“Quando um escritor escreve um livro não quer que a história dê para contar, quer que dê para pensar”, escreveu Maria Lúcia Lepecki na conferência intitulada “Sobre José Cardoso Pires”, integrada na obra, que homenageia este escritor português do Século XX, intitulada: “Actas do 3º encontro de Professores de Português – A língua mãe e a Paixão de Aprender”. O livro, que escolho, nesta crónica, para recomendar chama-se O Delfim. Uma obra que tem, na minha opinião, a grande mais valia de não conduzir os leitores a um desfecho pontual, mas sim de levá-los a pensar como foi elaborada a trama e quais os papéis que o autor lhes estendeu na palma das mãos para que o lessem, estudassem e pensassem. Não esperar, por isso, que o autor ofereça o corpo do texto sem nenhum desafio é a lição primeira. Não esperar que a história aqui narrada se conte sem “pedir” nada em troca é a lição segunda.
O epíteto “caçador de enigmas” que uso para título desta crónica aparece porque penso que, para além da “caça” que está na implícita na acção do texto, ela está também presente como substantivo de atenta e cuidadosa procura; tornando-se mote de escrita do romance. José Cardoso Pires, o autor, é, assim um caçador; o sujeito que de caneta em punho vai enrolando o leitor, enquanto espalha personagens por dentro de histórias múltiplas que se sucedem e encadeiam tal qual como num enigma, que é, tão só, o mote da leitura. E, como não há duas sem três, entender que em cada leitura deve o leitor ter sempre presente a noção de que o autor procurou criar um leitor aberto às inovações do discurso, quer ao nível da técnica da escrita, quer ao nível dos conteúdos ficcionais é a lição terceira.
O livro permite seguir a linha do pensamento do escritor. Sabemo-la circular como a “lagoa”. Circular como um olho, a pedir que a leitura seja atenta, pausada e, sobretudo, pensada.
José Cardoso Pires nasceu em São João do Peso, em Vila do Rei, a 2 de Outubro de 1925. Foi oficial da Marinha Mercante, jornalista, redactor. Colaborador de várias publicações entre as quais a revista Almanaque, Diário de Lisboa, Gazeta Musical e Todas as Artes, Revista Afinidades. Escreveu mais de uma dezena de livros, dos quais se destacam, além da obra supracitada, as reconhecidas obras de arte: “Balada da Praia dos Cães”; “ De Profundis Valsa Lenta”; “Lisboa, livro de bordo”, entre outros. Algumas das suas obras, como “ O Delfim” foram adaptadas para o cinema. Ganhou em 1998, ano da sua morte, o Grande Prémio da Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores.
Termino, citando-o: “(…) Aqui tens, José, o homem que te interroga. Que te fuma e te duvida. Que te acredita. E com esta me despeço, adeus até outro dia, e que a terra nos seja leve por muitos anos e bons neste lugar e nesta companhia. Pá, apaga-me essas rugas. Riscam o espelho, não vês?” (in Cardoso Pires por Cardoso Pires, entrev. de Artur Portela, 1ª edição, Publicações D. Quixote, 1991, 124 p., pp. 89-94”
"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando as vidas dos insectos..." Mário Quintana
terça-feira, outubro 23, 2007
José Cardoso Pires, caçador de enigmas
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publicada no jornal Correio do Norte
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