«Trago uma lira no tutano.
Como interior da minha toca.
Tocam-me as teclas e o piano
É não saber porque me tocam.
Onde não fui dói-me no osso
E porque dói é que há o mundo.
Sou fundo e não achei o poço
Que me dê cimo para ser fundo.
Seja o que for, forma-me em arco.
Com sete espadas na espinha.
E cada uma solta-me um barco
Como quem põe uma adivinha.
Levo o que falta numa pulseira
Que em diamantes me forma o pulso.
E o meu tamanho é a maneira
Mais vertical do meu impulso.
Deram-me a rua e a janela.
Se eram extremos da minha pista,
Ficou-me a alma toda amarela
Por não saber de onde era a vista.
Passeio a passos de felino
A minha trança a ver se acho
A avenida que o destino
Tirou de cima para pôr em baixo.
Se a queda foi por estar mais alto,
Um coração no tornozelo,
Como um remorso, pede-me o salto
Que me ice o pé ao sete-estrelo.
Tirem-me o cão. Talvez o cego
Como um pião encontre o mundo.
Que por não termos alma de prego
É que não vamos firmes ao fundo.»
Natália Correia
(13 de Setembro de 1923 - 16 de Março de 1993)
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