quarta-feira, maio 21, 2008

Não devemos esquecer nada




“ (…) Tenho de me lembrar de tudo com precisão para, quando ele tiver partido, poder recriar o pai que me criou”, escreve Philip Roth na página 160 do livro – Património, uma história verdadeira – que acabei de ler há poucos dias. Foi uma leitura atribulada, que tive que interromper por variadíssimas vezes, mas à qual voltei sempre que pude para acabar de testemunhar a excelência da escrita de Philip Roth. Pelo princípio, que citei já se percebe que, apesar de se intitular: Património – a obra não é sobre museus, igrejas ou bibliotecas, mas sim sobre um pai e o património humano que ele traz em si mesmo; tão sensível e tão protegido (afectuosamente protegido), que o filho – Philip Roth – opta por escrever este livro (cruelmente) verdadeiro, onde pai e filho convivem a braços com a morte e com a dor de a ver chegar, numa luta que parece não ter fim nos corredores dos hospitais, no carro a caminho de casa, nas conversas com os médicos e com as pessoas que fazem parte do dia a dia dos dois: Philip Roth, escritor e Herman Roth, pai do escritor: 86 anos, viúvo e gestor reformado, que sofre por ter um tumor cerebral.
Herman Roth é ajudado pelo filho, que escreve ao mesmo tempo, esta história. “(…) O que os cemitérios provam, pelo menos a pessoas como eu, não é que os mortos estão presentes, mas sim que partiram. Eles partiram e, por enquanto, nós não.” (página 20). Philip Roth ansioso e cheio de medo como qualquer outro ser humano real, que passe pela mesma situação, acompanha o seu pai em cada passo da longa caminhada até ao fim; e enquanto o acompanha em regressos permanentes ao passado, de quando era pequenino e viviam na sua casa com os irmãos e a mãe viva, vai escrevendo esta belíssima história, de uma forma diferente, que até hoje nunca tinha visto ninguém fazer. Rigorosa, duramente real, dolorosa, mas de uma riqueza literária impressionante.
Os críticos literários dizem que este é provavelmente o mais pessoal romance de Philip Roth; até porque, advogam, o herói do livro é o seu próprio pai. O Património. "Não podes esquecer nada".
Não me esqueço de nada.

3 comentários:

Andre Bradford disse...

Fiquei com uma enorme vontade de o ler.

Mariana Matos disse...

:) Posso te emprestar.

frosado disse...

tb gostei muito.