sábado, maio 07, 2005

Por causa disto...




...lembrei-me disto:

"(...) São os Açores. É, para o comum dos continentais, a trapalhada geográfica que o nome Ilha abrevia. Para os Açorianos desterrados, é o berço, o amor, são as reminiscências, a família e, na esfera dos desejos que se criam mais ao peito, a tumba, a cova para o sono de que nunca mais se acorda e que o mar ali eternamente vigia:Sinto-me às vezes rei nalguma ilha
Tendo ao pé um leão familiar( Antero, Soneto.)
(...)
Os continentes exercem sobre ele uma fascinação singular. Atravessa isolado a infância e a adolescência, e muitas vezes a mocidade, a virilidade, e a velhice o vêm encontrar no mesmo ponto,- as suas quatro paredes de pedra basáltica e traquítica. Mas um dia vem para muitos em que o feitiço do mar já não cede, e ei-lo então a bordo do barco dos emigrantes ou em demanda das metrópoles carregadas de sedução. Assim cumpre o açoriano o seu secular destino. Por toda a parte se desenvolve e se adapta, e,- coisa singular - , já não é o mesmo homem aparentemente fatalista, lento de voz e meneios, que parece vergar na ilha sob o peso inclemente dum avatar geográfico. A sua adaptação não é cómoda, mas vigorosa e seguida de um rejuvenescimento salutar.(...) Esta conferência integra-se num plano de reabilitações regionais cuja iniciativa pertence à Associação Académica de Coimbra e que visa acordar na alma dos estudantes um inteligente amor às suas terras de origem (...) Mas há também nestas conferências uma função de exemplaridade que se dirige, não às capacidades de intervenção regional, de cada um, à sua preparação de procurador ou de munícipe, mas a elementos mais profundos, mais largamente humanos. E, nesse caso, o que há a fazer é mostrar, como um homem, nado e criado num ponto que se furta aos grandes meios de comunicação e de labuta, ao poder sugestivo de uma civilização energética, imediata e concentrada, enriquece o temperamento que se lhe talhou na terra a ponto de chegar aos mais altos resultados de pensamento e conduta. Para os Açores, esse homem foi Antero. (...) Foi um açoriano e um português, mas acima de tudo foi um homem. O seu regionalismo e o seu nacionalismo são pois um digno exemplar, que todos devemos somar.(...) Descontadas as argalhas de uma vida que se circunscreve a nove ilhas, nove minúsculos e pouco seguros apoios da frágil planta humana, a alma do ilhéu exprime-se pelo mar. O mar é não só o seu conduto terreal como o seu conduto anímico. As Ilhas são o efémero e o contingente: só o mar é eterno e necessário.(...)Quando o açoriano, certo de que procurou realizar neste mundo o ideal da humanidade que o exemplo de Antero lhe oferece vir que se estende para ele a mão direita de Deus - que saiba dizer, atravessando
Selvas, mares, areias do deserto,
Dorme o teu sono coração liberto
Dorme na mão de Deus eternamente"

excertos de " O Açoriano e os Açores" - Conferência realizada na Associação Académica de Coimbra a 13 de Fevereiro de 1928, in Vitorino Nemésio, Estudo e Antologia, [ por Maria Margarida Maia Gouveia], IAC, 1986, pp 317-329.

Isto não é um caso de açorianite aguda. É de homem livre.