domingo, setembro 19, 2010

Mau Sinal...


Tenho salientado que a actual crise, que se repercute no nosso país, tem contornos diferentes de todas as outras que conhecemos,pelo que as receitas tradicionais macroeconómicas para combater a crise deveriam ser aperfeiçoadas e complementadas por outras ao nível da reestruturação do sistema financeiro, tal como alertaram os maiores especialistas mundiais na matéria, como Krugman ou Stiglitz. Estes chamaram a atenção para a possibilidade de um ciclo económico em W se os governos ocidentais não aplicassem as medidas certas para curar a economia dos seus verdadeiros problemas - “Esta teoria pressupõe que, após a queda abruta que tivemos em 2009, 2010 e 2011 sejam anos de uma tímida recuperação, logo seguida, em 2012 por um crash económico ainda maior.” O facto é que estes alertas foram feitos no final de 2008 e nada foi feito para contrariar essa possibilidade, à excepção da tímida reforma caseira do sistema financeiro realizada por Obama.


A economia mundial tem evoluído conforme aquelas piores previsões: para já, recessão em 2009 e tímida recuperação em 2010. A maioria dos Estados aplicou a receita de aumento do investimento público para promover o crescimento económico (opção certa, parece-me), mas sem proceder à limpeza necessária do sistema bancário e sem obstruir os chamados produtos tóxicos e atalhar a acção mais que duvidosa das agências de rating. As contas públicas e a exequibilidade e resultados do investimento público foram recolocados, assim, à mercê dos golpes especulativos, da notícia jornaleira, da intriga dos Estados, dos interesses de empresas e até de partidos políticos oportunistas numa manipulação depredadora constante. Hoje, não sabemos bem e no que e em quem devemos acreditar.

Em Portugal, o combate à crise, inicialmente, foi bem feito através do aumento do investimento público, do fomento das exportações de base tecnológica, da redução da balança de pagamentos através da aposta nas energias renováveis, da modernização das indústrias tradicionais como a têxtil e do calçado, com o plano de obras escolares e apostando em grandes obras públicas estruturantes como o novo aeroporto de Lisboa e o Transporte de Alta Velocidade TGV. Estes investimentos começaram a ter efeitos nos indicadores macroeconómicos. Mas, como há dúvidas quanto ao nosso endividamento externo e credibilidade das nossas contas públicas, bem como à estabilidade política, essas incertezas têm um autêntico efeito guilhotina sobre o crescimento.


O adiamento de um troço do TGV, anunciado recentemente, não veio melhorar as coisas. Se o TGV é fundamental para o crescimento do país (e é, certamente), deve ser mantido, se não o é já devia ter sido adiado há mais tempo. Na verdade, estamos a dar o pior sinal aos agentes económicos: de desistência ou de insegurança e desnorte quanto à acção governativa e quanto à solidez das contas públicas, tanto mais que a maioria dessas despesas estavam asseguradas por financiamentos comunitários. A aposta em investimentos públicos reprodutivos deve ser mantida a todo o custo. Se retirarmos os incentivos à economia, e por isso entrarmos em ciclo recessivo, então é que não existirão meios do Estado suficientes para inverter a marcha. Nesta altura, então, teremos, verdadeiramente, uma crise em W, com consequências desastrosas para a economia portuguesa que levarão décadas a recuperar.

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