O Fífia não está no seu melhor. Agridoce como as pequenas partes de carne de porco, embrulhadas em mel, que comemos em restaurantes chineses, o Fífia deste Sábado parece uma T-Shirt da Feira de Carcavelos a dizer: I love my boss!...Lavada na máquina a temperatura de 40 graus fica, sem ofensa para o ilustre, em tudo semelhante a uma roupinha para a Barbie. Estranho o seu ar ofendido, de beiças caídas, como se lhe tivesse passado pelos lábios, um baton fora de prazo, dos que deixam bocados pendurados nos beiços, que temos que limpar para não serem confundidos com borbulhas da adolescência. Ele nunca os limpou.
Armado aos Teatros, enche-se de bolas de sabão até aos ossos, tornando-se escorregadio como uma mangueira e cheiroso como as colónias da minha infância, que eu usava para perfumar os bonecos. Os Carecas. Um brinquedo que penso estar em desuso, mas que, naquela altura, me entretinha tardes e tardes; de corpo de pano e mãos e braços moldáveis. Podia pô-los de dedo na boca; chucha ou, pura e simplesmente, dizendo-me adeus! Assim fica nosso Fífia quando, parecendo ter engolido uma vassoura e algumas páginas do dicionário; quiçá um Ensaio sobre Catástrofes mundiais, grita.
Nessas alturas, é largar a fugir ou então rir à gargalhada do seu jeitinho para o drama; a sua tez cor de púrpura e os seus olhinhos, quais dois brilhantes, ofuscados pelo sol da salas. Não há paciência. No centro disto, do que ele diz, quando diz, dos seus esgares; das poses paradas; do truque dos dedos agarrados aos papéis, seguindo com os dedinhos a linha, para não perder a deixa; do cabelo arrepiado no centro da nuca, como um campo de milho novo; da testa franzida como um campo de batatas; onde bichos da batata se enrolam numa espécie de amor macrobiótico, tenho a nítida sensação de que dali, em frente a ele, assistirei ao remake foleiro do último acto de uma peça medieval; com cavalos e damas, lavando-se em selhas com espuma.
Para grande parte dos Fífias que aqui tenho escrito; o melhor era se tivessem vivido no tempo das palavras medidas pela força dos Dramas; quiçá não teríamos, por hoje na história, uma espécie de Junot, nascido numa das 9 ilhas dos Açores; ou uma Hermengarda; fatídica personagem de um romance; gritando da loucura do isolamento.
As falas do Fífia fazem dos Açores um território isolado. A acreditar-se que assim era; teríamos uma reserva de Fífias. Não o queremos.
Porém, já é tempo de fazê-los arrumar as botas de garimpeiros; de lhes dizer que “Felizmente há luar”; que o sentimento de Gomes Freire de Andrade, ainda que nos queiram perder no Atlântico Norte, quais calhaus à deriva, presos pelos braços deles, não nos impedirá de traçar a diferença essencial entre o tempo da escrita dos romances deles, piores que os de folhetim, e o tempo da História; que é qualquer coisa diferente das estórias do Fífia. Treinado nos modos, choroso, quanto baste, como arma de defesa a insinuação maldosa (ou malina!); revoltado e desesperado; esquecendo-se que a história da Conspiração de 1817 já foi contada por outros riscos, cuja maior riqueza era o rigor; no tempo em que não havia papel químico; nem consta que postais como ele falassem em público.
“Pretendo representar o mundo”, dir-me-á o Fífia Doctor; “coltoralmente” evoluído; intelectualmente (des) favorecido como se fosse uma lua sem luar.
O Fífia é um bluff. O Fífia é um artista de artes circenses aprendidas em cadernos feitos pelo próprio…
Um desastre, um balde que nunca carregou água; que é de enfeite e que está todo rachado.
Com certeza digo, o Fífia é a maior fífia que conheço.
E assumo.
segunda-feira, abril 03, 2006
Croniqueta XVII ou modus fifendi ou então gravatas há muitas, oh Fífão
Andam desatinados, os nossos Fífias com a chegada da Primavera. Não sabem se hão-de comprar um descapotável; se por outra, hão-de investir em roupa nova para parecerem mais moços e menos velhos. Não são propriamente homens novos/idosos. Pelo contrário, estão gastos; cabelos ralos e olheiras. Para não falar nas rugas, que quais cachoeiras lhes caiem olhos abaixo como escorregas de crianças, amolgados pela dureza do sol. Fífias cheios de fífalhadas, exercendo o maior poder quando fífando aqui e acolá conjugam o verbo Fífer, cujo gerúndio progride fífando lentamente como se não fífessem sem fífar.
Os Fífões, essa espécie em nascimento bruto, cavalgante, dando à costa como navios de descobridores, cheios de si, como almofadas de pena de pato. Os Fífões, essa raça, de loiros e gordos e magros e altos e baixos, mereciam ter um Sindicato. Armados de livrarias debaixo do braço, cada sovaco uma prateleira; cada passo um verso de poesia moderna; desastrados como um jogo de ping-pong; armados em frutos silvestres, rareando na torcida do vime da cesta, que os guarda, quais peças preciosas do jogo de xadrez. Os Fífões, esses gnomos do saber; apregoando-se clientes fieis das lojas do Parque Atlântico, da Modalfa, da Belarte ou da Sapataria Rosa.
Os Fífões cuja gravata fífada assume papel distinto nas “encomendas” que, em discurso, nos deixam boquiabertos com tamanha asneirada saída de uma boca só. Paciência. Mesmo assim, gosto de os ver de asas esbatidas arrumadas nos casacos a dizer Gant. Gosto de os ver de bicos caídos à espera do beijo doce da loira que avança desde a porta da rua, num vestido vermelho sangue, apertando nos quadris; gosto de os ver cheios de ramelas, quando acordados de um sono profundo de anos, esbracejando, pelo passar do tempo, em que, por descuido, fraqueza ou, pura e simplesmente, burrice deixaram correr os dias dos calendários, sentando-se como espectadores, enquanto se pintavam quadros noutras mãos e com outros pincéis. Gosto de os ver armados em “críticos de arte” muito lavados e engomados; como se tivessem sido passados a ferro; com ar reciclado e emproado; cheirando a bons perfumes, vestindo boas camisas, mas dizendo sempre as mesmas asneiras. Gosto. Gosto de os ver comendo gelados em baldes, a novidade do fim-de-semana, com as mulheres gordas e os filhos, quais bichinhos de aquário, parasitas de peixe graúdo, esquecido por detrás das rochas no tempo da frota azul. Gosto de os ver todos juntos. Apetece pegar num camaroeiro e apanhá-los a todos para deitar aos gatos que, inexplicavelmente, andam esfomeados. Mas não se pode. Respeitá-los. Sempre. Enquanto, os Fífões arrotam postas de pescada; tecem categorias disto e daquilo como se a vida fosse como os postais que, no Natal, sentados nos seus sofás de veludo ditam à mulher obediente; os Fífões não vivem, subsistem. Sempre nervosos, preocupados com a armação dos óculos, de cuja segurança depende a vista maior ou menor do acontecimento; afagados por mãos alheias, cujas obras de festim e relíquia, as maiores e melhores do lugar, lhes ofuscam as vistas. Os Fífões, essa espécie, que anda em bando; vestindo camisas caras compradas nas feiras, de cada vez que alguém vai a Lisboa e traz a encomenda das calças para os pequenos, o top para a mulher e a camisa para o emprego; de preferência de tons amarelos para condizer com as calças bege e as gravatas fífadas, cuja largura, se estivermos atentos, vemos ser bem diferente das dos demais. Assistem aos fados, às danças espanholas da companhia “y” de copo de sumo na mão e guardanapo para limpar a baba sempre que ela fala; os Fífões vão aos bailes de sapatos apertados e calças descosidas nas algibeiras, à espera de que o flash os apanhe numa atitude aparentemente desprevenida, apertando a barriga da mulher para dentro a ver se ela fica mais pequena.
Os Fífões fífiamente descansados; de narizes amolgados nas vitrines do comércio tradicional mostram os dentes aos comerciantes; mas fogem quando eles vêm à porta. Almoçam nos restaurantes das cidades e das vilas gabando as mesas vazias, desculpando-as com o ar puro. Os Fífões não pedem desculpa, quando dão um encontrão na menina ou no menino que perde o balão; porque os Fífões são mais que os Fífias. São Fífões. E, por cada degrau, que sobem tornam-se mais flutuantes. E Fífam-se antes que ela lhes puxe as orelhas. Saem em bando nos seus casacos tirylenne e as suas camisas de tom amarelado; porque a Primavera lhes dá o toque de passarinhos que, no fundo gostavam de ser, para, todas as manhãs lhe cantarem à janela, a serenata da Primavera….como se o mundo fosse só dela.
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