sábado, dezembro 08, 2007

Os anos da Rosa




Há duas semanas, a Rosa fez anos e apareceu na televisão com o seu ar calmo de sempre. Aliás, pensando bem, não me lembro de vê-la de outra maneira. Nem mesmo, quando vivia na casa ao lado da nossa, no Verão, e tomava conta de uma senhora de mais idade do que ela. Sempre que aparecia na janela para nos dizer adeus ou à porta para dar rebuçados, vinha com os mesmos óculos de massa e um lenço no cabelo esbranquiçado. Nunca conheci a Rosa nova, porque quando eu nasci a Rosa já existia e tinha a idade de uma avó. Morava numa casa muito pequenina com duas janelas e uma porta, aonde eu nunca entrei. Parecia uma casa de bonecas sem árvores à volta, mas com velas, que iluminavam as janelas quando era de noite e a lua começava a nascer por detrás do morro, ao pé da ponta do pico da ilha do Pico.
Sete dezenas de anos exactos nos separam. Quando a vi na televisão há duas semanas, falando com a jornalista e explicando que aquele era o dia dos seus anos, que ia festejá-lo com a família e com amigos da freguesia, depois de fazer o jantar para o sobrinho, com quem, agora mora, quase que me esqueci que a Rosa completava 101 anos, tal era o desembaraço com que falava, mexendo com a cabeça e sorrindo, diante da alegria de completar mais um ano. Estava de pé no jardim, de lenço, de óculos e trazia lenha nos braços para acender o forno, disse, enquanto sorria para a câmara de televisão.
Habituei-me à presença da Rosa com o passar do tempo. Às vezes, dou-lhe boleia para a missa, a que vai, religiosamente, aos Domingos; outras vezes visita-nos nas férias para levar laranjas ou figos. Abraçou-me sempre nos momentos mais difíceis da minha pequena vida e procurou explicar-me, na sua muito própria crença, o porquê de tantos e variados percalços. Nunca entendi nada disso, mas consenti sempre.
O ano passado, nos seus 100 anos, apareceu (também) muito bonita a falar na Televisão, com o seu sorriso grande e brilhante, onde eu sempre soube, que se lhe pedisse ou se precisasse, cabia por inteiro. Nessa vez, há um ano, foi a primeira vez, que a ouvi falar de si própria, explicando à jornalista que então a entrevistou que “nunca fez mal a ninguém”…
Tenho sempre e cada vez mais saudades do tempo de vigia da Rosa, da época em que ela nos espreitava para ver se nós nos portávamos bem e nós lhe cantávamos alegremente: “oh rosa, arredonda a saia”. Um outro tempo para nós, mas certamente o mesmo para ela, que ainda vai estar, sei e sinto, caminhando nas ruas para baixo e para cima com os seus óculos de massa de sempre, o lenço na cabeça, o casaco de malha e a sua passada curta, em Novembro de 2008 à espera da Televisão. E, quando eles chegarem, a Rosa vai sorrir e explicar que nunca fez mal a ninguém. Minha querida Rosa. Feliz Natal.

1 comentário:

Anónimo disse...

A Rosa realmente nunca fez mal a ninguém... é bom pensar que ainda há gente assim, pérolas no mundo