( Para Biscuit com votos de uma excelente viagem )
Num Outono desfolhado em cartas que escreveste, entraste nos quartos de lua mendigando esmolas, como quem sente que assenta a culpa em desilusão, e, paga com uma dor, a penitência (de)vida.
Então veio a Primavera com um verde anis mortiço, enredou-se nos teus passos, não cumpriu os compromissos e deu por vencida a hipótese de florescer aí por dentro de te devolver raízes.
O Inverno enregelou a alma dos teus sorrisos. Trouxe solidão aos molhos, cruel e fria, despida de elegâncias sem músculos para reacção: farsa.
Arrecadaram-se aplausos, subiu-se e desceu-se o pano como quem rasga o papel da memória fio a fio.
Soltaram-se fogos nas casas, árvores de Natal nos lares e foste menino Jesus, adorado nos serões, onde as tuas amigas teceram ideias para o teu futuro: namorar com a prima Vera, casar no Verão, ter filhos no Outono, ( para o Inverno há-de se pensar nos planos das tuas amigas).
Deixaste que o mar se enfurecesse; sentiste primavera nos traços dos poemas que inventaste, Outono nas suas cores, Inverno no seu silêncio.
Estavas nisto, paredes meias com a vida, roendo-te por dentro os ossos, mastigando-te os solavancos do pensamento impulsivo, com medo, muito medo, que o norte se apagasse do segredo do assobio do vento ou que, por minutos, as flores rasgassem memórias nos cantos dos seus vasos quadrados, quando resolveste, e...
deste a volta ao parapeito da tua janela, sentaste o corpo inteiro na base do varandim e saltaste.
(Porque querias escrever livros nas estações do metro, dos comboios, tornar-te viajante do anonimato, conhecido pelo papel e pela caneta; querias viver a literatura toda, navegar nos seus caminhos, concentrar-te no desequilíbrio dos sonhos, na realidade concreta das prateleiras de uma Biblioteca, enchendo-as de poesia, poemas infiltrados por amor; perder-te nas linhas da escrita.
Esse era o teu papel.)
Subiu a temperatura de ti.
Enfiou-se no mar.
Ouvindo a voz das tuas amigas, pensaste:
Elas Verão como era Outono nos meus olhos, como chorei nos Invernos e, como tive saudades das Primaveras de sonetos;
Da flor que nunca te dei,
a que morreu no meio do mar,
Sem poema de estação
Ou circunstância de Tempo
Que me valesse
perdão.
(Texto publicado na Revista Ilhas)
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