"(...) O homem massa sente-se perfeito. Um homem de eleição, para sentir-se perfeito precisa de ser especialmente vaidoso, e a crença na sua perfeição não está unida consubstancialmente a ele, nem é ingénua, antes lhe vem da sua vaidade, e até para ele mesmo tem um carácter fictício, imaginário e problemático. Por isso, o vaidoso necessita dos outros, procura neles a confirmação da ideia que quer ter de si mesmo. De sorte que nem mesmo neste caso morboso, nem mesmo "cego" pela vaidade o homem nobre consegue sentir-se na verdade completo. Pelo contrário, ao homem medíocre dos nossos dias, ao novo Adão, não lhe ocorre duvidar da sua própria plenitude. A sua confiança em si é, como que de Adão, paradisíaca. O hermetismo nato da sua alma impede-o do que seria condição prévia para descobrir a sua insuficiência: comparar-se com outros seres. Comparar-se seria sair um instante de si mesmo e transferir-se para o próximo. Mas a alma medíocre é incapaz de transmigração - desporto supremo.
Encontramo-nos, pois, com a mesma diferença que existe entre o estúpido e o perspicaz.(...)"
Ortega y Gasset,[Tradução de Artur Guerra],
A Rebelião das Massas, Lisboa, Relógio D´Agua,s.d., pág. 82
13,09 euros (Feira do Livro, 2006)
Comecei a relê-lo ontem. Tem sido até, agora, um livro de novas e agradáveis surpresas, que me tem lembrado, em alguns dos seus excertos, outros textos, como o poema Homens que são como lugares mal situados de Daniel Faria ou os versos de Miguel Torga, que ditam que: "Um contra o mundo, é pouco.
Mesmo que seja louco,
É muito pouco ainda.
Mas que pode fazer o homem que endoidece
E se esquece
De medir o poder do seu tamanho? (...)"
(Luta, Miguel Torga)
2 comentários:
Também deixo uma passagem deste livro que acho particularmente sugestiva:
"O Estado contemporâneo é o produto mais visível e notório da civilização. E é muito interessante, é revelador, precatar-se da atitude que ante ele adopta o homem-massa. Este vê-o, admira-o, sabe que está aí, garantindo a sua vida; mas não tem consciência de que é uma criação humana inventada por certos homens e mantida por certas virtudes e por certo que houve ontem nos homens e que pode evaporar-se amanhã. Por outro lado, o homem-massa vê no Estado um poder anónimo, e como ele se sente a si mesmo anónimo vulgo –, crê que o Estado é coisa sua. Imagine-se que sobrevem na vida pública de um país qualquer dificuldade, conflito ou problema: o homem-massa tenderá a exigir que imediatamente o assuma o Estado, que se encarregue directamente de resolvê-lo com seus gigantescos e incontrastáveis meios. Este é o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estatificação da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social pelo Estado; quer dizer, a anulação da espontaneidade histórica, que em definitivo sustenta, nutre e impele os destinos humanos. Quando a massa sente uma desventura, ou simplesmente algum forte apetite, é uma grande tentação para ela essa permanente e segura possibilidade de conseguir tudo – sem esforço, luta, dúvida nem risco – apenas ao premir a mola e fazer funcionar a portentosa máquina.(...) O resultado desta tendência será fatal. A espontaneidade social ficará violentada uma vez e outra pela intervenção do Estado; nenhuma nova semente poderá frutificar. A sociedade terá de viver para o Estado; o homem, para a máquina do Governo. E como no final das contas não é senão uma máquina cuja existência e manutenção dependem da vitalidade circundante que a mantenha, o Estado, depois de sugar a medula da sociedade, ficará héctico, esquelético, morto com essa morte ferrugenta da máquina, muito mais cadavérica que a do organismo vivo". pág. 57.
Já passei essa parte, que na minha edição está na página 119 e 120. É onde Ortega Y Gasset escreve: " A massa diz para si: "O estado sou eu", o que é um perfeito erro." (pag.120)
Lá está o homem massa precisa de se comparar com os outros, sair um pouco de dentro de si mesmo. Ele que é "um homem feito à pressa".
:)
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