quinta-feira, novembro 22, 2007

E o mar inteiro a enrolar-se

Primeira onda - Lá ao longe, debaixo das árvores, um homem e uma mulher estão sentados. Mas, não sentados de uma maneira qualquer. Estão sentados como se sentam as pessoas incomodadas com a sua própria presença. Muito calados. Muito direitos e com as pernas muito sentadas nas cadeiras. Com os casacos muito vestidos, os cachecóis muito apertados ao pescoço. Ela parece estar quase a dormir e ele olha com os olhos muito fechados para a palma das mãos fechadas. Espreita.
Segunda onda - [Imagina que não se tinha passado nada e tu tinhas só viajado e havia no sítio aonde tinhas ido muitas borboletas que falavam e riam e brincavam e não pareciam estas pessoas muito sentadas na vida!]
Terceira onda - Parece que têm frio nos ossos.
Quarta onda - Comprei três livros de uma vez só.
Quinta onda - Havia qualquer coisa de combinado naquele espaço. Não sei se eram as cores, as plantas, que pareciam dançar nos vasos, quando o vento assobiava nas montras da loja. Uma boneca de pano dançava, pendurada pelos braços a uma espécie de arco.
Sexta onda - Há bolas e balões suspensos nas entrelinhas do texto; nada de claramente perfeito; nada que consigamos ver, nada que declare alto e bom som: “estou aqui”, como as pessoas que não se sentam na vida. Um dia destes devias escrever uma história infantil daquelas que têm árvores falantes e coelhos risonhos; magias de espelhos; artes várias. Pintores, malabaristas, palhaços de sapatos grandes, que não cabem em armários. Um dia destes devias escrever sobre bolos de anos, fitas e balões. Ou então, escreve da tristeza e dos versos derramados no papel branco e da lua vidrada nos pés das plantas, quando à noite as gaivotas passam de chocalhos nos bicos e anéis nas asas para casar com os cometas.
Sétima Onda - Diz-se do céu das gaivotas que é do tamanho das ilhas e que a massa circundante é toda feita de água e sal. À noite enche-se de ondas para delícia destas damas, que vestem os seus biquinis e dão mergulhos brilhantes. Há quem diga cá por baixo, que cada exibição vale uma estrela cadente.
Oitava onda - [O meu poema é ter inteira a recordação de todos os dias aqui. Tu?]
Nona onda - O meu poema sou eu a desafiar o esquema. Com a corda. Sem acordo. Prisioneira, do meu poema, morro como morrem no espelho as lágrimas do Vapor, que acaba por não se ir embora.
Décima onda - [E o mar inteiro a enrolar-se.]

3 comentários:

Anónimo disse...

realmente brilhante, prima! ali em baixo aquela tristeza do poema do nuno júdice só tinha sete ondinhas mas tu fizeste dez! pá, dez! brilhante!

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Mariana Matos disse...

Não tem comparação possível com o poema de Nuno Júdice.
Mas, prima??
os meus primos e as minhas primas têm nome.