domingo, novembro 04, 2007

Brainstorming

Escrever muitas coisas.
Peça é a palavra que me ocorre
Sempre que penso em escrever muitas coisas.
E muitas coisas não se escrevem com cedilha.
Muitas coisas são muitas coisas.
Um sorriso perdido no espelho,
As velas do bolo que devias apagar hoje,
A certeza inquieta de que não vens,
A mania de me lembrar destas coisas,
O trim-trim anunciado do telefone
Que já nem toca assim,
Pessoas à janela,
Os tapetes de flores,
As pesadas palavras,
Que correm por dentro,
Como se fossem de verdade,
As graças que não têm piada,
As futuras idílicas maneiras
Das meninas do largo,
Saltitando em cordas coloridas,
Os carros de corda dos meninos,
As mal pronunciadas consoantes,
As vogais femininas,
Os verbos de raiz melodramática,
A sombra, a cara, o cabelo despenteado,
Cortado e amarrado.
Peça pronunciada com um [c] cedilhado e pesado.
Um traço do que poderia ter redigido num papel,
A lápis, afoga-se de desgosto.
Talvez tenha vergonha de me perder
Nas linhas cruzadas do verbo escrever.
Talvez não seja nada disso e a minha atrapalhação
Não passe de uma transitiva maneira de ser
Ou talvez também não seja nada disto.
Há muitas coisas que não fazem
Sentido no decorrer dos dias.
Onomatopeicos sons das portas a arrastarem-se
No chão como sapatos fechados.
Giz de quadro. Qualquer palavra indecifrável
Sumida num arraial de vozes.
As mãos que se vão indo.
A dor de carregá-las dentro,
Como se fossem de verdade as recordações.
Um carro parado sem ninguém lá dentro,
As chaves pousadas fora da porta, no chão,
A entrada vazia da casa, as flores que
Deixam crescer daninhas pelo meio,
Defensoras acérrimas da liberdade dos outros.
Vinha escrever muitas coisas.
Dizer isto. Aquilo
O outro que não chegou. A pasta amarela
De carregar livros.
Um copo, um vaso, uma bola de futebol,
O cesto, o lume, a galinha,
A árvore, a asa, o bico,
O grão, o vento, a mão,
A gente, os nós, as nozes.
O tempo, o medo, o mundo,
A mala, o resto, a sombra
E uma cedilha repetida
Em muitas coisas
Pesadas como as peças
Que me faltam para continuar.

2 comentários:

Anónimo disse...

Mariana gosto muito de visitar o teu blog.
Gosto da tua escrita, da tua poesia, da musica e poetas que seleccionas.
Obrigada.
Gabriela Mota Vieira

Anónimo disse...

:) obrigada, Gabriela.