domingo, julho 04, 2010

Portugal e os Outros



Não, não me refiro ao futebol. Refiro-me ao debate ateado sobre a tentativa de compra da empresa brasileira de telecomunicações móveis Vivo, propriedade em 50% da portuguesa Portugal Telecom, pelo gigante de telecomunicações espanhol Telefónica.

Numa altura de em que a economia portuguesa atravessa dificuldades, muitos portugueses interrogam-se sobre a gravidade do assunto e a justificação para a polémica em causa. Na verdade, porém, apesar do tecnicismo envolvente, o que está em jogo tem uma inequívoca importância estratégica e interesse nacional.

A PT é uma das cinco maiores empresas portuguesas, líder nas comunicações em Portugal, e presente em países como Cabo Verde, Moçambique, Timor, Angola, Quénia, China, São Tomé e Príncipe, Namíbia e Brasil. A PT passou de uma pequena empresa europeia, a uma empresa com dimensão internacional quando, sobretudo, passou a deter 50% do capital e a gestão da maior empresa de telecomunicações móveis da América do Sul, a Vivo. Esta participação, para além de ser, provavelmente, um dos maiores investimentos portugueses no estrangeiro, proporciona, com os lucros obtidos, melhorar significativamente a nossa balança de pagamentos com o exterior.

Mas, o que me parece verdadeiramente importante é deter a gestão e a participação numa empresa com mais de 55 milhões de clientes. Isso dá a possibilidade à PT de criar economias de escala, bem como externalidades positivas para a economia portuguesa, que seriam impossíveis de reproduzir numa empresa com apenas 10 milhões de clientes. Por exemplo, seria impossível à PT, em Portugal, ter um centro de investigação e desenvolvimento com a capacidade e a dimensão do actual, empregando um tão elevado número de investigadores, se este mesmo Centro não trabalhasse para os mercados português e brasileiro. Essa participação ancora, pois, riqueza, inovação e emprego qualificado no nosso país.


Os Governos que promoveram a privatização e internacionalização da PT tiveram em atenção esse potencial estratégico, e por isso acautelaram, de forma então mais comum, a chamada Golden Share, que mais não é do que “um conjunto de acções detidas pelo Estado numa empresa (…) que lhe confere direitos particulares (…) que normalmente incidem sobre decisões de carácter estratégico para a empresa tais como fusões, aquisições ou alteração dos estatutos”. Trata-se, portanto, de um mecanismo de preservação do poder de ingerência do Estado nas decisões da empresa privatizada, cuja finalidade é a de assegurar o "superior interesse nacional”.


Aquando da aprovação, em Assembleia Geral de accionistas, da venda da Vivo à Telefónica, o Estado utilizou o seu direito de veto ao negócio em nome do, para mim, evidente e já demonstrado “interesse nacional”. Contestado porquê? - porque os accionistas privados pensam naturalmente no seu lucro e não no interesse nacional, e assim se opuseram ao veto; porque existe um processo em Tribunal de Justiça das Comunidades sobre o futuro das Golden Shares; pelo facto das correntes mais liberais serem, em qualquer caso, contra a intervenção do Estado no mercado; e, finalmente, pela Telefónica, graças à sua dimensão e poder gigantescos, influenciar facilmente governos estrangeiros e a imprensa internacional.


Proteger, neste caso, o interesse nacional é, sem dúvida, o que nos compete fazer. E não há dúvida que o Governo agiu com esse desígnio, por mais poderosos e numerosos que sejam os competidores externos. Só espero que o tenha feito considerando cuidadosamente a ordem jurídica europeia.

3 comentários:

VitorF disse...

Concordo com a maior parte que disseste, contudo a "defesa do interesse nacional" pode nem passar pelo veto e sim por deixar funcionar o mercado.
Com o veto para a realização deste negócio o Governo ameaça penalizar futuras privatizações e muitas casas de investimento já falam num aumento do prémio de risco de Portugal, numa altura em que há em marcha um plano ambicioso de privatizações, havendo a introdução de incerteza nesses negócios; essa mesma proposta pode escapar à "golden share" bastando para isso que ela não passe pela Assembleia Geral e vá directamente ao Conselho de Administração e isso poderá acontecer se um determinado nº de admin. da PT votar a favor desta proposta; para além do processo que irá de certeza decorrer nos tribunais europeus contra o Estado Português poderá surgir outros como os das Associações de accionistas minoritários portugueses e espanhóis, além de outros, claro; pode surgir algum atrito diplomático com a Espanha; o pior que pode acontecer é depois de os tribunais europeus decidirem que a "golden share" do Estado não serve para nada e que as suas 500 acções não são preferênciais, passando a ser iguais a quaisquer outras, a Telefónica contra-ataca e lança uma OPA sobre a PT (e já vimos que é tudo uma questão de preço)...no meio disto tudo onde está a defesa do interesse nacional?
Temo que as "ondas de choque" do veto terão um efeito muito mais negativo do que a venda da VIVO.

Francisco Vale César disse...

O Mercado funcionou dentro das regras pré-estabelecidas. Não devemos esquecer que umas das regras impostas para a privatização da PT foi a existência de uma "golden share" com os poderes que se conhecem. Os investidores sabiam que a "golden share" existia e que podia ser eventualmente usada, estou convencido que o mercado incorporou isso mesmo. o intervencionismo é algo cumum na europa e algo que defendo. As "golden shares" em Itália foram declaradas ilegais à mais de um ano e ainda não foram extintas. Independentemente da futura decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades acho que o Governo fez o seu papel.
A meu ver é uma questão ideológica pura a discussão que temos vindo a assistir e como tal não tem solução. Depende obviamente dos nossos conceitos de economia de mercado.

Edgardo disse...

A Espanha tem uma selecção de futebol estratégica